Parte 5...
— Não seja exagerado. Eles são inofensivos e bem calmos.
— Inofensivos? Sei bem - fez um som de descaso — Como pode deixar que ele tenha uma cobra? E a Bia? Uma aranha horrível e peluda - estremeceu o corpo de modo exagerado.— Peluda até que ela é mesmo, mas não é horrível. Eu até que a acho bonita - riu baixinho.— Seja como for, se quer que eu visite a casa, aquelas coisas precisam estar presas.— Tudo bem. Eu aviso a Ludmila que deixe os animais trancados quando você for lá.— Os camaleões também - apontou — Não quero que comam minha perna.— Credo - ela riu — Camaleões são vegetarianos. O máximo de carne que eles comem é uma mosca ou um gafanhoto. Você exagera em tudo, Hugo. De qualquer forma, eu não vou me demorar. Só vou ficar por dentro das coisas como estão por lá e tirar vantagem, é claro.— Cuidado, sabe que a família é ruim. Mathias pode estar esperando você aparecer.— Ele não sabe que eu sou a viúva de Haroldo Medeiros Ferroso. O fato de seu irmão me chamar de Nane em público, facilitou muito. Tem gente que até hoje não sabe meu nome real - gesticulou — E a família dele só sabe que eu me chamo Anelise Batista. Eu não tinha apelidos na época.O fato dela se esconder todos esses anos também ajudaria.— E retornarei à minha cor natural de cabelo - segurou as mechas — Também vou tirar as lentes de contato coloridas.— Mas e a riqueza? - ergueu uma sobrancelha — Ele vai desconfiar, não acha? - ficou em dúvida.— Não vai - ela sorriu de modo cínico — Vou voltar a ser a garota simples que ele conhecia. Não vou usar joias e roupas caras. Vou pegar um avião até a capital e de lá vou de ônibus até São Bernardo do Campo.— Por que? - ele franziu a testa.— Eles têm parentes que trabalham na rodoviária. Vou fazer com que me vejam e espalhem a notícia. São os inferiores, como dizia a mãe dele, Luiza. A parte da família que ela despreza, por não serem ricos como eles.— Essa mãe dele parece ser uma pessoa horrível.— E é mesmo - fechou o cenho — Uma pessoa má, sem caráter e manipuladora. A irmã dele também é uma cobra. As duas armaram para mim e se aproveitaram de minha inocência e inexperiência - cruzou os braços — Mas isso foi antes. Agora é minha vez - ergueu o queixo — E quem vai manipular as cordas agora, sou eu.Hugo sentiu até um arrepio pelo modo como ela falou.— Bem, ele também foi enganado...— Não - ela ergueu o dedo — Ele quis acreditar no que elas disseram. É diferente - disse com pesar — Me humilhou e me usou. Eu tinha só dezesseis anos e ele já era um homem feito de vinte e oito. Não há desculpas para isso.— Mas ele é excelente na direção da empresa, tem que admitir - advertiu — E lembre-se que ele já tentou fazer outros acordos com meu irmão antes.— Eu me lembro muito bem.Ela não precisava que o cunhado a alertasse sobre Mathias Mazzaro. Ela o conhecia bem no passado. Bem até demais e pagara caro por isso.Mathias já tinha abordado Haroldo algumas vezes antes, procurando unir a empresa da família dele à Ferroso Incorporações. Ele não entendia porque Haroldo desprezava as tentativas de aproximação e por vezes até atrapalhara seu caminho e fechara algumas portas para os Mazzaro, usando seus contatos e prestígio.Depois de duas tentativas frustradas, Mathias ofereceu a Haroldo um acordo que ele aceitou por ter ficado mais vantajoso do que o próprio Mathias tinha imaginado. E ainda assim quando o contrato chegou ao fim, ele não quis renovar o acordo, o que deixou Mathias bem aborrecido.Haroldo aceitou participar de um encontro onde várias pequenas empresas estariam reunidas para uma incorporação. Porém, ele nunca compareceu. Em seu lugar ele enviou Hugo para dirigir as negociações do modo como ele tinha mandado.O nome dela nunca esteve presente durante as reuniões e o casal nunca foi visto nos eventos finais após as negociações.Propositadamente, Anelise nunca nem mesmo enviou uma nota de agradecimento pelos presentes que a diretoria da Mazzaro´s Família enviara para ela e o marido. Na verdade eles nem mesmo chegaram a abrir tais presentes e passaram adiante, como se houvesse algo de muito ruim dentro das caixas.— Você acha que eu vou falhar, não é?— Sendo honesto com você como eu sempre fui... Eu duvido do seu sucesso. Apesar do tempo, eles não devem ter mudado e vão querer acabar com seu plano.— É bem provável.— E tem outra coisa, Mathias não é o único proprietário. Ele detém cinquenta e um por cento das ações, mas a mãe dele é dona de dez por cento. O resto está dividido com outros acionistas. Será que alguém vai ter coragem de vender para você? - ergueu uma sobrancelha em dúvida.— Eu dou meu jeito - respirou fundo — Mas com certeza a empresa que disputamos, a Free Carnes e CIA será minha. Já adiantei os contratos e eles estão pendendo para nosso lado.Hugo não disse nada, mas não gostou de saber que ela já tinha tomado a iniciativa de forma agressiva.— Cuidado para não virar presa mais uma vez. A surpresa pode dar errado.— Não se preocupe - ela disse em tom frio — Nunca mais irei acreditar ou subestimar aquela gente - movimentou os ombros e o pescoço dolorido pelo estresse — Tenho que ir. Ainda não organizei tudo o que quero para minha viagem. Preciso preparar meu disfarce de garota pobre que volta à cidade.— Está se enfiando em uma rede de mentiras.— Eu sei bem disso, Hugo - suspirou forte — Será que pode ter pensamentos positivos? Isso ajuda muito.— Eu só desejo que tudo dê certo - retrucou — Me preocupo porque ainda é a mesma garota machucada do passado e isso pode atrapalhar seu julgamento.— Vingança é um prato que se come frio - ela citou.— Isso é antigo - ele foi saindo.— Mas é a verdade - o olhou franzindo a testa.— Nem sempre - deu de ombros e saiu.Parte 6...Ela passou o resto dia pensando no que Hugo lhe dissera. Era claro que ele não aprovava suas ações, mas poderia tentar ver que a questão maior era ter o controle dos negócios.A pequena companhia Free Carnes já estava quase nas mãos dela, só faltava o alvo maior que era a empresa dele.Estava guardando as roupas simples que havia comprado nas malas usadas que Ludimila lhe dera para levar. Ela não entendera nada quando quis comprar suas malas velhas e ela fez um breve resumo do que queria. Não contou detalhes pois isso não importava, mas a informou de que seria um tipo de espiã.Ludimila riu, mesmo não entendendo nada do que ela dissera. O importante era ajudá-la.— Pode ficar com elas, são velhas.— Eu vou pagar por elas, assim poderá comprar outras.— Tudo bem, então - sorriu e saiu do quarto.— Mami... Onde “cê” vai? - Beatriz subiu na cama carregando seu velho urso de pelúcia azul.— Mamãe vai fazer uma viagem de trabalho.— E vai demorar?Ela olhou o rostinho lindo de
Parte 7...— O Alan tem - fez um biquinho.— Porque eu sou mais velho e sou homem - disse sério.— Não é porque você é homem, meu amor - ela disse — É porque você tem quase dez anos e me mostrou que é responsável. Sua irmã pode ter uma também, mesmo ela sendo mulher - fechou uma das malas — Homens e mulheres são capazes de fazer a mesma coisa.— Mas os homens são mais fortes.— Homens e mulheres são iguais, Alan. As diferenças existem por igual em todos - o ensinou — Há mulheres que são mais fortes do que alguns homens no físico e na capacidade mental. A diferença é única, não é geral. Não se avalia a capacidade pelo gênero.— É sim - Bianca fez uma cara engraçada — Papai disse que mamãe era mais forte do que ele - balançou o cabelo.Ela sorriu emocionada.— Você lembra do que o papai dizia, meu amor? - a puxou para um abraço apertado.— Às vezes eu lembro - ela passou os bracinhos pelo pescoço da mãe e deitou a cabeça.— Eu também lembro, mãe - ele se agarrou a ela também.Momentos c
Parte 8...— Agora vamos ver quem não vai dormir - Felipe riu.— Me conta uma história, Felipe?— Qual você quer?— A do herói japonês.— Que história é essa? - Anelise alisou a cabeça do filho e o beijou na bochecha.— O Felipe está me contando um monte de histórias, mãe - ele riu — Essa ainda falta terminar.— Vou contar só uma e você vai dormir - Felipe avisou.— Certo.Felipe o colocou no chão.— Você não deveria viajar agora. Ainda está se recuperando - falou para ela.— Eu também acho - Ludimila pegou Bianca no colo — Dê um beijo de boa noite na mamãe e vamos para o quarto.— Boa noite, boneca - a beijou — Durma bem.Felipe ainda pediu que ela adiasse ou o levasse com ela, mas Anelise negou.— Sou seu guarda-costas - lembrou-a.— E é excelente - tocou seu ombro — Mas prefiro que fique ao lado das crianças.— E a gente vai brincar - Alan o abraçou.— Viu só que serviço bom? - ela riu — Onde vai ganhar um abraço gostoso assim?— Só mesmo aqui - ele riu e saiu levando Alan pela mão
Parte 1...Mathias estava focado no documento aberto em sua tela do notebook. Há dois dias estava ocupado com a burocracia da empresa, o que era uma chatice e que o mantinha ocupado até demais para o gosto dele, que preferia ficar no campo.Sua secretária bateu na porta e abriu um pouco.— Entre, Priscila.Ela entrou trazendo uma bandeja pequena com café e colocou a xícara na mesa ao lado do notebook.— Tem duas chamadas de sua prima, Camila - informou.— Na certa quer me pedir outro empréstimo - tirou os óculos.— Ela disse que tem algo importante para lhe falar. Pediu que ligasse para ela assim que possível.Camila era sua prima em segundo grau e tinha uma língua maior do que o corpo. Adorava três coisas. Dinheiro, fofoca e homem. Não se dava bem com nenhum deles.Ele mesmo já a ajudara com um empréstimo que ela levou quase três anos para pagar de volta. Mas não era de ligar para ele no trabalho. Ficou curioso.— Obrigado, Priscila. Vou ligar para ela.— Ok. Volto daqui a pouco para
Parte 2...Ela recebia uma pequena pensão do governo pelos anos de trabalho na fábrica de sapatos, mas depois que Anelise se casou com Haroldo, começou a receber uma mesada que ele lhe enviava. No início ela se negou, porém Haroldo era ótimo para convencer os outros e ela aceitou. Isso fez com que vivesse mais tranquila, sabendo que a avó não tinha mais problemas com dinheiro.Anelise não sabia bem quanto tempo ela ficaria na cidade, mas esperava que fosse pouco. Só o suficiente para finalizar seu plano e nem um dia a mais.O quarto que tinha sido da avó ficaria para ela agora e o dela iria montar um pequeno escritório para poder trabalhar e falar com a família. Apesar de estar longe, não deixaria de ficar ligada no que acontecia por lá.Não era nada fácil estar ali após todos os anos e passou um bom tempo chorando, deitada na cama da avó, abraçada ao seu travesseiro. Chorou tanto que ficou sem lágrimas.Respirou fundo. Ela sabia de quem era a culpa por não ter cuidado da avó como s
Parte 3...Ela foi irônica. Ele ficou rígido.— Vim confirmar se era você. O que faz aqui na cidade?— Pensei em aproveitar que tive que voltar, para roubar sua família de novo - foi mais irônica e cruel na piada, lhe devolvendo o olhar frio na mesma moeda — É uma boa hora para roubar mais coisas - indicou a casa com a cabeça — Agora tenho onde esconder melhor.Ele ficou incomodado com a resposta e enfiou os dedos no cabelo, o sol brilhando entre os fios. Incrivelmente bonito, ela pensou. Mas conseguiu se segurar do impacto de vê-lo e manter o semblante calmo e sem mudanças.Ela lembrava como era enfiar os dedos naquela cabeleira macia e farta. Sempre gostou de seu cabelo.Ele soltou um suspiro fundo.— Três semanas depois de tudo, Jason voltou até nossa casa e confessou que você nunca roubara nada.Ela balançou a cabeça. Jason era um dos supostos amantes que a mãe dele pagara para mentir e criar histórias sobre ela. De acordo com o plano nojento e perverso dela, Anelise tinha mais d
Parte 4...— Onde você esteve todo esse tempo?— Longe - ela respondeu de modo displicente.— E o que fez?— Muitas coisas - ela mexeu os lábios de um lado para outro — Você vai querer um dossiê de minha vida? Tenho que anexar a folha corrida da polícia, provando que não roubei mais ninguém?Ele puxou o ar fundo. Ela estava sendo muito cínica e isso era irritante.— Não precisa agir dessa maneira - ele gesticulou — Eu não vou te atacar.— Eu agradeço - o sorriso dela não chegou aos olhos — Se você já disse o que queria - mostrou as sacolas — Eu tenho que entrar. As sacolas estão pesadas. E se você for me expulsar da cidade, pode esperar até que eu resolva os assuntos de minha avó?A cara que ela fazia era digna de um prêmio. A garota de antes jamais conseguiria fingir dessa forma.— Não tenho nenhuma intenção de fazer isso.— De novo, você quer dizer - ela meneou a cabeça — Só pra lembrar.A lembrança do dia em que finalmente entendeu que ela tinha ido embora da cidade, voltou com for
Parte 5...Quando ele olhou para a mão esquerda dela, Anelise ficou aliviada de ter se lembrado de retirar as duas alianças que usava. Uma era dela e a outra do marido. Usava as duas juntas desde que Haroldo morrera. O fazia presente na vida dela.A mão dele não tinha aliança. Ela não entendeu porque ele nunca se casou com a patricinha que a irmã dele era amiga. Valéria Franca. Uma loira oxigenada muito fresca e chata que que frequentava a casa dele.Márcia já tinha insinuado antes mesmo da confusão que Valéria queria se casar com Mathias.— E é sério?— Bastante - ela agora riu de leve.— E... Vocês são amantes? Namorados? - ele questionou carrancudo.— Fomos namorados - ela pensou no marido antes de se casarem de vez.— Não são mais?— Não quero me prender a ninguém. Não faz bem ao meu lado emocional ficar presa - ela alfinetou de novo — Está ótimo do jeito que está. Uma sombra recaiu sobre o pensamento dele. Era estranho pensar nela com outro. Ainda era.— E porque seu bom amigo