O medo, que antes parecia pulsar sob sua pele, dissipou-se como vidro estilhaçado, fragmentado em milhares de pedaços, sem deixar espaço para retorno. Selene não era mais apenas sua noiva; naquele instante, ela era uma mulher determinada a provar seu amor por Cassian Thorn. Ela não precisava de palavras, apenas estendeu a mão em sua direção, os dedos delicados mas firmes. Sem hesitar, ele a seguiu, como se aquela dança entre eles fosse inevitável, algo que ambos precisavam. Ela o guiou de volta ao quarto, um espaço que, para Cassian, era como uma prisão durante a noite, cercado por paredes que pareciam se fechar ao redor de seus pensamentos. Ao entrar, sentiu o peso sufocante daquele ambiente apertar novamente seu peito. Mas agora, havia algo diferente. O toque de Selene, a firmeza com que o fez sentar-se sobre a cama, era uma tentativa de quebrar essas correntes invisíveis. Ela sabia dos fetiches de seu noivo, dos desejos que ele nutria e, naquela manhã, estava disposta a alimen
Lucian Thorn saiu do imponente edifício do Grupo Thorn ao final daquela tarde. A cidade de Flerks exibia seu habitual cenário nebuloso, a chuva recente ainda marcando presença nas calçadas e no ar. As gotas persistentes que escorriam pelas fachadas refletiam a grandiosidade da metrópole, um local de infraestrutura moderna e uma vibração cultural forte, onde os pontos turísticos eram intercalados entre a natureza e a urbanidade. Ele desceu as escadarias de mármore do edifício com passos firmes, sua presença dominante chamando a atenção dos poucos que passavam. Ao chegar ao seu carro, um clássico Mustang negro que brilhava sob a fraca luz das lâmpadas da rua, Lucian deslizou para o interior do veículo com a mesma precisão e controle que aplicava a tudo em sua vida. O motor rugiu sob suas mãos firmes no volante, e ele partiu, cruzando as ruas da cidade que começavam a se encher com as luzes noturnas refletindo no asfalto úmido. O caminho até sua mansão era sinuoso, mas familia
As pessoas são frágeis por natureza. Não na constituição física, não nos ossos ou na carne que as compõem, mas em algo muito mais profundo: a mente. A mente humana é maleável, como um pedaço de argila, moldada pelas mãos daqueles que a tocam, pelas circunstâncias que a cercam. E o mais trágico disso tudo é que, na maioria das vezes, quem molda essas mentes são outras igualmente vazias. Mentes que não têm substância própria, que se dobram e se retorcem ao sabor das influências externas, das expectativas sociais, dos desejos alheios. Somos, todos nós, vítimas e algozes de um ciclo interminável de subserviência mental. Observa-se nas interações diárias como as pessoas se perdem na necessidade de agradar, de serem aceitas, de pertencerem a um coletivo que, por si só, é vazio. É um vazio que ecoa, que ressoa nas decisões que tomam, nas palavras que escolhem dizer e até nos silêncios que optam por manter. A sociedade exige conformidade, uma conformidade tão insidiosa que poucos seque
Damian era o tipo de homem que personificava o que o mundo moderno chamaria de perfeição bruta, mas havia algo além da carne esculpida e dos olhos profundos. Ele carregava no corpo a selvageria indomada, gravada em cada centímetro de pele. Seus músculos, desenhados com a precisão de um escultor, sugeriam uma força inata, mas o que realmente atraía a atenção eram as tatuagens que adereçavam seu ombro e braço. Cada linha da tinta parecia contar uma história, mas de um modo que não oferecia respostas, apenas mais perguntas — como um enigma tatuado sobre a pele que ele nunca permitia que alguém decifrasse por completo. A cidade de Flerks, onde Damian morava, era um reflexo perfeito de sua alma: cinzenta, chuvosa, eterna em sua melancolia. Era um lugar onde a luz do sol era quase uma lenda, substituída pelas goteiras incessantes que manchavam as janelas de vidro das casas modernas. Damian morava no centro, em uma construção fria e minimalista, tão afiada quanto a sua personalidade. A
A alma humana é uma entidade melindrosa, uma força invisível que carrega consigo as profundezas do que é ser. Desde o início dos tempos, foi moldada com o toque da divindade, feita à imagem e semelhança do Criador. Mas dentro dessa centelha de luz, sempre houve uma sombra. A dualidade entre o bem e o mal, entre a luz e a escuridão, não é apenas uma questão externa, de forças em conflito no universo; é, antes de tudo, um embate interno, que habita no âmago de cada ser humano. Nos relatos bíblicos, a Criação é descrita como um ato de pureza, uma obra perfeita em sua essência. O homem, feito do barro, recebeu o fôlego divino, a alma — o sopro da vida. Entretanto, logo no início, o erro se infiltrou. A desobediência no Éden não foi um simples ato de rebeldia, mas uma manifestação da inquietude do espírito humano. O desejo pelo conhecimento, pela autonomia, o desejo de ser mais do que se era. E foi Lúcifer, o anjo mais belo, quem primeiro expôs essa verdade: que dentro de toda perfe
O arrependimento é uma coisa estranha, escuro e viscoso, escorrendo lentamente até enredar cada pedaço de quem o sente. Selene Holloway, uma vez radiante, agora parecia apenas uma sombra de si mesma. Ao se entregar a Lucian Thorn, havia cruzado uma linha tênue e irreversível, marcada não apenas por uma ação, mas por uma escolha que a aprisionava em um ciclo contínuo de culpa e desejo. Cassian, seu noivo, começava a se tornar insaciavelmente desconfiado, como um homem enredado na incerteza, seu olhar inquisitivo refletindo a intensidade com que ele queria a verdade. Selene, porém, parecia intocada; estava imóvel, o olhar perdido em um ponto indistinto, como se suas emoções estivessem adormecidas em algum canto escuro de seu ser. Cada batida de seu coração soava lenta, como se pudesse falhar a qualquer instante, e o tempo parecia se alongar e torcer ao seu redor, transformando a realidade em algo denso e sufocante. As amarras que a seguravam entre os mundos do prazer e do dev
Não há heróis quando a pena que escreve o conto está nas mãos de um vilão. Na visão dos impiedosos, todos ao seu redor refletem apenas sombras e fraquezas semelhantes. Para Cassian Thorn, a percepção da natureza do seu irmão Lucian era como um amargo que jamais dissipava; ele sabia, desde muito cedo, que entre ambos, o vínculo de sangue sempre foi permeado por desconfiança e rivalidade. Lucian era um furacão, uma tempestade que devastava tudo ao redor, movido por impulsos destrutivos e paixões violentas. Já Cassian era uma primavera rara, delicada e cheia de vida, uma brisa suave em meio ao caos da família Thorn. Tão diferente era ele que, por anos, os que conheciam sua mãe Evangeline se perguntaram, em segredo, se aquele rapaz doce e genuíno realmente trazia o mesmo sangue frio dos Thorn nas veias. Contudo, Cassian nunca se deixou abater por murmúrios alheios; ele sabia quem era. Trazia o sangue da linhagem, mas um coração que resplandecia em bondade. Amava o irmão, sim, com um
Selene Halloway estava noiva de Cassian Thorn — ou apenas Cas, como ela carinhosamente o apelidara durante a adolescência, quando a paixão intensa e cheia de rebeldia os consumiu. Ambos tinham a mesma idade: vinte e cinco anos, com a pequena diferença de que Cassian era cinco meses mais velho. Selene tinha cabelos negros e uma pele bronzeada que contrastava perfeitamente com seus olhos azul-claros, um detalhe que sempre encantou Cassian desde o dia em que a viu pela primeira vez. Ele se lembrava nitidamente desse momento, a primeira vez que seus olhos verdes se encontraram com os dela no grande hall da Partenon High School. Naquela época, Selene era baixa, com os cabelos cortados pouco abaixo do pescoço, pele clara e uma timidez que a tornava alvo das piadas cruéis dos estudantes mais influentes. Tinha acabado de se mudar para Flerks, uma cidade importante, habitada por uma mistura de americanos e alemães. Selene, americana de nascença, destacava-se das outras garotas de um jeito