Quatro

Madelaine

Acho que nunca passou pela minha cabeça que em um sábado à noite eu estaria desembarcando em um avião em Austin.

Nem sei por que isso me surpreende, já que há algumas semanas eu tinha um apartamento, um carro, um emprego e um energúmeno que eu chamava de noivo. E agora... Bem, pode se dizer que eu estou voltando para a casa dos meus pais.

Quase trinta anos morando com os pais. Seria cômico se não fosse trágico.

Uma casa que eu nunca fui capaz de tirar um tempo para visitar. E mesmo que seja no meio do mato, isso não é uma justificativa.

Escolhi parar de lamentar o meu fracasso pessoal e fazer o papel de filha, de uma boa filha.

Receber a ligação da minha mãe, e saber que quase perdi meu pai, me desmontou. Não saberia descrever tudo que senti ao ouvir cada palavra dita pela voz embargada de minha mãe, mas remorso, isso eu consigo afirmar que senti e ainda estou sentindo.

Como eu pude ser tão negligente? Como eu pude colocar o meu trabalho a frente das pessoas que eu mais amo no mundo?

Que filha horrível eu fui todo esse tempo.

Saber que meu pai estava prestes a perder a fazenda para o banco, e que foi esse um dos motivos que fez com que ele tivesse o ataque. Aquela fazenda era o sonho dele, a sua herança.

Eu não vou permitir que meus pais percam a fazenda. Aquela lugar é a vida deles. E de agora em diante terá que ser a minha.

Me aproximo da esteira puxando a minha mala, tudo que eu tinha estava ali dentro agora.

Dailah e Candice acham que eu estou cometendo uma loucura indo para um lugar que praticamente não está no mapa.

Mas os meus pais são tudo que tenho agora e eles precisam de mim, eu sei que preciso deles.

Usaria todo o dinheiro que havia me restado para auxiliar meus pais, não era muito, mas teria um bom uso para eles.

Meu pai tinha feito alguns empréstimos afins de melhorar a fazenda, fazer barracões, montar ordenhas e comprar tanques para o resfriamento de leite. Mas a desvalorização da produção acabou fazendo com que meu pai levasse um prejuízo que ele não imaginava. Os juros do banco se tornaram cada vez mais abusivos, ao ponto de meu pai não conseguir pagar mais.

Ele poderia ter me perguntado e eu poderia tê-lo orientado, mas eu estava ocupada demais dando a minha vida para aquele banco desgraçado, ocupada demais para ser uma filha atenciosa.

Dou uma olhada no lugar, é grande e movimentado. Tento solicitar um uber para ir para hotel, mas é quase uma missão impossível.

Nunca tinha estado em Austin, mas aparentemente ela não se defere das demais capitais.

Noto que perto da saída tem um ponto de táxi.

Estou cansada demais para ficar insistindo no aplicativo e sigo até o ponto. O senhor simpático com voz estalada me ajuda com a mala enquanto procuro o endereço do hotel no celular, me aconchegando no banco traseiro do carro em seguida.

Talvez fosse imprudência minha escolher um hotel tão caro. Mas eu merecia, depois de um voo com escalas e na classe econômica, eu merecia uma cama confortável e espaçosa.

Ainda mais sabendo que para chegar até o município de Sweetwater eu teria que passar desconfortáveis horas em um ônibus. A quanto tempo eu não entrava em um, no máximo os para locomoção em aeroportos.

Meus pais não sabiam que eu estava indo. Pois minha mãe havia me proibido de deixar a minha vida em New York por causa dela e do meu pai, mal ela sabia que eu já não tinha mais nada. Talvez eu devesse me incomodar com a sua proibição e recusa em me ter por perto auxiliando ela com meu pai, mas no fundo eu sabia que minhas ações haviam resultado em tal atitude, todas as ligações recusadas, todas as repreensões e pedidos para que não me ligasse. Tudo isso por causa daquele trabalho.

A minha obsessão por reconhecimento quase custou as pessoas que mais amo no mundo.

Eu fui cega a ponto de não perceber que eu havia aberto mão do que mais importava. Meus pais, minha família.

Tudo isso a custo de que?

Eu quase havia perdido o meu pai, e eu jamais me perdoaria se o pior tivesse acontecido.

Não fiz o papel de filha, o mínimo se quer. A vida deles estando um caos e eles não podiam contar com sua única filha. Porque ela era uma egoísta que só pensava em uma m*****a promoção.

Eu não podia falhar com eles agora.

Por isso estava indo com toda coragem para uma fazenda que eu só conhecia pó uma ou duas fotos, que ficava perto de uma cidade que tinha no máximo oito mil habitantes.

Ao menos eu não estava mais chorando agarrada ao travesseiro e quase adquirindo uma diabete por comer tantos doces.

— Oh moça...— O homem fala dando uma olhada rápida para mim — Chegamos.

Ele para o carro quase de frente ao prédio alto e robusto, leio o nome do hotel escrito em dourado em destaque sobre o gramado muito bem iluminado.

Foi mais rápido do que eu imaginava.

O homem desce a minha bagagem, e insiste em me acompanhar até a recepção para levá-las, acabo aceitando pois ele é muito convincente. Após me deixar na recepção ele se despede agradecido pelo pagamento e mais ainda pelos trinta reais de gorjeta.

O check-in é feito rápido, me deixando impressionada com agilidade e organização, aparentemente valeu a pena ter pagado um rim na estadia.

O hotel é exatamente igual as imagens que vi já Internet, elegante, espaçoso, com bar e restaurante próprio. Tão bom quanto aos que já me hospedei no exterior.

Tomaria um banho, pediria algo para comer e descansaria o suficiente para aguentar algumas horas em um ônibus, que só Deus sabe a procedência.

Só queria ter minha vida de volta. Será que é pedir muito? Pelo jeito é.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo