A praia estava relativamente vazia naquele fim de tarde. O som das ondas quebrando suavemente na areia era um contraste relaxante com o ritmo agitado da cidade. Alice e Ravi caminhavam lado a lado, em silêncio por um tempo, apreciando o cenário e o simples fato de estarem ali.
— Você vem aqui com frequência? — Alice perguntou finalmente, quebrando o silêncio, pois não sabia exatamente o que deveriam conversar. Ravi sorriu de lado, mantendo os olhos no horizonte. — Sempre que posso. Adoro a tranquilidade. Me ajuda a pensar. — Pensar no quê? Ele deu de ombros. — Em tudo. Na vida, no trabalho... nos desafios que vêm com as escolhas que fazemos. Alice o observou de canto de olho, notando o jeito como ele falava com uma sinceridade que a deixava desconfortável, mas de uma maneira boa. Como se estivesse abrindo uma pequena janela para que ela pudesse ver um lado mais vulnerável dele. — E você? — Ravi perguntou, interrompendo os pensamentos dela. — O que te ajuda a pensar? Alice soltou uma risada curta, mais de nervosismo do que de humor. — Eu não tenho muito tempo para pensar, na verdade. Minha vida é uma correria... estudo, trabalho, tenta manter a cabeça fora d’água. Ravi assentiu, respeitando o tom dela. — Imagino que deve ser difícil — ele comentou, com uma empatia genuína que surpreendeu Alice. Ela balançou a cabeça, olhando para os próprios pés enquanto caminhavam pela areia. — É o que é — disse, com um suspiro. — A vida nunca foi fácil pra mim, mas eu me acostumei. Tenho que lutar pelo que eu quero. Não tenho outra escolha. — E o que você quer, Alice? — a pergunta de Ravi foi feita com um tom suave, mas atingiu Alice como uma pedra, fazendo-a parar de andar por um momento. Ela ficou em silêncio, olhando para o mar. Essa pergunta, simples e direta, ecoava em sua mente com mais peso do que ela imaginava. O que ela queria, realmente? Por que, de repente, estava tão difícil responder? — No momento... Me formar — disse finalmente, a voz um pouco mais firme. — Quero ser atriz, como já lhe disse, mas também quero... quero ser alguém. Alguém que não precisa se preocupar o tempo todo se vai conseguir pagar as contas no final do mês. Quero ter um futuro estável. Ravi a observava atentamente enquanto ela falava, sem interrompê-la. — Eu entendo — ele disse, com um sorriso simpático. — Acho que todos nós queremos alguma forma de segurança. Eu já tenho a segurança financeira, mas queria uma segurança diferente. Uma família. Um lugar pra chamar de lar. Alice olhou para ele, surpresa com essa admissão. — Sério? — perguntou, não conseguindo esconder o ceticismo em sua voz. Ravi riu suavemente, balançando a cabeça. — Sim, sério. O dinheiro e o status não resolvem tudo. Eu trabalho com medicina, e vejo pessoas todos os dias lutando para sobreviver. Não importa quanto dinheiro eles tenham, a luta é a mesma. O medo, a incerteza... são coisas que todos nós enfrentamos. Alice ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras dele. Não imaginava qe ele pensasse dessa forma — como alguém que, apesar de suas vantagens, também tinha seus próprios desafios. Talvez ele não fosse tão diferente dela, afinal. — Você está certo — ela admitiu, finalmente olhando para ele. — Acho que, no fundo, todos nós estamos apenas tentando encontrar um lugar neste mundo. Ravi sorriu, satisfeito com a honestidade dela. Eles continuaram andando pela orla, o silêncio confortável entre eles, até que ele falou novamente. — Sabe, Alice, eu não estou tentando complicar sua vida. Mas não posso ignorar o que senti naquela noite. Eu realmente gostaria de conhecer você melhor. Alice parou, olhando para o mar mais uma vez, deixando o vento jogar seus cabelos para trás. Ela queria acreditar nele, queria ceder à ideia de que talvez houvesse algo mais entre eles, algo que valesse a pena explorar. Mas a insegurança ainda a segurava. — Eu também senti algo, Ravi — confessou, finalmente. — Mas sou realista. Você pode dizer que as coisas são diferentes para você, que você entende, mas... não é só o dinheiro. É o que ele representa. Sua vida, sua realidade, é um mundo que eu não conheço. E, honestamente, não sei se quero entrar nele. Ravi franziu as sobrancelhas, como se estivesse tentando decifrar o que ela estava dizendo. — O que você quer dizer com isso? — Quero dizer que, se nos aproximarmos, as coisas vão se complicar. E eu não sei se estou pronta para isso. Minha vida já é complicada o suficiente. Ele ficou em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras. Em seguida, deu um passo para mais perto dela. — Eu não vou forçar nada, Alice. Mas o que eu estou oferecendo é simples. Quero te conhecer melhor. Quero ver para onde isso vai, sem expectativas, sem pressões. Apenas nós dois, tentando descobrir isso juntos. Alice mordeu o lábio, incerta. Parte dela queria dizer sim, queria aceitar essa oferta e ver onde isso os levaria. Mas outra parte ainda estava presa às suas preocupações, ao medo de se machucar, de entrar em algo que ela não poderia controlar. Ravi, percebendo a hesitação dela, sorriu de maneira tranquilizadora. — Não precisa decidir agora — ele disse suavemente. — Mas pense nisso, tá bem? Eu só queria que você soubesse que estou disposto a tentar. Alice o olhou nos olhos, e por um breve momento, sentiu-se tentada a jogar todas as suas preocupações ao vento e aceitar o que ele estava oferecendo. Mas, ao invés disso, ela apenas assentiu. — Eu vou pensar — disse, finalmente. Ravi sorriu, satisfeito com essa resposta. Eles caminharam um pouco mais, em um silêncio confortável, até que finalmente Alice se virou para ele. — Acho que é melhor eu voltar — ela disse suavemente. — Minhas amigas vão querer saber o que aconteceu. Ravi riu, entendendo o subtexto. — Claro. Eu te levo de volta ao campus. No caminho de volta, Alice sentia a tensão diminuindo, e eles conversaram sobre assuntos mais leves. Filmes, livros, a vida no Rio de Janeiro. Quando finalmente chegaram ao portão da faculdade, Ravi parou o carro e olhou para ela com um sorriso. — Foi uma boa tarde — ele disse, de maneira descontraída. — Foi sim — Alice respondeu, com um sorriso tímido. — Obrigada pelo passeio. — Eu que agradeço pela companhia. Ela abriu a porta do carro, mas hesitou por um segundo antes de sair. Algo dentro dela, talvez a curiosidade, talvez a conexão que ela sabia que estava lá, a fez olhar para ele mais uma vez. — Eu realmente vou pensar sobre o que você disse, Ravi. Ele assentiu, os olhos gentis, mas sérios. — Sem pressa. Quando você estiver pronta. Eu entro em contato logo. — Disse, se referindo ao fato de que havia trocado os números de telefone. Alice sorriu mais uma vez antes de fechar a porta e se afastar. Enquanto ela caminhava de volta para o alojamento, seu coração estava dividido. Ela sabia que, por mais que tentasse manter distância, Ravi havia plantado algo dentro dela. Algo que ela não sabia como controlar ou prever. E, de alguma forma, sabia que aquele passeio pela praia era apenas o começo de algo que ela não poderia evitar.A manhã estava quente, com o sol do Rio de Janeiro iluminando cada canto do campus. Alice saiu de sua última aula do dia, ainda com a mente distante, pensando no passeio com Ravi. Desde aquele encontro na orla, as palavras dele ecoavam em sua cabeça. A sensação de estar sendo vista por alguém que vinha de um mundo tão diferente era intrigante e, ao mesmo tempo, assustadora. Ela sabia que estava começando a sentir algo por ele, mas ainda havia tantas barreiras. No entanto, os sentimentos conflitantes de Alice precisariam ser postos de lado. Como bolsista integral, ela não podia se dar ao luxo de perder tempo sonhando com algo que talvez fosse impossível. Ela estava na universidade para estudar, se formar e seguir seus sonhos, nada mais. Mesmo assim, as lembranças da conversa na praia com Ravi teimavam em voltar, insistindo para que ela considerasse o que ele havia dito. As amigas de Alice, Bianca e Gabriela, logo a encontraram no pátio. Elas estavam animadas, conversando sobre o
Alice passou os dias seguintes tentando se concentrar em seus estudos. A rotina da faculdade, as leituras extensas, os exercícios práticos e os trabalhos em grupo foram sua tábua de salvação. Ela mergulhou no mundo acadêmico como se estivesse fugindo de algo maior, algo que a incomodava mais do que estava disposta a admitir. Durante o dia, rodeada pelos colegas de classe e imersa nas tarefas, conseguia afastar os pensamentos sobre Ravi. Mas, à noite, no silêncio do quarto, o rosto dele surgia em sua mente, acompanhado por uma avalanche de dúvidas.Ravi tinha sido gentil, atencioso, e ela não conseguia esquecer a forma como ele olhava para ela, como se enxergasse mais do que apenas a garota pobre tentando se formar. Mas, ao mesmo tempo, Beatrice tinha plantado uma semente de insegurança em seu coração. Seria ela capaz de lidar com as expectativas que o mundo de Ravi colocaria sobre ela? E, pior ainda, poderia realmente confiar que ele seria imune às pressões de sua mãe, da sociedade e
Nos dias que se seguiram, a rotina de Alice tomou um rumo completamente novo, pois sua vida estava mais agitada do que nunca.Com o fim do semestre se aproximando, Alice e sua turma receberam como missão preparar uma peça de teatro e ela, escolhida como protagonista, sentia o peso da responsabilidade sobre os ombros.Interpretar o papel principal era um sonho se realizando, mas também um desafio assustador. Ainda assim, o teatro sempre foi seu refúgio, o lugar onde suas inseguranças davam lugar a uma versão mais confiante de si mesma. Os ensaios aconteciam todas as tardes, logo após as aulas. O diretor da peça, um professor exigente, mas apaixonado pela arte, costumava pedir mais entrega de todos. Ele queria que cada cena fosse sentida, que cada palavra falada tivesse um propósito, e Alice entendia o que ele pedia. Encarava cada ensaio como uma oportunidade de se aperfeiçoar e, ao mesmo tempo, de se distanciar da realidade. Sua turma estava animada com o progresso, e ela estava se
Na sala de estar da mansão Meyer, o ambiente estava tenso. Ravi estava sentado em uma poltrona de couro, as mãos cruzadas em frente ao corpo, enquanto sua mãe caminhava lentamente de um lado para o outro, o rosto franzido em uma mistura de descontentamento e frustração. Ela finalmente parou e se virou para o filho, os olhos fixos nele. — O que foi aquilo ontem? — ela começou, sua voz carregada de indignação. — Beatrice me ligou, chorando. Disse que você a humilhou na frente de todos, por causa de uma garota... uma bolsista. Ravi manteve a expressão firme. Ele já sabia que teria que lidar com a fúria da mãe, mas ainda assim, ouvir o tom de desaprovação o incomodava. — Mãe, Beatrice causou a cena, não eu — ele respondeu com calma, embora a tensão estivesse clara em sua voz. — Ela mentiu, tentou colocar todo mundo contra Alice. Eu não vou aceitar esse tipo de comportamento. A mãe dele estreitou os olhos ao ouvir o nome da garota, como se isso confirmasse suas piores suspeitas. — Ali
O som agudo do monitor cardíaco enchia a sala. Ravi estava concentrado, avaliando os sinais vitais do paciente. O ambiente era iluminado por luzes brancas e frias, e o ritmo caótico do hospital ecoava em cada corredor. As mãos experientes moviam-se com precisão, ajustando as doses de medicação e verificando as respostas do paciente a cada procedimento. Era uma rotina familiar, mas a responsabilidade que pesava sobre seus ombros jamais diminuía. Todos os dias, ele estava ali, em batalhas silenciosas pela vida de outras pessoas. — Como ele está? — perguntou uma das enfermeiras ao lado, com o semblante cansado, mas profissional. Ravi ajustou os óculos no rosto e olhou para o monitor por alguns segundos. — Estável, mas vamos manter a observação por mais algumas horas. Ele teve uma resposta melhor à última dose de sedativo — respondeu, sentindo-se levemente aliviado. Era o fim de mais uma longa e exaustiva sequência de plantões no hospital. Os últimos dias tinham sido particularmen
O som suave do vento batendo nas janelas foi o primeiro sinal de que Alice não estava em sua cama habitual. Lentamente, seus olhos se abriram, revelando o quarto elegante e minimalista em que havia passado a noite. Por um breve momento, ela ficou imóvel, tentando lembrar de onde estava. Então, tudo voltou em uma onda de lembranças — o encontro, os momentos no apartamento de Ravi, e finalmente a decisão de dormir ali. Ela se espreguiçou e olhou para o relógio ao lado da cama, notando que ainda era cedo. Com um suspiro, levantou-se, ajeitando o cabelo e olhando para si mesma no espelho do quarto de hóspedes. Sentiu um leve rubor em suas bochechas quando pensou no beijo quente que havia compartilhado na noite anterior, e uma parte dela ansiava por mais. Alice vestiu seu vestido da noite anterior e, de pés descalços, foi até o banheiro, onde improvisou para escovar os dentes usando somente os dedos e a pasta. Em seguida, saiu do quarto, atraída por um leve aroma de café que vinha
A porta do apartamento se fechou com um som surdo assim que Ravi entrou de volta. A tensão no ar era palpável. Ele foi até a cozinha, olhando para o ponto vazio onde Alice estivera há apenas alguns segundos. Sua mãe, Diana, estava ao seu lado, os olhos ainda brilhando de indignação. Ela, no entanto, não tinha ideia da tempestade que estava prestes a enfrentar. Ravi estava tentando processar o que havia acabado de acontecer. O coração acelerado e a raiva crescendo em cada fibra do seu ser. Tudo dentro dele gritava que ele deveria ter feito mais, deveria ter impedido que Alice fosse embora daquele jeito, de coração partido, humilhada. Sua mãe, sempre tão controladora, finalmente havia cruzado uma linha da qual ele sabia que não poderia mais permitir que ela voltasse. Ele cerrou os punhos, tentando manter o autocontrole, mas falhando miseravelmente. — Mãe — começou ele, a voz baixa e trêmula, com uma fúria contida que ameaçava explodir a qualquer momento — o que você pensa que está fa
A semana seguiu devagar, e cada dia parecia um arrastar de horas pesadas para Alice. Após sua conversa com Bianca, ela havia decidido finalmente responder uma das mensagens de Ravi, mas ainda não sabia bem o que dizer. As palavras rodavam em sua mente, um emaranhado de sentimentos que ela mal conseguia compreender. Ela se sentia dividida entre o desejo de deixá-lo entrar novamente em sua vida e o medo de que o machucado deixado pela mãe dele se repetisse, mais profundo e mais doloroso. No entanto, havia algo mais que a preocupava. A peça de teatro da universidade estava se aproximando, e ela, como protagonista, tinha ensaios quase todos os dias. Seu desempenho era crucial, e aquela seria sua grande chance de mostrar que tinha talento para atuar. Mas, com o peso emocional que estava carregando, sua concentração se tornava cada vez mais difícil de manter. Naquela tarde, enquanto se preparava para mais um ensaio, sentada no camarim improvisado, Alice olhou para seu reflexo no espelho