Nosso Segredo Sombrio - 04

Selene estava sentada à beira da cama, o tecido macio do lençol roçando contra suas coxas nuas, mas sua mente estava distante, perdida em uma encruzilhada que ela não sabia como cruzar. Cassian estava no banheiro, cantando baixinho, a despreocupação juvenil tão evidente em cada nota que ele emitia. Ele era o homem que todos diziam ser perfeito para ela — belo, doce, e acima de tudo, apaixonado. Mas, naquela quietude, Selene sentiu um vazio estranho. Um sentimento obscuro, uma sombra que crescia, se espalhava pelas suas entranhas e tomava forma de algo que não conseguia nomear, mas que queimava com o calor da culpa. Ela o amava, claro que amava. Mas havia algo de incompleto, algo que Cassian, em sua pureza, jamais poderia oferecer. Ele a adorava como se ela fosse uma joia rara, e, ironicamente, esse tipo de devoção começou a sufocá-la. Ela não queria ser uma joia. Queria sentir-se carne, calor, desejo... E foi Lucian que a fez sentir assim, logo que ela o conheceu.

     Ele era o oposto. Onde Cassian era luz, Lucian era trevas; onde o noivo a venerava, o irmão a desafiava. Lucian era mais velho, mais cínico, e trazia em seus olhos um fogo que não apenas seduzia — ele queimava. Selene já tinha cedido. Ela sabia disso, mesmo que nunca tivesse pronunciado em voz alta. O pensamento de Lucian — suas mãos firmes, seus olhos perscrutadores — fazia seu corpo estremecer de desejo. Havia uma noite específica que retornava à sua memória constantemente, quando ela estava fraca, vulnerável, e ele não hesitou. Ele sabia como provocá-la, como fazê-la implorar sem usar uma única palavra.

     A traição estava ali, viva, pulsante, entrelaçada nos lençóis de cada noite em que ela pensava nele ao invés de Cassian. Ela traía a promessa, traía a devoção do noivo, e mesmo assim, não conseguia se impedir. Havia algo incontrolável, um desejo que Cassian, por mais amoroso que fosse, jamais saciaria. Lucian era como um veneno delicioso, algo que a corroía por dentro, mas ela bebia de bom grado.

    Lucian tinha o dom de destruir o psicológico das pessoas. Não com palavras diretas, não com ameaças, mas com sutileza. Ele tinha uma habilidade inata para invadir mentes, como um predador que penetra lentamente na sua presa, envenenando-a com dúvida, desejo e caos. Quando Lucian falava, ele não só captava sua atenção — ele tomava posse dela. Seus olhos pareciam sondar a alma, e Selene sabia, cada vez que se encontrava sozinha com ele, que era um jogo perigoso. Ele manipulava suas emoções com precisão cirúrgica, mexendo em cada insegurança, cada lacuna em seu relacionamento com Cassian.

— Você acha que ele sabe o que você realmente deseja? – Lucian sussurrou em seu ouvido uma vez, quando ela estava à beira de ceder, o rosto próximo demais, a respiração dele quente contra a pele dela. 

     Selene se sentia como um pássaro preso em uma gaiola, mas a gaiola era ela mesma, as barras eram seus próprios sentimentos e o desejo incontrolável que sentia por aquele homem proibido. Cada encontro, cada conversa com Lucian, era como caminhar por um campo minado — e ela gostava disso. Lucian a fazia sentir viva de uma maneira que Cassian não conseguia. Ele a testava, brincava com ela, e, mesmo sabendo que isso era perigoso, Selene não conseguia parar.

     Era mais do que apenas desejo físico. Era a mente de Lucian. Ele era um hedonista, um incendiário. Ele entendia as profundezas da psique humana, sabia onde mexer para gerar confusão e medo. Ele invadia o subconsciente, abria portas trancadas e acendia chamas onde deveria haver apenas cinzas. Cassian poderia amá-la até o fim dos tempos, mas Lucian a conhecia de um jeito que a tornava refém de si mesma. Ele era o caos encarnado, e ela, impotente, sentia-se atraída pela destruição que ele representava.

     O perigo disso era evidente. Lucian não era um homem comum. Ele tinha o poder de destruir a todos ao seu redor, porque ele queria destruição. Não por maldade, mas por um desejo intrínseco de domínio. Ele gostava de ver o caos que deixava em seu rastro. O que começou como uma tensão entre Selene e ele logo se espalharia como fogo em palha seca, afetando todos os que estivessem por perto. Cassian, com seu coração puro e amor inabalável, era o primeiro em risco. Ele não via o irmão como uma ameaça — por que deveria? Mas Selene sabia que Lucian estava jogando, e o prêmio final era o controle total. Não apenas sobre ela, mas sobre a vida de todos ao seu redor. Ele queria provar que era superior, que ele podia ter tudo, até mesmo o que era precioso para seu irmão mais novo. E isso apavorava Selene, porque ela sabia que Lucian não pararia até conseguir. Ele era implacável, e ela estava cada vez mais enredada em suas teias. O que começara como uma faísca de desejo agora era um incêndio incontrolável que ameaçava engolir todos — Cassian, Lucian e ela mesma. Havia algo de perverso na forma como Lucian a prendia, algo que transcendi​a o físico, alcançando os recônditos mais sombrios de sua mente e de sua alma. Ele era uma força destrutiva, e ela era o combustível.

      O caos estava à espreita, e Selene sabia que não havia volta. O fogo de Lucian consumiria tudo, e ela, tragicamente, não sabia se queria escapar disso.

O vinho servido por Lucian era um raro francês, o último de um estoque antigo que ele havia adquirido logo após se instalar em Flerks. O aroma intenso da bebida pairava no ar, enquanto ele observava o casal à sua frente. Seus olhos, porém, repousavam por mais tempo em Selene. Havia algo magnético nela, algo que ele não conseguia — ou não queria — ignorar. Ele a estudava com uma intensidade previamente calculada, cada movimento, cada gesto. Quando um pequeno fio do vinho escorreu pelo canto da boca dela, sua atenção ficou ainda mais afiada. Seus olhos seguiram a trilha escarlate até o lábio inferior, que ela logo secou com a língua. O formato de seus lábios o fascinava, a forma suave e perfeita que o deixava em um estado quase febril de excitação.

      Lucian engoliu em seco, sentindo o calor se acumular em sua virilha, um formigamento que o fez ajustar a postura, cruzando as pernas em uma tentativa sutil de mascarar sua reação. O controle era uma habilidade refinada nele, e seu rosto não revelava nada além de um sorriso frio e misterioso enquanto mudava de assunto com fluidez.

— Então, quando se casarão? — perguntou ele, sem desviar os olhos de Selene por um segundo sequer.

— Daqui a dois meses — respondeu Cassian, orgulhoso, seu sorriso inocente contrastando com a tensão invisível no ar. 

     Ele não via, não sentia o que estava acontecendo, a energia que se formava entre Selene e Lucian, como um campo magnético impossível de resistir.

     Selene, por outro lado, sentiu o impacto das palavras de Lucian como um soco invisível no estômago. Havia algo mais naquela pergunta do que simples curiosidade. Era uma provocação. Um lembrete. Ele sabia o que estava fazendo. Lucian tinha a habilidade de invadir não só a mente, mas o coração de quem estivesse por perto, e com Selene, ele já tinha feito isso muito antes. Aquilo era um jogo. Um jogo perigoso.

     Ela se mexeu desconfortável no sofá, tentando se concentrar no calor do vinho, mas sua pele formigava sob o olhar penetrante de Lucian. Ele sabia. Sabia como aquela simples troca de olhares fazia sua mente girar e seu corpo arder de uma forma que Cassian nunca conseguira. 

    Lucian continuou, a voz sempre sedutora, como se sussurrasse segredos ao vento:

— Dois meses... — ele repetiu, fingindo consideração, mas o cinismo era inegável. — Muito tempo para preparar tudo. — Ele fez uma pausa, inclinando-se ligeiramente para frente, os olhos azuis mais intensos, como se pudesse despir Selene com o olhar. — Tenho certeza de que será uma cerimônia memorável.

      Cassian, alheio à tensão, assentiu entusiasmado.

— Com certeza! Selene está cuidando de todos os detalhes.

     Mas Lucian não estava interessado em detalhes de casamento. Ele estava interessado em Selene, em como ela reagia a ele, mesmo com o noivo ao lado. E ela, lutando contra a culpa e o desejo, sentia-se puxada para ele como uma mariposa em direção à chama.

     Lucian se levantou, ainda com aquele sorriso que Selene já havia visto demais. Ele sabia o que estava fazendo. Sabia o que provocava. Ele andou até a enorme janela de vidro que dava vista para as montanhas distantes, sua presença dominante preenchendo o ambiente. Virou-se, segurando sua taça de vinho com um ar descontraído, mas seus olhos continuavam fixos em Selene.

— Sabem, o amor é uma coisa fascinante... — ele disse calmamente. — Pode ser a coisa mais bela do mundo, mas também... pode destruir.

     Selene sentiu um arrepio na espinha. Ele estava jogando com ela, manipulando suas emoções, e o pior de tudo era que ela estava cedendo. Ela sabia que deveria parar, mas não conseguia. O desejo que sentia por ele a consumia, a fazia querer mais, mesmo sabendo que aquilo poderia arruinar tudo. Ela olhou para Cassian, que continuava despreocupado, inocente, alheio ao perigo. Lucian caminhou de volta até eles, sentando-se na poltrona com uma pose relaxada, mas o sorriso em seus lábios era quase cruel. 

— Afinal... o que seria da vida sem um pouco de caos, não é? — murmurou ele, com os olhos cravados em Selene, que se remexeu no sofá, sentindo seu coração acelerar. 

      Ela sabia o que ele estava insinuando. Sabia que Lucian não era apenas uma ameaça externa, mas uma tempestade que já estava dentro dela, pronta para destruir tudo que ela conhecia.

     Lucian tomou um gole lento de seu vinho, saboreando o silêncio antes de continuar. A noite estava carregada de algo mais denso que apenas a escuridão lá fora. Ele inclinou a cabeça, sempre calculista, seus olhos faiscando enquanto ponderava suas próximas palavras. O jogo, para ele, nunca era apressado.

— O amor... — começou ele, arrastando a palavra como se estivesse provando seu peso. — ...é uma coisa engraçada, não acham? Tão volátil. Tão efêmero. Há o amor carnal, o desejo que queima como um fogo descontrolado... — Ele lançou um olhar furtivo para Selene, observando o leve tremor em seus lábios enquanto ela ouvia. — Mas esse fogo, por mais intenso que seja, sempre se apaga. É inevitável. A paixão que uma vez devora, depois, não passa de cinzas — Selene apertou os lábios, sentindo o calor subir por seu corpo. As palavras de Lucian pareciam sussurrar diretamente a ela, como se apenas eles dois estivessem na sala. — E depois... — continuou Lucian, jogando uma perna sobre a outra e descansando um braço sobre o encosto da poltrona, o semblante descontraído, mas os olhos predadores. — Há o amor sentimental, aquele que promete durar. Doce, confortável... — Ele fez uma pausa, os olhos brilhando com cinismo. — ...mas tão facilmente iludido. As promessas de juventude, beleza, de uma eternidade juntos, como se o tempo não fosse o maior inimigo de todos. Porque, vejam bem... — Lucian virou-se para Cassian, quase sorrindo de forma paternal. — A beleza... essa beleza que você tem, irmão, que hoje encanta e segura, também envelhece. E o que resta então?

      Cassian riu descontraído, sem captar o veneno sutil nas palavras do irmão mais velho. 

— Ainda bem que isso vai demorar, né? — ele respondeu despreocupado, com seu sorriso de garoto. Inocente.

     Mas Lucian, sem desviar os olhos de Selene, apenas arqueou uma sobrancelha.

— Será que vai mesmo? O tempo, Cassian, é implacável. Ele tira tudo de nós. O que hoje é belo, jovem e vibrante, um dia será... diferente. — Ele fez uma pausa, girando o vinho em sua taça, observando o líquido rodopiar antes de continuar, em tom quase meditativo. — E o desejo, ah, o desejo... não é eterno. Ele precisa ser alimentado constantemente, com algo novo, algo que sempre desafie, excite.

     Selene tremia por dentro. Ele não estava falando apenas de filosofia, ela sabia. Ele estava falando dela, de como o desejo entre ela e Cassian já não era suficiente. De como Lucian havia se infiltrado em sua mente e corpo. Como ele a fazia queimar de um jeito que seu noivo jamais poderia.

— O hedonismo, por outro lado... — Lucian sussurrou, seus lábios se curvando em um sorriso perigosamente sedutor. — Esse é um deus que nunca envelhece. Prazer pelo prazer. A busca incansável por aquilo que nos satisfaz de maneiras que a moralidade jamais permitirá. É puro. Cru. Incontrolável. 

    Ele fez uma pausa dramática, deixando o silêncio entre eles ser preenchido apenas pelo som do vento lá fora e pela respiração acelerada de Selene. 

— Sabe, Cassian... — ele voltou a falar, agora em tom mais casual. — O amor sentimental é belo, claro. A ideia de duas almas unidas pela eternidade, superando o tempo, a decadência... Mas será que é suficiente? Será que um dia, quando as noites ficarem mais longas e o corpo não responder como antes, será que o amor ainda será o bastante para preencher esse vazio? 

     Cassian olhou para Lucian, confuso, sem perceber o jogo oculto em suas palavras.

— Eu... acho que sim. Quer dizer, Selene e eu temos isso. Não é só físico, é mais do que isso. É... — ele procurou as palavras, sem saber que o irmão já havia vencido o jogo antes mesmo de começar.

      Lucian sorriu, um sorriso suave e indulgente, mas cheio de um subtexto que só Selene compreendia.

— Ah, claro, claro. Vocês têm algo especial. Algo que muitos não têm. Mas veja... — Ele abaixou a voz, fazendo com que Selene tivesse que se inclinar ligeiramente para escutá-lo, sentindo o calor de suas palavras atingirem sua pele. — A carne... a carne sempre fala mais alto. O corpo, meus caros, sempre busca o que é intenso. O que é proibido — e então, seus olhos voltaram para Selene. O olhar era profundo, como se estivesse invadindo sua mente, lendo seus pensamentos mais secretos e sombrios. — A mente... a mente é um território traiçoeiro, Selene. Difícil de controlar. Pode-se amar alguém com todo o coração e, ainda assim, o corpo pode desejar outro. É a nossa natureza, afinal. Quem somos nós para lutar contra ela?

     Selene sentiu  o nó na garganta se apertar. Suas mãos estavam frias, mas o resto de seu corpo queimava com o desejo. As palavras de Lucian, sua filosofia perversa sobre o amor e o desejo, estavam lentamente desarmando cada uma de suas defesas.

     Ele estava certo. Ela sabia que ele estava certo.

     E enquanto Cassian sorria, ainda alheio ao veneno que Lucian estava destilando, ela se perguntava: Quanto tempo mais poderia resistir antes de ceder completamente?

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