Parte 2...
Sabia que ela ficava focada e dispendia muita energia quando estava em algum novo projeto e sua atenção agora estava na Mazzaro & Família e isso a estava deixando nervosa e agitada.
Anelise ainda estava se recuperando de uma forte exaustão que culminou em uma pneumonia, após o sequestro fracassado de seus dois filhos. Alan de nove anos e Bianca de seis.Por sorte, o guarda-costas Roussó conseguiu impedir o pior e as crianças foram salvas sem nenhum arranhão. Anelise amargou um tempo ruim e isso a abalou bastante. Só Deus poderia saber o que iriam fazer com seus filhos.Anelise estava planejando sua viagem para São Paulo e era algo que ela vinha evitando há anos. Odiava ter que pisar os pés na cidade. Ela sempre disse que apenas uma grande necessidade a faria retornar ao local onde sua vida se perdeu.Sempre que aparecia algum evento ou até mesmo reunião com outros afiliados ou gente nova envolvida nos negócios, era sempre Haroldo que ia ou se não podia, Hugo ia em seu lugar.Havia uma grande curiosidade sobre ela, sobre a mulher que tinha entrado na vida de um grande empresário e mudado tudo, inclusive depois de sua morte.Mas agora ela precisava ir. Tinha um plano e isso a forçava a voltar ao passado que ela tanto odiava, mesmo que fosse difícil. Sua única parente havia falecido aos oitenta e dois anos. Era uma perda grande para ela e isso também a deixara abalada emocionalmente. Não via a avó pessoalmente há dez longos anos, desde que abandonara São Paulo dentro de um ônibus em destino a um novo local, o mais longe possível de tudo e todos que a machucaram.Lourdes já vinha doente, elas se falavam vez ou outra por telefone, sempre com saudade da companhia uma da outra, mas sentia muito que tivesse partido sem reencontrá-la novamente.Esse afastamento fazia parte do acordo entre elas, feito em um momento de desespero. E Lourdes sabia que ela não tinha condições emocionais de retornar. Ela também preferia evitar.Só que agora surgira uma excelente oportunidade de dar um tapa no passado. E Anelise queria isso.Conseguiria organizar os pertences de sua avó que ainda estavam na antiga casa e colocaria seu plano de vingança finalmente no caminho certo.A casa onde vivera sua avó agora era só dela. Poderia reaparecer do nada como se ainda fosse a mesma Anelise Carvalho de antes. A órfã pobretona e iludida que todos desprezavam.— Não entendo porque tem que voltar - Hugo se mexeu na cadeira — Você fez tudo por telefone esse tempo todo. Até mesmo o enterro de sua avó foi organizado à distância.— Eu preciso... E quero voltar.Ela disse séria, vendo as árvores balançarem de um lado para outro com o vento forte que deitava a chuva. O dia estava cinza.— Vai ser triste, difícil e angustiante, mas eu preciso ir - se voltou para ele — Essa é a chance que estava esperando.— Mas Anelise, se você...— É agora ou nunca - afirmou — Ninguém sabe que eu sou a viúva de Haroldo Medeiros Ferroso. Vai ser mais fácil ficar de olho no concorrente, saber como ele age. Não vai imaginar que sou poderosa - sorriu de canto de boca — Para aquela gente eu sou só a coitada Anelise, a menina pobre que sonhou alto.Muita gente dizia que perdoar era o melhor caminho para ser feliz. Ela foi feliz ao lado de Haroldo, mas nunca conseguiu perdoar as pessoas de seu passado e menos ainda, Mathias Mazzaro.Não havia espaço para o perdão dentro de seu coração, depois da traição dele.— Raramente apareci diante das lentes, evitei entrevistas, nunca aceitei convites para participar de programas e nem falei de meu passado - olhou pensativa para uma tela na parede — Também não usava meu cabelo natural desde que disse sim à Haroldo. Seu irmão me ajudou a ser outra pessoa, em todos os sentidos - o encarou por um instante — Até mesmo a cor dos meus olhos eu mudei, usando lentes coloridas - se voltou de novo para a janela — Não. Eles não vão saber quem eu sou. Será mais fácil.— Mas você viveu escondida por causa das crianças - ele a lembrou — Meu irmão sabia o que muitos poderiam fazer para tirar proveito. Ele não queria que você ou os filhos passassem por uma situação perigosa. Você valem muito - ele gesticulou — Financeiramente eu digo, além do grande sentimento que ele nutria por você.— Eu sei disso - olhou para baixo — Mas não foi exatamente por esse motivo que ele me escondeu. Ele queria evitar que Mathias Mazzaro me encontrasse - ela deu uma risadinha triste — Como se ele quisesse isso.Ela puxou o ar, as lembranças voltando. No passado ela tinha sido escorraçada de sua própria casa, de sua cidade, abandonado a avó e fugido para longe.A mãe e a irmã de Mathias tinham armado contra ela. A acusaram de ter outros amantes e de ter participado de um roubo, junto com um deles. Foi horrível. Foi tudo bem armado.Elas não aceitavam que uma garota pobre pudesse viver no mesmo meio que eles, frequentar o mesmo ambiente. Não a achavam digna de andar ao lado de Mathias.Planejaram muito bem a mentira. Tanto que Mathias acreditou piamente no que disseram e a desprezou. Isso doeu muito. Fugiu para não ser presa. Estava grávida, assustada e sozinha.Mathias era o homem que ela amava, o pai de seu filho. Tinha sido seu primeiro amante e namorado. Sua primeira paixão. Era boba e inocente. Acreditou nas palavras dele e ele a decepcionou de uma forma cruel.Quando ele a olhou de uma forma estranha e gélida, ela entendeu que era tudo mentira. Ele nunca a amara de verdade. Na frente da mãe e da irmã ele disse de modo seco que jamais perderia tempo com uma menina burra e pobre. Que apenas se divertia.Parte 3...Disse que queria saber como uma pobretona fazia sexo, nada demais, apenas diversão momentânea. Que tinha pena dela. A chamou de mentirosa, interesseira e vagabunda.Ela não recordava de ter ouvido mais nada depois disso. Foi muito duro na hora em que aconteceu. Não sabia nem como tinha conseguido sair dali. Mas recordava bem de ouvir as risadas dos três atrás de si.— Vagabunda, aproveitadora - Márcia gritava — Meu irmão só estava se divertindo. Ridícula! - gargalhou.Anelise nunca se esquecera do quanto foi triste chegar em casa e contar tudo a avó. Lourdes ficou muito triste e com medo do que a mãe dele, Luíza, poderia fazer.Depois de pensar muito, nervosa como estava, ela ajeitou o que podia, comprou uma passagem barata e a enfiou dentro do ônibus antes que a polícia batesse em sua porta e a levasse presa.Lourdes não iria suportar ver a única neta ser presa. Seria demais para ela e sabia que era tudo uma grande mentira. Mas elas não tinham como se proteger daquela gent
Parte 4...— Por um tempo eu concordei - ela deu de ombro — Mas passei a observar que os pequenos atos dele influenciavam nos negócios daquela gente - encheu o peito de ar — E isso mudou, agora que a oportunidade surgiu. Eu não procurei por eles. Aconteceu. Porque não aproveitar o que o destino me trouxe?— Mas, tanto tempo depois? - levantou e se aproximou — Já passaram tantos anos, Anelise. Seu coração não está curado?Ela se virou para o cunhado com um brilho estranho no olhar, apertando os olhos.— Não! - ela respondeu depressa e categórica, balançando a cabeça — Nem se passarem cem anos, eu vou esquecer o que me fizeram. Você sabe o que eu sofri, Hugo - ela estremeceu — Eu quase perdi meu filho - engoliu pesado — Isso não é algo que se perdoe. Não tenho sangue de barata... Não mais.— Eu entendo você, mas me preocupa mesmo assim - enfiou as mãos nos bolsos — Mas tem que levar em conta que isso é passado. Meu irmão fez tudo por você e amou seu filho como se fosse dele.— Eu sei be
Parte 5...— Não seja exagerado. Eles são inofensivos e bem calmos.— Inofensivos? Sei bem - fez um som de descaso — Como pode deixar que ele tenha uma cobra? E a Bia? Uma aranha horrível e peluda - estremeceu o corpo de modo exagerado.— Peluda até que ela é mesmo, mas não é horrível. Eu até que a acho bonita - riu baixinho.— Seja como for, se quer que eu visite a casa, aquelas coisas precisam estar presas.— Tudo bem. Eu aviso a Ludmila que deixe os animais trancados quando você for lá.— Os camaleões também - apontou — Não quero que comam minha perna.— Credo - ela riu — Camaleões são vegetarianos. O máximo de carne que eles comem é uma mosca ou um gafanhoto. Você exagera em tudo, Hugo. De qualquer forma, eu não vou me demorar. Só vou ficar por dentro das coisas como estão por lá e tirar vantagem, é claro.— Cuidado, sabe que a família é ruim. Mathias pode estar esperando você aparecer.— Ele não sabe que eu sou a viúva de Haroldo Medeiros Ferroso. O fato de seu irmão me chamar de
Parte 6...Ela passou o resto dia pensando no que Hugo lhe dissera. Era claro que ele não aprovava suas ações, mas poderia tentar ver que a questão maior era ter o controle dos negócios.A pequena companhia Free Carnes já estava quase nas mãos dela, só faltava o alvo maior que era a empresa dele.Estava guardando as roupas simples que havia comprado nas malas usadas que Ludimila lhe dera para levar. Ela não entendera nada quando quis comprar suas malas velhas e ela fez um breve resumo do que queria. Não contou detalhes pois isso não importava, mas a informou de que seria um tipo de espiã.Ludimila riu, mesmo não entendendo nada do que ela dissera. O importante era ajudá-la.— Pode ficar com elas, são velhas.— Eu vou pagar por elas, assim poderá comprar outras.— Tudo bem, então - sorriu e saiu do quarto.— Mami... Onde “cê” vai? - Beatriz subiu na cama carregando seu velho urso de pelúcia azul.— Mamãe vai fazer uma viagem de trabalho.— E vai demorar?Ela olhou o rostinho lindo de
Parte 7...— O Alan tem - fez um biquinho.— Porque eu sou mais velho e sou homem - disse sério.— Não é porque você é homem, meu amor - ela disse — É porque você tem quase dez anos e me mostrou que é responsável. Sua irmã pode ter uma também, mesmo ela sendo mulher - fechou uma das malas — Homens e mulheres são capazes de fazer a mesma coisa.— Mas os homens são mais fortes.— Homens e mulheres são iguais, Alan. As diferenças existem por igual em todos - o ensinou — Há mulheres que são mais fortes do que alguns homens no físico e na capacidade mental. A diferença é única, não é geral. Não se avalia a capacidade pelo gênero.— É sim - Bianca fez uma cara engraçada — Papai disse que mamãe era mais forte do que ele - balançou o cabelo.Ela sorriu emocionada.— Você lembra do que o papai dizia, meu amor? - a puxou para um abraço apertado.— Às vezes eu lembro - ela passou os bracinhos pelo pescoço da mãe e deitou a cabeça.— Eu também lembro, mãe - ele se agarrou a ela também.Momentos c
Parte 8...— Agora vamos ver quem não vai dormir - Felipe riu.— Me conta uma história, Felipe?— Qual você quer?— A do herói japonês.— Que história é essa? - Anelise alisou a cabeça do filho e o beijou na bochecha.— O Felipe está me contando um monte de histórias, mãe - ele riu — Essa ainda falta terminar.— Vou contar só uma e você vai dormir - Felipe avisou.— Certo.Felipe o colocou no chão.— Você não deveria viajar agora. Ainda está se recuperando - falou para ela.— Eu também acho - Ludimila pegou Bianca no colo — Dê um beijo de boa noite na mamãe e vamos para o quarto.— Boa noite, boneca - a beijou — Durma bem.Felipe ainda pediu que ela adiasse ou o levasse com ela, mas Anelise negou.— Sou seu guarda-costas - lembrou-a.— E é excelente - tocou seu ombro — Mas prefiro que fique ao lado das crianças.— E a gente vai brincar - Alan o abraçou.— Viu só que serviço bom? - ela riu — Onde vai ganhar um abraço gostoso assim?— Só mesmo aqui - ele riu e saiu levando Alan pela mão
Parte 1...Mathias estava focado no documento aberto em sua tela do notebook. Há dois dias estava ocupado com a burocracia da empresa, o que era uma chatice e que o mantinha ocupado até demais para o gosto dele, que preferia ficar no campo.Sua secretária bateu na porta e abriu um pouco.— Entre, Priscila.Ela entrou trazendo uma bandeja pequena com café e colocou a xícara na mesa ao lado do notebook.— Tem duas chamadas de sua prima, Camila - informou.— Na certa quer me pedir outro empréstimo - tirou os óculos.— Ela disse que tem algo importante para lhe falar. Pediu que ligasse para ela assim que possível.Camila era sua prima em segundo grau e tinha uma língua maior do que o corpo. Adorava três coisas. Dinheiro, fofoca e homem. Não se dava bem com nenhum deles.Ele mesmo já a ajudara com um empréstimo que ela levou quase três anos para pagar de volta. Mas não era de ligar para ele no trabalho. Ficou curioso.— Obrigado, Priscila. Vou ligar para ela.— Ok. Volto daqui a pouco para
Parte 2...Ela recebia uma pequena pensão do governo pelos anos de trabalho na fábrica de sapatos, mas depois que Anelise se casou com Haroldo, começou a receber uma mesada que ele lhe enviava. No início ela se negou, porém Haroldo era ótimo para convencer os outros e ela aceitou. Isso fez com que vivesse mais tranquila, sabendo que a avó não tinha mais problemas com dinheiro.Anelise não sabia bem quanto tempo ela ficaria na cidade, mas esperava que fosse pouco. Só o suficiente para finalizar seu plano e nem um dia a mais.O quarto que tinha sido da avó ficaria para ela agora e o dela iria montar um pequeno escritório para poder trabalhar e falar com a família. Apesar de estar longe, não deixaria de ficar ligada no que acontecia por lá.Não era nada fácil estar ali após todos os anos e passou um bom tempo chorando, deitada na cama da avó, abraçada ao seu travesseiro. Chorou tanto que ficou sem lágrimas.Respirou fundo. Ela sabia de quem era a culpa por não ter cuidado da avó como s