Parte 1...Anelise observou a chuva lá fora.Já chovia forte há mais de um mês. Aracaju é uma cidade plana, mas sempre sofre com chuvas fortes e constantes nessa época do ano. Algumas ruas ficavam alagadas e haviam bairros que se tornavam verdadeiros rios, causando confusão e prejuízos para muitos moradores.Ela estava aborrecida e estressada.Toda essa chuva constante só fazia seu humor piorar. Nos últimos dias a chuva não dava uma folga, parecia que era um presságio do que estava por vir aí.Andava de um lado para outro, braços cruzados, olhar perdido em pensamentos. Do outro lado da sala Hugo a seguia com os olhos, preocupado com sua saúde física e emocional.Anelise estava muito pálida e bem mais magra. Nos últimos tempos ela vinha carregando muita pressão nos ombros magros e delicados, o que a deixara doente algumas vezes.Ela estava com vinte e seis anos de idade, mas com tanta experiência de vida quanto uma mulher de quarenta. Tinha aprendido muito. Talvez tivesse até mais expe
Parte 2...Sabia que ela ficava focada e dispendia muita energia quando estava em algum novo projeto e sua atenção agora estava na Mazzaro & Família e isso a estava deixando nervosa e agitada.Anelise ainda estava se recuperando de uma forte exaustão que culminou em uma pneumonia, após o sequestro fracassado de seus dois filhos. Alan de nove anos e Bianca de seis.Por sorte, o guarda-costas Roussó conseguiu impedir o pior e as crianças foram salvas sem nenhum arranhão. Anelise amargou um tempo ruim e isso a abalou bastante. Só Deus poderia saber o que iriam fazer com seus filhos.Anelise estava planejando sua viagem para São Paulo e era algo que ela vinha evitando há anos. Odiava ter que pisar os pés na cidade. Ela sempre disse que apenas uma grande necessidade a faria retornar ao local onde sua vida se perdeu.Sempre que aparecia algum evento ou até mesmo reunião com outros afiliados ou gente nova envolvida nos negócios, era sempre Haroldo que ia ou se não podia, Hugo ia em seu luga
Parte 3...Disse que queria saber como uma pobretona fazia sexo, nada demais, apenas diversão momentânea. Que tinha pena dela. A chamou de mentirosa, interesseira e vagabunda.Ela não recordava de ter ouvido mais nada depois disso. Foi muito duro na hora em que aconteceu. Não sabia nem como tinha conseguido sair dali. Mas recordava bem de ouvir as risadas dos três atrás de si.— Vagabunda, aproveitadora - Márcia gritava — Meu irmão só estava se divertindo. Ridícula! - gargalhou.Anelise nunca se esquecera do quanto foi triste chegar em casa e contar tudo a avó. Lourdes ficou muito triste e com medo do que a mãe dele, Luíza, poderia fazer.Depois de pensar muito, nervosa como estava, ela ajeitou o que podia, comprou uma passagem barata e a enfiou dentro do ônibus antes que a polícia batesse em sua porta e a levasse presa.Lourdes não iria suportar ver a única neta ser presa. Seria demais para ela e sabia que era tudo uma grande mentira. Mas elas não tinham como se proteger daquela gent
Parte 4...— Por um tempo eu concordei - ela deu de ombro — Mas passei a observar que os pequenos atos dele influenciavam nos negócios daquela gente - encheu o peito de ar — E isso mudou, agora que a oportunidade surgiu. Eu não procurei por eles. Aconteceu. Porque não aproveitar o que o destino me trouxe?— Mas, tanto tempo depois? - levantou e se aproximou — Já passaram tantos anos, Anelise. Seu coração não está curado?Ela se virou para o cunhado com um brilho estranho no olhar, apertando os olhos.— Não! - ela respondeu depressa e categórica, balançando a cabeça — Nem se passarem cem anos, eu vou esquecer o que me fizeram. Você sabe o que eu sofri, Hugo - ela estremeceu — Eu quase perdi meu filho - engoliu pesado — Isso não é algo que se perdoe. Não tenho sangue de barata... Não mais.— Eu entendo você, mas me preocupa mesmo assim - enfiou as mãos nos bolsos — Mas tem que levar em conta que isso é passado. Meu irmão fez tudo por você e amou seu filho como se fosse dele.— Eu sei be
Parte 5...— Não seja exagerado. Eles são inofensivos e bem calmos.— Inofensivos? Sei bem - fez um som de descaso — Como pode deixar que ele tenha uma cobra? E a Bia? Uma aranha horrível e peluda - estremeceu o corpo de modo exagerado.— Peluda até que ela é mesmo, mas não é horrível. Eu até que a acho bonita - riu baixinho.— Seja como for, se quer que eu visite a casa, aquelas coisas precisam estar presas.— Tudo bem. Eu aviso a Ludmila que deixe os animais trancados quando você for lá.— Os camaleões também - apontou — Não quero que comam minha perna.— Credo - ela riu — Camaleões são vegetarianos. O máximo de carne que eles comem é uma mosca ou um gafanhoto. Você exagera em tudo, Hugo. De qualquer forma, eu não vou me demorar. Só vou ficar por dentro das coisas como estão por lá e tirar vantagem, é claro.— Cuidado, sabe que a família é ruim. Mathias pode estar esperando você aparecer.— Ele não sabe que eu sou a viúva de Haroldo Medeiros Ferroso. O fato de seu irmão me chamar de
Parte 6...Ela passou o resto dia pensando no que Hugo lhe dissera. Era claro que ele não aprovava suas ações, mas poderia tentar ver que a questão maior era ter o controle dos negócios.A pequena companhia Free Carnes já estava quase nas mãos dela, só faltava o alvo maior que era a empresa dele.Estava guardando as roupas simples que havia comprado nas malas usadas que Ludimila lhe dera para levar. Ela não entendera nada quando quis comprar suas malas velhas e ela fez um breve resumo do que queria. Não contou detalhes pois isso não importava, mas a informou de que seria um tipo de espiã.Ludimila riu, mesmo não entendendo nada do que ela dissera. O importante era ajudá-la.— Pode ficar com elas, são velhas.— Eu vou pagar por elas, assim poderá comprar outras.— Tudo bem, então - sorriu e saiu do quarto.— Mami... Onde “cê” vai? - Beatriz subiu na cama carregando seu velho urso de pelúcia azul.— Mamãe vai fazer uma viagem de trabalho.— E vai demorar?Ela olhou o rostinho lindo de
Parte 7...— O Alan tem - fez um biquinho.— Porque eu sou mais velho e sou homem - disse sério.— Não é porque você é homem, meu amor - ela disse — É porque você tem quase dez anos e me mostrou que é responsável. Sua irmã pode ter uma também, mesmo ela sendo mulher - fechou uma das malas — Homens e mulheres são capazes de fazer a mesma coisa.— Mas os homens são mais fortes.— Homens e mulheres são iguais, Alan. As diferenças existem por igual em todos - o ensinou — Há mulheres que são mais fortes do que alguns homens no físico e na capacidade mental. A diferença é única, não é geral. Não se avalia a capacidade pelo gênero.— É sim - Bianca fez uma cara engraçada — Papai disse que mamãe era mais forte do que ele - balançou o cabelo.Ela sorriu emocionada.— Você lembra do que o papai dizia, meu amor? - a puxou para um abraço apertado.— Às vezes eu lembro - ela passou os bracinhos pelo pescoço da mãe e deitou a cabeça.— Eu também lembro, mãe - ele se agarrou a ela também.Momentos c
Parte 8...— Agora vamos ver quem não vai dormir - Felipe riu.— Me conta uma história, Felipe?— Qual você quer?— A do herói japonês.— Que história é essa? - Anelise alisou a cabeça do filho e o beijou na bochecha.— O Felipe está me contando um monte de histórias, mãe - ele riu — Essa ainda falta terminar.— Vou contar só uma e você vai dormir - Felipe avisou.— Certo.Felipe o colocou no chão.— Você não deveria viajar agora. Ainda está se recuperando - falou para ela.— Eu também acho - Ludimila pegou Bianca no colo — Dê um beijo de boa noite na mamãe e vamos para o quarto.— Boa noite, boneca - a beijou — Durma bem.Felipe ainda pediu que ela adiasse ou o levasse com ela, mas Anelise negou.— Sou seu guarda-costas - lembrou-a.— E é excelente - tocou seu ombro — Mas prefiro que fique ao lado das crianças.— E a gente vai brincar - Alan o abraçou.— Viu só que serviço bom? - ela riu — Onde vai ganhar um abraço gostoso assim?— Só mesmo aqui - ele riu e saiu levando Alan pela mão