Já era noite. Selene Holloway estava sentada à beira da cama, os olhos fixos no nada enquanto o peso da culpa a sufocava. Seus cabelos negros ainda úmidos escorriam pelos ombros, contrastando com a pele nua e fria. As pernas estavam estendidas, os pés tocando o chão, mas sua mente vagava longe. Cada pensamento era uma punição, uma batalha silenciosa entre o que ela deveria ser e o que estava se tornando. Ela suspirou, os lábios pressionados numa linha fina de hesitação. Sabia que, brevemente, Cassian entraria pela porta, exausto do trabalho, buscando nela o conforto de sempre — conforto que, ironicamente, agora era uma ilusão. E com ele, toda a pressão, toda a falsa normalidade de um relacionamento que havia se quebrado em pedaços invisíveis, mas que ainda pendiam por um fio.
Ela fechou os olhos, tentando silenciar a mente que a maltratava. Lucian. Seu nome ecoava como um veneno doce. Era como se a presença dele, mesmo ausente, estivesse ali, impregnando o quarto com lembranças que ela queria, mas ao mesmo tempo temia. O toque dele em sua pele ainda estava fresco em sua memória, o calor inegável que havia corrido por suas veias, o desejo incontrolável que a fizera ceder mais uma vez. Mas agora, o arrependimento a consumia.
"Por que eu faço isso?" murmurou para si mesma, mas a resposta era clara. Lucian oferecia algo que Cassian nunca poderia — um perigo que a seduzia, uma paixão crua e brutal que a fazia sentir viva de uma maneira que o noivo, apesar de todo o amor, não conseguia mais provocar. O som de uma chave na fechadura trouxe Selene de volta à realidade. Seu coração acelerou. A porta se abriu e Cassian entrou, um sorriso cansado no rosto, alheio à tempestade que rugia dentro dela.
— Oi, amor — ele disse, caminhando até ela e inclinando-se para um beijo.
Selene sorriu de volta, mas o sorriso não alcançou seus olhos. Ela beijou Cassian de volta, sentindo o gosto familiar, mas algo dentro dela gritava por liberdade. Por algo que ela sabia que não deveria querer, mas que desejava mesmo assim.
Cassian não percebeu o distanciamento, ou talvez preferisse ignorar. Ele a abraçou, como fazia todas as noites, trazendo consigo a segurança de um futuro planejado, estável. Mas Selene sabia que aquele abraço, por mais caloroso, não poderia apagar as marcas que Lucian havia deixado. O conflito entre amor e desejo, entre lealdade e traição, era uma batalha que ela sabia que não terminaria tão cedo. E em algum lugar, no fundo de sua mente, Selene já se perguntava quando seria a próxima vez que seus caminhos cruzariam novamente com os de Lucian, sabendo que, por mais que lutasse contra, a tentação sempre a faria ceder.
Cassian era, sem dúvida, um homem de tirar o fôlego. Sua beleza era marcada por traços esculpidos com perfeição. Os cabelos loiros caíam suavemente sobre sua testa, e a tatuagem que se estendia pelas costas musculosas dava-lhe um ar de mistério que contrastava com sua natureza gentil. Seus olhos, de um tom profundo e cativante, sempre expressavam uma compreensão silenciosa, quase como se enxergassem além das palavras, tentando capturar os pensamentos que Selene não dizia. Ele era carinhoso, atencioso, o tipo de homem que sempre se preocupava em garantir o bem-estar da noiva, fazendo o possível para compreender suas angústias, mesmo quando ela não as explicava por completo.
Por mais que seu físico fosse impressionante e sua presença cativante, era sua doçura que o destacava. Cassian era aquele que, mesmo após um longo dia de trabalho, sempre fazia questão de abraçar Selene com ternura, ouvir sobre seu dia, e tentar, de alguma forma, aliviar qualquer peso que ela carregasse. Ele acreditava na força do amor que compartilhavam e não tinha dúvidas de que estavam construindo um futuro sólido juntos. No entanto, Cassian não sabia da tempestade que assolava a mente de Selene. A confiança que tinha nela era inabalável. Para ele, o amor era suficiente para superar qualquer obstáculo, qualquer dúvida. Ele a amava profundamente e estava disposto a enfrentar qualquer coisa para manter a felicidade que acreditava ter encontrado ao seu lado. Mas havia algo que ele não podia ver — a sombra de Lucian que pairava sobre seu relacionamento.
Lucian e Cassian carregavam entre si um abismo de sete anos que ia muito além da idade. Lucian, aos trinta e dois, já havia traçado um caminho sinuoso de manipulações e desejos egoístas, enquanto Cassian, com seus vinte e cinco anos, ainda navegava nas águas da juventude, buscando se encontrar. Eram irmãos, sim, e sempre mantinham uma convivência aparentemente próxima, com conversas e momentos partilhados, mas a sombra de Lucian pairava sobre Cassian de maneira quase sufocante. A influência de Lucian era como uma maré traiçoeira — discreta, mas irresistível. Ele tinha uma habilidade nata de moldar a realidade ao seu bel-prazer, guiando o irmão com palavras bem escolhidas, empurrando-o para caminhos que Cassian, em sua ingenuidade, não conseguia reconhecer como perigosos.
Lucian era como um pomar repleto de frutos visivelmente tentadores, mas todos eles envenenados, corroídos por dentro. E embora Cassian, com sua bondade natural, tentasse se manter puro, acabava se rendendo à sedução velada do irmão, caindo nas armadilhas que Lucian dispunha com maestria. Lucian era o espelho distorcido onde Cassian, sem perceber, refletia-se pouco a pouco. E cada decisão que tomava sob a influência do irmão o afastava de quem realmente era, e o aproximava de um mundo corrompido, feito de desejos egoístas e vícios encobertos por uma máscara de afeto familiar.
— Quer jantar fora? — Cassian perguntou, sua voz suave, carregada de preocupação.
A morena, com o olhar distante, negou de imediato. Parecia perdida em pensamentos sombrios que a perseguiam há dias.
— Eu posso esquentar alguma coisa da geladeira — respondeu, tentando soar prática, mas sua voz falhou, revelando o quanto ela se sentia desconectada.
Cassian franziu a testa, a preocupação cada vez mais evidente. Sentou-se ao lado dela na beirada da cama, seus olhos analisando-a com cuidado, como se quisesse desatar todos os nós invisíveis que pareciam prendê-la a algum lugar distante. Ele buscava, com o olhar, encontrar respostas no rosto dela, aquele que tantas vezes conheceu como uma morada de paz, mas que agora se escondia em inquietações.
— Essas suas idas à psicóloga estão te deixando... diferente — ele comentou, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Já se passaram seis meses, Selene. Compartilhe comigo o que tanto te atormenta, meu amor.
Ela se levantou bruscamente, afastando-se dele como se o toque, ou mesmo a proximidade, a sufocasse. A sombra de algo mais pesado que Cassian não conseguia decifrar pairava sobre ela.
— Você me ama, Cas? — a pergunta saiu quase como um sussurro, carregada de uma urgência que o assustou.
— Mas que pergunta mais sem sentido, Selene. É claro que eu te amo. Estamos noivos, lembra? Por que você está me perguntando isso agora?
Ela o olhou com intensidade, os olhos brilhando com uma emoção que Cassian não sabia nomear. Selene parecia à beira de desmoronar, e, ao mesmo tempo, tentava manter o controle de si mesma, como alguém que se equilibra à beira de um precipício.
— Vamos embora de Flerks, por favor — implorou, sua voz carregada de desespero.
Cassian piscou, surpreso com o pedido.
— Mas... você ama Flerks. O que está acontecendo? Por que essa súbita urgência?
Selene se aproximou de novo, seus dedos trêmulos segurando o rosto dele com delicadeza, enquanto seus olhos imploravam por compreensão.
— Eu estou sufocando aqui, querido — confessou, a voz embargada. — Não consigo mais ser eu mesma.
Cassian ficou em silêncio por um momento, sentindo o peso daquelas palavras. Algo estava profundamente errado, e ele sabia que não poderia ignorar mais.
— Se você sente isso, Selene, vamos embora. Para onde quiser. Você só precisa me dizer... o que está acontecendo? Eu só quero te ajudar.
Cas observou a tensão no rosto dela aumentar, mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Selene começou a caminhar de um lado para o outro pelo quarto, os dedos entrelaçados de forma nervosa. Ela parecia uma tempestade prestes a se formar, suas palavras saindo de forma atropelada, confusas e carregadas de uma intensidade que ele não estava acostumado a ver.
— Não... não é tão simples, Cas! — ela exclamou, sua voz tremendo. — Não é só sobre Flerks, não é só sobre essa cidade... — Parou de repente, encarando a janela, o peito subindo e descendo rápido como se buscasse fôlego. — Eu sinto que estou... presa, sufocada. Como se tivesse algo aqui dentro, algo que eu não consigo... — Sua mão foi ao peito, apertando o tecido da camisa como se quisesse arrancar o que estivesse a atormentando.
Cassian tentou se aproximar, a suavidade em seus movimentos contrastando com a intensidade das emoções dela, mas Selene recuou novamente, voltando a andar de um lado para o outro, mais rápido agora, os cabelos negros balançando com cada passo.
— Não sei como te explicar — ela murmurou, as palavras saindo apressadas. — Não sei como colocar isso em palavras sem que tudo pareça... errado, sem que você pense que eu sou a errada aqui. Mas eu juro, Cas, juro que não sei mais quem eu sou. Eu não consigo respirar nesse lugar, com tudo isso.
Ele a observava, impotente, tentando encontrar uma brecha em suas palavras, algo que pudesse entender e ajudá-la a se abrir de vez, mas Selene contornava o assunto como se estivesse fugindo de si mesma, de seus próprios pensamentos.
— Por favor, me diga o que está acontecendo — ele insistiu, tentando manter a calma, mas com o coração apertado.
Selene parou de andar, os olhos cravados no chão, e então, com um suspiro pesado, balançou a cabeça.
— Eu não posso, Cas... eu não consigo.
O loiro suspirou profundamente, como se tentasse encontrar uma solução no próprio ar.
— São meus pais? Eles estão te pressionando para desistir do casamento? — perguntou, a voz tingida de preocupação.
Selene levou as mãos à cabeça, os olhos vermelhos denunciando o choro contido por tanto tempo, agora prestes a transbordar.
— Não. Não são seus pais, Cas... — murmurou, a voz embargada, quase sufocada pelas próprias emoções.
— Então quem é, Selene? — ele insistiu, a frustração misturada com desespero. — Me diga, por favor, para que eu possa ajudar você.
Selene começou a andar de um lado para o outro novamente, o desespero tomando conta de cada movimento. As mãos trêmulas apertavam as têmporas, como se tentar controlar a dor e a confusão em sua mente fosse possível com aquele simples gesto. Os soluços, até então contidos, finalmente escaparam, rasgando o silêncio pesado do quarto.
— Eu... eu não sei, Cas... eu não sei mais! — ela choramingou, as palavras atropelando-se, sem lógica ou direção. — Não são seus pais, não é o casamento... é tudo! Eu estou sufocando, Cas! Eu... não consigo respirar! Eu não sei mais quem eu sou! — o pranto ficou mais forte, seus ombros sacudindo com a intensidade das lágrimas que agora caíam livremente.
Cassian levantou-se devagar, o olhar confuso, mas cheio de ternura. Aproximou-se com cuidado, temendo que qualquer palavra ou gesto errado pudesse quebrá-la ainda mais. Suas mãos grandes e firmes pousaram nos ombros dela, tentando trazer algum tipo de ancoragem à mulher que ele amava tanto.
— Shhh, calma, Sel... — ele sussurrou, puxando-a com cuidado para seus braços, envolvendo-a em um abraço. — Eu estou aqui. Você não está sozinha.
Mas Selene Holloway já estava sozinha, não por uma ausência externa, mas porque havia se desertado de si mesma. Abandonada no labirinto de sua própria mente, ela se via incapaz de alcançar a saída. Não eram os outros que a deixavam; era ela que, lentamente, afundava em um poço de angústia, onde o prazer e a dor se entrelaçavam como velhos conhecidos. O abismo que tanto temera agora se estendia à sua frente, e cada passo mais perto da borda era como uma rendição silenciosa ao hedonismo sombrio que a tentava com promessas de alívio imediato, mas de consequências devastadoras. Cassian, por mais que quisesse, não poderia salvá-la. Ele, com todo o seu carinho e compaixão, não compreendia a profundidade do caos interno de Selene. O prazer era, para ela, uma fuga, e o sofrimento, uma constante companhia. Cassian, em sua inocência, acabaria por se afastar, incapaz de suportar a verdade que ela escondia. Não por falta de amor, mas por uma cruel ironia: quanto mais ele tentasse segurá-la, mais ela se perderia dentro de si. No fim, não era ele que a abandonaria. Ela já havia se perdido muito antes, cedendo ao veneno sutil da vida bela, onde cada prazer momentâneo a levava mais fundo à dor inevitável.
Cassian Thorn sempre despertava cedo, antes mesmo que o sol invadisse as janelas do quarto. Seu corpo era esculpido com dedicação, cada músculo firme e bem definido, resultado de uma rotina disciplinada de corrida matinal pelas ruas do condomínio. Aquela hora do dia era sua favorita — o ar fresco, o silêncio quebrado apenas pelo som rítmico de seus passos no asfalto. Ao retornar, ele se ocupava da cozinha, preparando o café da manhã com zelo. Panquecas fofas e suco natural eram a escolha preferida de Selene, e Cassian fazia questão de deixar tudo pronto, um pequeno gesto de carinho que parecia trazer equilíbrio ao caos que se instalara na vida deles.
Selene Holloway, a futura senhora Thorn, deveria sentir-se grata, mas Cassian sabia que algo não estava certo. Ela, que antes adorava cozinhar e tinha prazer em criar receitas, agora deixava a comida passar do ponto. Parecia distante, como se seu espírito estivesse perdido em algum lugar que ele não conseguia alcançar. Preocupado, ele decidiu contratar ajuda para aliviar sua noiva das responsabilidades domésticas: uma arrumadeira e uma cozinheira. Ele esperava que isso a ajudasse a encontrar o caminho de volta para si mesma, ou ao menos que diminuísse o peso que parecia pressioná-la diariamente.
Mas a verdade era mais amarga do que Cassian podia imaginar. Não eram os afazeres domésticos que a sufocavam. Havia algo mais profundo, algo que se enraizava dentro dela, uma inquietação que crescia a cada dia. Selene não estava apenas perdendo o ponto do alimento; estava perdendo o ponto da própria vida.
Naquela manhã, ao acordar, Selene sentiu o cheiro familiar das panquecas e do café fresco. Era um gesto doce, como sempre. Mas ao invés de conforto, aquilo a fez sentir-se ainda mais distante, como se Cassian estivesse tentando remendar uma rachadura que ele não sabia onde começava. Ela desceu as escadas, os pés descalços tocando o chão frio da cozinha. Viu o marido, perfeito em sua rotina, esculpido em disciplina e amor, e sentiu um nó no estômago.
— Bom dia — ele disse, com aquele sorriso caloroso que ela tanto amava — ela tentou sorrir de volta, mas não conseguiu. O olhar de Cassian captou a hesitação nos olhos de Selene, e ele se aproximou, preocupado. — Selene, o que está acontecendo? — ele perguntou, a voz suave, mas com uma ponta de angústia.
Ela abaixou a cabeça, incapaz de enfrentar a profundidade da pergunta. Havia tanto que queria dizer, mas as palavras morriam antes de alcançarem seus lábios.
— Eu... não sei, Cass — respondeu, quase em um sussurro, enquanto suas mãos se encontravam em um gesto nervoso. Ela começou a andar pela cozinha, como se o movimento pudesse acalmar os pensamentos que a devoravam por dentro. — Eu só... sinto que estou presa. Aqui, em mim, em tudo. Não consigo mais ser a pessoa que era.
Cassian a observava atentamente, tentando entender o que estava acontecendo por trás dos olhos marejados dela.
— Você não precisa carregar isso sozinha. Eu estou aqui. Sempre estarei — ele se aproximou mais, tentando tocá-la, mas ela se afastou ligeiramente.
— Eu sei que está. E isso só piora — a voz dela falhou, e ela pressionou as mãos contra o peito, como se tentasse conter o tumulto de emoções dentro de si. — Eu te amo, Cassian, mas não consigo escapar de mim mesma.
O loiro levantou-se lentamente, como se tentasse conter uma tensão interna, engolindo em seco. Seus dedos passaram pelo rosto num gesto mecânico, enquanto ele respirava fundo, uma tentativa clara de se acalmar.
— Tudo bem, não vou insistir mais — ele disse, a voz baixa, lutando para não deixar o desconforto transparecer. — O Lucian nos convidou para um jantar hoje à noite, na casa dele. Se arrume, vai gostar.
Ele se inclinou, deixando um beijo suave nos cabelos dela, um gesto de ternura que apenas amplificava a sensação de sufocamento em Selene. Assim que ele saiu, ela sentiu as pernas fraquejarem, e precisou se apoiar no balcão para não desmoronar ali mesmo. Seu corpo tremia levemente, como se algo sombrio estivesse à espreita, esperando o momento exato para emergir.
Lucian. O nome ressoava em sua mente como uma sombra que ela tentava ignorar, mas que sempre retornava, mais forte, mais perigosa. A ideia do jantar na casa dele fez seu estômago revirar. Cada passo para aquela noite parecia um prenúncio, uma queda inevitável para o abismo que ela sabia que estava cada vez mais perto. O chão que ela pisava já começava a rachar, e era apenas questão de tempo até que todo o seu mundo desmoronasse completamente. Ela fechou os olhos, tentando controlar a respiração, mas o pavor crescia dentro dela, como uma tempestade prestes a explodir.
Um certo dia, não mais tão vago na memória corrompida de Selene Holloway, sua mãe, Tris, lhe dissera: “Quando tocamos o céu, sentimos nele toda a necessidade e a prudência e nos sujeitamos, lentamente, ao que pode ser considerado bom. Porém, quando é ao contrário, quando tocamos, sem querer, as sombras, parte de nós vai embora. O medo passa a nos sufocar e, sem querer, nos destrói." Tris Holloway estava, digamos, certa, mas quando nossos dedos percorrem um corpo amaldiçoado, quando nosso coração bate para o mal, nada mais importa. Na verdade, a densidade da sombra é o toque, e tudo que o envolve. Depois que Cassian, seu noivo, saiu para o trabalho, Selene se dissolveu das roupas e encheu a banheira. Afundou-se nela, deixando que a água morna envolvesse seu corpo tenso, vagando pelos seus pensamentos fragmentados. Os olhos estavam avermelhados, uma mistura de noites mal dormidas e a dor inconfessável que carregava dentro de si. O corpo protestava, cada músculo parecia gritar, mas
Selene estava sentada à beira da cama, o tecido macio do lençol roçando contra suas coxas nuas, mas sua mente estava distante, perdida em uma encruzilhada que ela não sabia como cruzar. Cassian estava no banheiro, cantando baixinho, a despreocupação juvenil tão evidente em cada nota que ele emitia. Ele era o homem que todos diziam ser perfeito para ela — belo, doce, e acima de tudo, apaixonado. Mas, naquela quietude, Selene sentiu um vazio estranho. Um sentimento obscuro, uma sombra que crescia, se espalhava pelas suas entranhas e tomava forma de algo que não conseguia nomear, mas que queimava com o calor da culpa. Ela o amava, claro que amava. Mas havia algo de incompleto, algo que Cassian, em sua pureza, jamais poderia oferecer. Ele a adorava como se ela fosse uma joia rara, e, ironicamente, esse tipo de devoção começou a sufocá-la. Ela não queria ser uma joia. Queria sentir-se carne, calor, desejo... E foi Lucian que a fez sentir assim, logo que ela o conheceu. Ele era o opost
O jantar correu com a mesma velocidade exorbitante que Lucian Thorn passou a ditar. De comida, Lucian mandou preparar um Filet Mignon ao Molho de Trufas Negras com Purê de Batatas e Aspargos Grelhados, algo que tanto Cassian quanto Selene saborearam com prazer, ainda mais com um bom Château Margaux 2009. Mesmo que a morena tenha ficado em silêncio a maior parte do jantar, o sabor da refeição não passou despercebido. Cada garfada, cada gole do vinho, eram tentativas desesperadas de se prender à realidade, de não deixar sua mente vagar para os olhares que Lucian lançava a ela. Ela tentou focar apenas na comida, evitando os assuntos entre os dois irmãos, tentando ignorar o jeito como a conversa parecia girar ao seu redor, mesmo sem ela participar. Cassian estava animado, envolvido nas falas de Lucian, sem perceber as pequenas faíscas de tensão entre seu irmão e sua noiva. Após o jantar, Lucian os conduziu até a sala de estar, onde disse que pegaria um ótimo e forte uísque para
Ao tocar novamente a escuridão, é quase certo que escapar de um destino cruel se torna uma tarefa árdua. Selene Holloway, com toda a sua angústia, conhecia essa dura verdade. Cada vez que seus dedos percorriam os músculos daquele corpo, do corpo de Lucian, seu cunhado, sentia o gosto amargo de que o fim estava próximo. Mas a pergunta que pairava em sua mente era clara e cortante: quando tudo isso acabar, o que restará de mim? Talvez apenas a infame lembrança de que tudo havia falhado. A situação era uma equação difícil, que demandava cálculos precisos. Mas Selene nunca foi boa em matemática. Preferia disciplinas que envolviam o pensamento crítico, mesmo que isso também não a tivesse protegido da filosofia sombria de Lucian Thorn. Ela não o amava. Seu coração pertencia inteiramente a Cassian Thorn, o irmão mais novo. Para Lucian, restou o fogo ardente, a faísca que se acendia quando sua pele tocava a dela. O prazer que Lucian extraía não era exatamente o que ele proporcionava a S
O ser humano é, por natureza, um enigma duplo. Ele manipula com a mesma facilidade com que se deixa manipular, flutuando entre o papel de marionete e o de mestre das cordas. Não há beleza na sinceridade de suas intenções, nem pureza nos gestos que ele chama de afeto. O prazer, para esse ser tão desconcertante, não é apenas o objetivo, mas a desculpa para a degeneração e a queda. E ninguém entende isso tão bem quanto Lucian Thorn. Para ele, a manipulação é uma arte que exige sutileza, uma dança cruel onde as máscaras caem, e o prazer não reside apenas no controle, mas na queda do outro. Lucian, nascido sob a sombra de um nome poderoso, foi forjado no fogo da tragédia e na perversidade do desejo. Desde cedo, aprendeu que a dor é uma moeda, uma ferramenta que, nas mãos certas, pode comprar qualquer alma. Quando o corpo do pai foi engolido pela estrada, e sua mãe Evangeline se perdeu nos braços do vício, Lucian viu o mundo se despedaçar — mas ele não chorou. Ele aprendeu. Descobriu,
Quando a semente da dúvida é plantada numa mente perturbada como a de Cassian Thorn, ela não apenas cresce, mas se enraíza nas profundezas de sua alma, sufocando-o de dentro para fora. Enquanto a água quente deslizava por sua pele no banho, Cassian sentia o calor tentando aliviar seu corpo tenso, mas sua mente estava fria, congelada pelo veneno das palavras de Lucian. As mentiras que seu irmão despejara, habilmente disfarçadas de preocupação, envenenavam cada pensamento, como se fossem serpentes sussurrando em seus ouvidos. A imagem de Selene, outrora perfeita, agora distorcia-se em sua cabeça, um retrato quebrado e agora sem utilidade. Será que ela realmente o amava? Ou estaria nos braços de outro, enquanto ele, como um tolo, acreditava em suas juras de lealdade? As dúvidas surgiam como fantasmas no vapor do banheiro, assombrando-o. Lucian havia insinuado, com a sutileza de uma víbora, que a traição estava à espreita. "Enquanto você está aqui, chorando por ela, outro pode esta
O medo, que antes parecia pulsar sob sua pele, dissipou-se como vidro estilhaçado, fragmentado em milhares de pedaços, sem deixar espaço para retorno. Selene não era mais apenas sua noiva; naquele instante, ela era uma mulher determinada a provar seu amor por Cassian Thorn. Ela não precisava de palavras, apenas estendeu a mão em sua direção, os dedos delicados mas firmes. Sem hesitar, ele a seguiu, como se aquela dança entre eles fosse inevitável, algo que ambos precisavam. Ela o guiou de volta ao quarto, um espaço que, para Cassian, era como uma prisão durante a noite, cercado por paredes que pareciam se fechar ao redor de seus pensamentos. Ao entrar, sentiu o peso sufocante daquele ambiente apertar novamente seu peito. Mas agora, havia algo diferente. O toque de Selene, a firmeza com que o fez sentar-se sobre a cama, era uma tentativa de quebrar essas correntes invisíveis. Ela sabia dos fetiches de seu noivo, dos desejos que ele nutria e, naquela manhã, estava disposta a alimen
Lucian Thorn saiu do imponente edifício do Grupo Thorn ao final daquela tarde. A cidade de Flerks exibia seu habitual cenário nebuloso, a chuva recente ainda marcando presença nas calçadas e no ar. As gotas persistentes que escorriam pelas fachadas refletiam a grandiosidade da metrópole, um local de infraestrutura moderna e uma vibração cultural forte, onde os pontos turísticos eram intercalados entre a natureza e a urbanidade. Ele desceu as escadarias de mármore do edifício com passos firmes, sua presença dominante chamando a atenção dos poucos que passavam. Ao chegar ao seu carro, um clássico Mustang negro que brilhava sob a fraca luz das lâmpadas da rua, Lucian deslizou para o interior do veículo com a mesma precisão e controle que aplicava a tudo em sua vida. O motor rugiu sob suas mãos firmes no volante, e ele partiu, cruzando as ruas da cidade que começavam a se encher com as luzes noturnas refletindo no asfalto úmido. O caminho até sua mansão era sinuoso, mas familia