Parte 4...
— Por um tempo eu concordei - ela deu de ombro — Mas passei a observar que os pequenos atos dele influenciavam nos negócios daquela gente - encheu o peito de ar — E isso mudou, agora que a oportunidade surgiu. Eu não procurei por eles. Aconteceu. Porque não aproveitar o que o destino me trouxe?
— Mas, tanto tempo depois? - levantou e se aproximou — Já passaram tantos anos, Anelise. Seu coração não está curado?Ela se virou para o cunhado com um brilho estranho no olhar, apertando os olhos.— Não! - ela respondeu depressa e categórica, balançando a cabeça — Nem se passarem cem anos, eu vou esquecer o que me fizeram. Você sabe o que eu sofri, Hugo - ela estremeceu — Eu quase perdi meu filho - engoliu pesado — Isso não é algo que se perdoe. Não tenho sangue de barata... Não mais.— Eu entendo você, mas me preocupa mesmo assim - enfiou as mãos nos bolsos — Mas tem que levar em conta que isso é passado. Meu irmão fez tudo por você e amou seu filho como se fosse dele.— Eu sei bem disso - ela fechou o semblante — Mas isso não é só passado... É o meu passado, Hugo - disse séria — Não sou ingrata. Eu reconheço tudo o que Haroldo fez por mim e por meu filho. Devo muito a ele, sei disso bem.— Você não deve nada. Ele era feliz ao seu lado. Meu irmão era louco por você. Era como se o alimentasse de energia, mudou a vida dele, estou seguro disso.Anelise se emocionou ao pensar no marido. Ela também tinha amado Haroldo. Talvez não como ele queria e merecia, mas ela o amou ao seu jeito.— Eu o amei também, sabia? - deu um sorriso de leve — E apesar do que as pessoas pensavam, eu nem sabia que seu irmão era rico e se soubesse, teria me afastado. Tinha acabado de fugir de um homem rico sem caráter. Deus me livre de me envolver com outro logo depois - balançou os ombros — Só depois eu soube o quanto ele era rico, quem ele era e o quanto era importante. Ele escondeu isso à princípio e até que foi bom. A diferença de idade entre nós era grande e sei que as pessoas comentavam que eu estava me aproveitando dele.— Não se preocupe com isso - Hugo sorriu — Muitos também disseram que meu irmão era um safado papa-anjo e que depois iria te abandonar e pegar outra.— Odeio que as pessoas julguem os outros sem realmente saber o que acontece. É muita crueldade apontar o dedo e querer crucificar o outro. Nunca sabemos o que está por trás.— Infelizmente é assim e não creio que isso mude - ele mexeu a cabeça pensando no fato — Meu irmão só pensava em dinheiro e negócios. Nunca falou em casamento até que você apareceu na vida dele. Haroldo se apaixonou assim que a viu. Acho que foi algo raro de acontecer - disse solene — Ele bateu o olho em você e a quis para ele.— Foi minha sorte eu ter encontrado um homem assim como ele - suspirou — Mas nós fomos felizes juntos e eu pude dar a ele a família que tanto queria depois.— Verdade. A pequena Bianca era a paixão dele. Pelo menos ele teve a felicidade de ter a filha antes daquele... Acidente.— Ele foi um bom pai para os dois - disse recordando.A chuva lá fora parou e eles ficaram um instante em silêncio, até que Hugo falou.— Então você vai mesmo?— Vou - segurou o braço dele — Você nunca mais apareceu para ver seus sobrinhos. Sabe que eles adoram você.— Eu também adoro meus sobrinhos - sorriu de canto — É só falta de tempo mesmo.— Agora que vou viajar uns dias, pode ir lá? Fique com que eles um tempo, ligue para saber como estão. Não precisa ser todos os dias. Só quero ficar mais tranquila sabendo que mais pessoas estão de olho neles - apertou os lábios em um sorriso fino.— Vai levar o Roussô com você?— Não, de forma alguma. Felipe é necessário aqui ao lado dos meus filhos.— Seria bom levá-lo - ele afirmou, esperançoso que ela concordasse — Sabe que vai voltar para o ninho das cobras. Ele pode cuidar de você.— Não! - disse firme discordando — Ele e Ludmila são os únicos que confio ao lado dos meus filhos. Felipe tem que ficar.— Sei disso, mas ele é um pouco estranho. Se fosse com você seria bom.— Não tem problema ele ser estranho. Ele só é um pouco fechado e concentrado no trabalho dele - ela justificou — Alan gosta muito dele e Bianca é apaixonada por Felipe - sorriu divertida — Ela diz que vai casar com ele quando crescer.— Ainda bem que isso vai passar - abriu os braços conformado — Tudo bem... Ele fica e você vai sozinha, mas tenha cuidado.— Eu terei - garantiu. — Ah... E mande que a Ludmila deixe aqueles monstros presos e bem longe de mim quando eu for lá.Ela riu mais. Hugo tinha pavor dos bichinhos de estimação das crianças, que eram um pouco diferentes da maioria. Bianca tinha uma aranha colorida enorme. Uma caranguejeira que ela chamava carinhosamente de cacá.Alan tinha uma cobra píton amarela e branca e um casal de camaleões que ficavam soltos pela casa. Com toda certeza seus filhos tinham gostos bem diferentes por bichos. A maioria tinha um cachorro ou gato, eles não.Parte 5...— Não seja exagerado. Eles são inofensivos e bem calmos.— Inofensivos? Sei bem - fez um som de descaso — Como pode deixar que ele tenha uma cobra? E a Bia? Uma aranha horrível e peluda - estremeceu o corpo de modo exagerado.— Peluda até que ela é mesmo, mas não é horrível. Eu até que a acho bonita - riu baixinho.— Seja como for, se quer que eu visite a casa, aquelas coisas precisam estar presas.— Tudo bem. Eu aviso a Ludmila que deixe os animais trancados quando você for lá.— Os camaleões também - apontou — Não quero que comam minha perna.— Credo - ela riu — Camaleões são vegetarianos. O máximo de carne que eles comem é uma mosca ou um gafanhoto. Você exagera em tudo, Hugo. De qualquer forma, eu não vou me demorar. Só vou ficar por dentro das coisas como estão por lá e tirar vantagem, é claro.— Cuidado, sabe que a família é ruim. Mathias pode estar esperando você aparecer.— Ele não sabe que eu sou a viúva de Haroldo Medeiros Ferroso. O fato de seu irmão me chamar de
Parte 6...Ela passou o resto dia pensando no que Hugo lhe dissera. Era claro que ele não aprovava suas ações, mas poderia tentar ver que a questão maior era ter o controle dos negócios.A pequena companhia Free Carnes já estava quase nas mãos dela, só faltava o alvo maior que era a empresa dele.Estava guardando as roupas simples que havia comprado nas malas usadas que Ludimila lhe dera para levar. Ela não entendera nada quando quis comprar suas malas velhas e ela fez um breve resumo do que queria. Não contou detalhes pois isso não importava, mas a informou de que seria um tipo de espiã.Ludimila riu, mesmo não entendendo nada do que ela dissera. O importante era ajudá-la.— Pode ficar com elas, são velhas.— Eu vou pagar por elas, assim poderá comprar outras.— Tudo bem, então - sorriu e saiu do quarto.— Mami... Onde “cê” vai? - Beatriz subiu na cama carregando seu velho urso de pelúcia azul.— Mamãe vai fazer uma viagem de trabalho.— E vai demorar?Ela olhou o rostinho lindo de
Parte 7...— O Alan tem - fez um biquinho.— Porque eu sou mais velho e sou homem - disse sério.— Não é porque você é homem, meu amor - ela disse — É porque você tem quase dez anos e me mostrou que é responsável. Sua irmã pode ter uma também, mesmo ela sendo mulher - fechou uma das malas — Homens e mulheres são capazes de fazer a mesma coisa.— Mas os homens são mais fortes.— Homens e mulheres são iguais, Alan. As diferenças existem por igual em todos - o ensinou — Há mulheres que são mais fortes do que alguns homens no físico e na capacidade mental. A diferença é única, não é geral. Não se avalia a capacidade pelo gênero.— É sim - Bianca fez uma cara engraçada — Papai disse que mamãe era mais forte do que ele - balançou o cabelo.Ela sorriu emocionada.— Você lembra do que o papai dizia, meu amor? - a puxou para um abraço apertado.— Às vezes eu lembro - ela passou os bracinhos pelo pescoço da mãe e deitou a cabeça.— Eu também lembro, mãe - ele se agarrou a ela também.Momentos c
Parte 8...— Agora vamos ver quem não vai dormir - Felipe riu.— Me conta uma história, Felipe?— Qual você quer?— A do herói japonês.— Que história é essa? - Anelise alisou a cabeça do filho e o beijou na bochecha.— O Felipe está me contando um monte de histórias, mãe - ele riu — Essa ainda falta terminar.— Vou contar só uma e você vai dormir - Felipe avisou.— Certo.Felipe o colocou no chão.— Você não deveria viajar agora. Ainda está se recuperando - falou para ela.— Eu também acho - Ludimila pegou Bianca no colo — Dê um beijo de boa noite na mamãe e vamos para o quarto.— Boa noite, boneca - a beijou — Durma bem.Felipe ainda pediu que ela adiasse ou o levasse com ela, mas Anelise negou.— Sou seu guarda-costas - lembrou-a.— E é excelente - tocou seu ombro — Mas prefiro que fique ao lado das crianças.— E a gente vai brincar - Alan o abraçou.— Viu só que serviço bom? - ela riu — Onde vai ganhar um abraço gostoso assim?— Só mesmo aqui - ele riu e saiu levando Alan pela mão
Parte 1...Mathias estava focado no documento aberto em sua tela do notebook. Há dois dias estava ocupado com a burocracia da empresa, o que era uma chatice e que o mantinha ocupado até demais para o gosto dele, que preferia ficar no campo.Sua secretária bateu na porta e abriu um pouco.— Entre, Priscila.Ela entrou trazendo uma bandeja pequena com café e colocou a xícara na mesa ao lado do notebook.— Tem duas chamadas de sua prima, Camila - informou.— Na certa quer me pedir outro empréstimo - tirou os óculos.— Ela disse que tem algo importante para lhe falar. Pediu que ligasse para ela assim que possível.Camila era sua prima em segundo grau e tinha uma língua maior do que o corpo. Adorava três coisas. Dinheiro, fofoca e homem. Não se dava bem com nenhum deles.Ele mesmo já a ajudara com um empréstimo que ela levou quase três anos para pagar de volta. Mas não era de ligar para ele no trabalho. Ficou curioso.— Obrigado, Priscila. Vou ligar para ela.— Ok. Volto daqui a pouco para
Parte 2...Ela recebia uma pequena pensão do governo pelos anos de trabalho na fábrica de sapatos, mas depois que Anelise se casou com Haroldo, começou a receber uma mesada que ele lhe enviava. No início ela se negou, porém Haroldo era ótimo para convencer os outros e ela aceitou. Isso fez com que vivesse mais tranquila, sabendo que a avó não tinha mais problemas com dinheiro.Anelise não sabia bem quanto tempo ela ficaria na cidade, mas esperava que fosse pouco. Só o suficiente para finalizar seu plano e nem um dia a mais.O quarto que tinha sido da avó ficaria para ela agora e o dela iria montar um pequeno escritório para poder trabalhar e falar com a família. Apesar de estar longe, não deixaria de ficar ligada no que acontecia por lá.Não era nada fácil estar ali após todos os anos e passou um bom tempo chorando, deitada na cama da avó, abraçada ao seu travesseiro. Chorou tanto que ficou sem lágrimas.Respirou fundo. Ela sabia de quem era a culpa por não ter cuidado da avó como s
Parte 3...Ela foi irônica. Ele ficou rígido.— Vim confirmar se era você. O que faz aqui na cidade?— Pensei em aproveitar que tive que voltar, para roubar sua família de novo - foi mais irônica e cruel na piada, lhe devolvendo o olhar frio na mesma moeda — É uma boa hora para roubar mais coisas - indicou a casa com a cabeça — Agora tenho onde esconder melhor.Ele ficou incomodado com a resposta e enfiou os dedos no cabelo, o sol brilhando entre os fios. Incrivelmente bonito, ela pensou. Mas conseguiu se segurar do impacto de vê-lo e manter o semblante calmo e sem mudanças.Ela lembrava como era enfiar os dedos naquela cabeleira macia e farta. Sempre gostou de seu cabelo.Ele soltou um suspiro fundo.— Três semanas depois de tudo, Jason voltou até nossa casa e confessou que você nunca roubara nada.Ela balançou a cabeça. Jason era um dos supostos amantes que a mãe dele pagara para mentir e criar histórias sobre ela. De acordo com o plano nojento e perverso dela, Anelise tinha mais d
Parte 4...— Onde você esteve todo esse tempo?— Longe - ela respondeu de modo displicente.— E o que fez?— Muitas coisas - ela mexeu os lábios de um lado para outro — Você vai querer um dossiê de minha vida? Tenho que anexar a folha corrida da polícia, provando que não roubei mais ninguém?Ele puxou o ar fundo. Ela estava sendo muito cínica e isso era irritante.— Não precisa agir dessa maneira - ele gesticulou — Eu não vou te atacar.— Eu agradeço - o sorriso dela não chegou aos olhos — Se você já disse o que queria - mostrou as sacolas — Eu tenho que entrar. As sacolas estão pesadas. E se você for me expulsar da cidade, pode esperar até que eu resolva os assuntos de minha avó?A cara que ela fazia era digna de um prêmio. A garota de antes jamais conseguiria fingir dessa forma.— Não tenho nenhuma intenção de fazer isso.— De novo, você quer dizer - ela meneou a cabeça — Só pra lembrar.A lembrança do dia em que finalmente entendeu que ela tinha ido embora da cidade, voltou com for