Alice passou os dias seguintes tentando se concentrar em seus estudos. A rotina da faculdade, as leituras extensas, os exercícios práticos e os trabalhos em grupo foram sua tábua de salvação. Ela mergulhou no mundo acadêmico como se estivesse fugindo de algo maior, algo que a incomodava mais do que estava disposta a admitir. Durante o dia, rodeada pelos colegas de classe e imersa nas tarefas, conseguia afastar os pensamentos sobre Ravi. Mas, à noite, no silêncio do quarto, o rosto dele surgia em sua mente, acompanhado por uma avalanche de dúvidas.
Ravi tinha sido gentil, atencioso, e ela não conseguia esquecer a forma como ele olhava para ela, como se enxergasse mais do que apenas a garota pobre tentando se formar. Mas, ao mesmo tempo, Beatrice tinha plantado uma semente de insegurança em seu coração. Seria ela capaz de lidar com as expectativas que o mundo de Ravi colocaria sobre ela? E, pior ainda, poderia realmente confiar que ele seria imune às pressões de sua mãe, da sociedade e de pessoas como Beatrice?
Esses pensamentos faziam seu peito pesar, e ela se obrigava a voltar para os livros. O teatro, seus sonhos, tudo o que sempre quis, de repente parecia tão distante. Como ela poderia se permitir distrair-se com um relacionamento agora, quando mal conseguia se manter em pé? Decidir investir em algo com Ravi parecia arriscado, imprudente. Sua prioridade tinha que ser seu futuro. Sempre havia sido assim, e se desviar agora poderia custar caro.
Depois de vários dias de reflexão, Alice tomou uma decisão. Por mais que estivesse tentada a explorar a conexão que sentia com Ravi, ela sabia que precisava ser racional. Estava lutando para se formar e construir uma carreira, e envolver-se com alguém de um mundo tão diferente do seu traria complicações que ela não estava pronta para enfrentar. Ravi era um homem extraordinário, mas, no momento, investir em um relacionamento significaria desviar-se do que era mais importante para ela.
Assim, Alice decidiu: era melhor deixar as coisas como estavam, pelo menos por enquanto.
~x~
Ravi, por outro lado, não conseguia tirar Alice da cabeça. Ele havia se forçado a dar espaço, esperando que ela o procurasse, mas conforme os dias passavam, sua paciência começava a se esgotar. A falta de resposta de Alice o deixava inquieto, e isso se refletia em seu comportamento. No trabalho, ele se pegava distraído, revivendo mentalmente as conversas que tiveram, tentando entender onde havia errado.
Ravi não era alguém acostumado à incerteza. Como médico, estava acostumado a resolver problemas, a encontrar soluções rapidamente. Mas, com Alice, era diferente. Havia algo nela que o fazia sentir-se vulnerável, e isso o intrigava. Em poucos dias e em poucas conversas ele conseguiu ver que ela não era como as outras mulheres que conhecera — não estava interessada em seu status ou em sua riqueza. Ela parecia genuinamente preocupada com o que ele sentia, mas, ao mesmo tempo, havia uma barreira entre eles que ele não conseguia derrubar.
Depois de muito refletir, Ravi decidiu que não podia mais esperar. Ele precisava falar com Alice, esclarecer o que quer que estivesse impedindo os dois de se conectarem. Não era do tipo que deixava as coisas no ar. Se Alice quisesse se afastar, ele precisava ouvir isso diretamente dela. Caso contrário, ele lutaria por aquele relacionamento.
Pegou o celular, hesitou por um momento e, então, enviou uma nova mensagem para Alice, dizendo que iria até seu quarto na residência universitária para conversar pessoalmente. Dessa vez, ele não aceitaria silêncio como resposta. Ele iria vê-la, e os dois resolveriam aquilo de uma vez por todas.
~x~
Quando Alice abriu a porta do quarto, viu Ravi parado ali, parecendo ao mesmo tempo calmo e decidido. Ela sabia que aquele momento chegaria, mas, ainda assim, não estava preparada para o turbilhão de emoções que sentiria ao vê-lo em sua frente. Seu coração acelerou, e, por um breve segundo, ela sentiu o impulso de abraçá-lo. Mas se conteve.
— Oi, Alice — disse suavemente, tentando captar seu olhar.
— Oi — ela respondeu, dando espaço para ele entrar no quarto, fechando a porta atrás dele e indicando a cadeira ao lado da cama, onde ele se sentou, observando-a atentamente.
Por um momento, o silêncio entre os dois pareceu denso, como se houvesse uma barreira invisível entre eles, criada pelas palavras não ditas. Ela também sentou-se na cama, abraçando os joelhos, sentindo a pressão de tudo o que precisava dizer.
— Eu... — ela começou, mas sua voz falhou por um instante. — Eu sinto muito por não ter respondido suas mensagens.
Ravi balançou a cabeça, os olhos fixos nos dela, sérios, mas compreensivos.
— Eu não estou bravo. Mas preciso saber o que está acontecendo. Eu fiz algo errado?
Alice suspirou profundamente. Estava na hora de ser honesta. Ela se inclinou para frente, segurando suas próprias mãos no colo.
— Beatrice falou coisas que me fizeram pensar — ela admitiu, sua voz baixa. — Ela me disse que nós dois não combinamos, que sou de um mundo diferente do seu... e, de certa forma, ela está certa, Ravi. Não somos iguais. Eu luto para conseguir me formar, para sobreviver. Você vem de uma família rica, tem uma carreira estável. É difícil não pensar que, eventualmente, essas diferenças vão nos separar.
Ravi sentiu uma pontada de frustração ao ouvir o nome de Beatrice, mas tentou manter a calma.
— Beatrice não sabe nada sobre nós. Ela está iludida pelas ideias da minha mãe de que iriámos nos casar.
A nova informação fez Alice arregalar os olhos. Era pior do que ela pensava. Os dois não eram só amigos, mas sim prometidos um ao outro. Isso a fez ficar ainda mais pra baixo.
— Seus pais querem que vocês dois se casem?
— Isso não importa pra mim. — Cortou o assunto, não querendo se aprofundar nele naquele momento. — Eu sei que nossas vidas são diferentes, mas isso não significa que não podemos fazer isso funcionar. Eu já lhe disse que sinto algo muito forte por você. E, para ser sincero, eu nunca senti isso por ninguém antes. Não quero desistir só por causa de algo que outras pessoas pensam.
As palavras de Ravi tocaram profundamente a garota, mas ela ainda estava assustada. O peso das expectativas, das diferenças, tudo parecia grande demais. Ela olhou para ele, hesitante.
— E eu disse que iria pensar... Eu queria muito que desse certo... — ela disse, sua voz suave. — Mas eu preciso ser honesta comigo mesma. Agora, meu foco tem que ser terminar a faculdade, seguir meu sonho de ser atriz. Eu não posso me perder em um relacionamento que pode... bem, que pode não dar certo por causa das nossas circunstâncias. Não seria justo com você, nem comigo.
Ravi franziu a testa, sentindo um aperto no peito. Ele entendia o que ela estava dizendo, mas aquilo não fazia com que aceitá-lo fosse mais fácil.
— Então você está dizendo que decidiu que não quer tentar? — ele perguntou, sua voz baixa, carregada de emoção.
Alice olhou para ele, sentindo o peso da pergunta. Ela não queria afastá-lo, mas também não podia mentir para si mesma.
— Não estou dizendo isso — ela corrigiu, sua voz suave. — Nós mal nos conhecemos... E isso também me deixa um pouco insegura. Não posso me entregar totalmente a isso agora, mas... mas eu também não quero te afastar. Vamos com calma, Ravi. Se for para dar certo, a gente vai descobrir isso juntos. No nosso tempo.
Ravi a observou em silêncio por alguns instantes, processando o que ela havia dito. Ele queria mais do que "ir devagar", queria algo sólido, algo real. Mas, olhando para Alice, ele percebeu que talvez ela estivesse certa. Forçar as coisas só os machucaria.
— Tudo bem — ele disse finalmente, sua voz resignada, mas com uma leveza que indicava aceitação. — Vamos devagar, então.
Ela sorriu, aliviada, sentindo uma sensação de paz pela primeira vez em dias.
— Obrigada... — ela respondeu.
O silêncio entre eles, dessa vez, foi confortável. Não era o final, mas o início de algo que ambos sabiam que precisaria de paciência. Uma jornada que, mesmo lenta, poderia levá-los a um lugar onde ambos se encontrariam de verdade, no tempo certo.
Nos dias que se seguiram, a rotina de Alice tomou um rumo completamente novo, pois sua vida estava mais agitada do que nunca.Com o fim do semestre se aproximando, Alice e sua turma receberam como missão preparar uma peça de teatro e ela, escolhida como protagonista, sentia o peso da responsabilidade sobre os ombros.Interpretar o papel principal era um sonho se realizando, mas também um desafio assustador. Ainda assim, o teatro sempre foi seu refúgio, o lugar onde suas inseguranças davam lugar a uma versão mais confiante de si mesma. Os ensaios aconteciam todas as tardes, logo após as aulas. O diretor da peça, um professor exigente, mas apaixonado pela arte, costumava pedir mais entrega de todos. Ele queria que cada cena fosse sentida, que cada palavra falada tivesse um propósito, e Alice entendia o que ele pedia. Encarava cada ensaio como uma oportunidade de se aperfeiçoar e, ao mesmo tempo, de se distanciar da realidade. Sua turma estava animada com o progresso, e ela estava se
Na sala de estar da mansão Meyer, o ambiente estava tenso. Ravi estava sentado em uma poltrona de couro, as mãos cruzadas em frente ao corpo, enquanto sua mãe caminhava lentamente de um lado para o outro, o rosto franzido em uma mistura de descontentamento e frustração. Ela finalmente parou e se virou para o filho, os olhos fixos nele. — O que foi aquilo ontem? — ela começou, sua voz carregada de indignação. — Beatrice me ligou, chorando. Disse que você a humilhou na frente de todos, por causa de uma garota... uma bolsista. Ravi manteve a expressão firme. Ele já sabia que teria que lidar com a fúria da mãe, mas ainda assim, ouvir o tom de desaprovação o incomodava. — Mãe, Beatrice causou a cena, não eu — ele respondeu com calma, embora a tensão estivesse clara em sua voz. — Ela mentiu, tentou colocar todo mundo contra Alice. Eu não vou aceitar esse tipo de comportamento. A mãe dele estreitou os olhos ao ouvir o nome da garota, como se isso confirmasse suas piores suspeitas. — Ali
O som agudo do monitor cardíaco enchia a sala. Ravi estava concentrado, avaliando os sinais vitais do paciente. O ambiente era iluminado por luzes brancas e frias, e o ritmo caótico do hospital ecoava em cada corredor. As mãos experientes moviam-se com precisão, ajustando as doses de medicação e verificando as respostas do paciente a cada procedimento. Era uma rotina familiar, mas a responsabilidade que pesava sobre seus ombros jamais diminuía. Todos os dias, ele estava ali, em batalhas silenciosas pela vida de outras pessoas. — Como ele está? — perguntou uma das enfermeiras ao lado, com o semblante cansado, mas profissional. Ravi ajustou os óculos no rosto e olhou para o monitor por alguns segundos. — Estável, mas vamos manter a observação por mais algumas horas. Ele teve uma resposta melhor à última dose de sedativo — respondeu, sentindo-se levemente aliviado. Era o fim de mais uma longa e exaustiva sequência de plantões no hospital. Os últimos dias tinham sido particularmen
O som suave do vento batendo nas janelas foi o primeiro sinal de que Alice não estava em sua cama habitual. Lentamente, seus olhos se abriram, revelando o quarto elegante e minimalista em que havia passado a noite. Por um breve momento, ela ficou imóvel, tentando lembrar de onde estava. Então, tudo voltou em uma onda de lembranças — o encontro, os momentos no apartamento de Ravi, e finalmente a decisão de dormir ali. Ela se espreguiçou e olhou para o relógio ao lado da cama, notando que ainda era cedo. Com um suspiro, levantou-se, ajeitando o cabelo e olhando para si mesma no espelho do quarto de hóspedes. Sentiu um leve rubor em suas bochechas quando pensou no beijo quente que havia compartilhado na noite anterior, e uma parte dela ansiava por mais. Alice vestiu seu vestido da noite anterior e, de pés descalços, foi até o banheiro, onde improvisou para escovar os dentes usando somente os dedos e a pasta. Em seguida, saiu do quarto, atraída por um leve aroma de café que vinha
A porta do apartamento se fechou com um som surdo assim que Ravi entrou de volta. A tensão no ar era palpável. Ele foi até a cozinha, olhando para o ponto vazio onde Alice estivera há apenas alguns segundos. Sua mãe, Diana, estava ao seu lado, os olhos ainda brilhando de indignação. Ela, no entanto, não tinha ideia da tempestade que estava prestes a enfrentar. Ravi estava tentando processar o que havia acabado de acontecer. O coração acelerado e a raiva crescendo em cada fibra do seu ser. Tudo dentro dele gritava que ele deveria ter feito mais, deveria ter impedido que Alice fosse embora daquele jeito, de coração partido, humilhada. Sua mãe, sempre tão controladora, finalmente havia cruzado uma linha da qual ele sabia que não poderia mais permitir que ela voltasse. Ele cerrou os punhos, tentando manter o autocontrole, mas falhando miseravelmente. — Mãe — começou ele, a voz baixa e trêmula, com uma fúria contida que ameaçava explodir a qualquer momento — o que você pensa que está fa
A semana seguiu devagar, e cada dia parecia um arrastar de horas pesadas para Alice. Após sua conversa com Bianca, ela havia decidido finalmente responder uma das mensagens de Ravi, mas ainda não sabia bem o que dizer. As palavras rodavam em sua mente, um emaranhado de sentimentos que ela mal conseguia compreender. Ela se sentia dividida entre o desejo de deixá-lo entrar novamente em sua vida e o medo de que o machucado deixado pela mãe dele se repetisse, mais profundo e mais doloroso. No entanto, havia algo mais que a preocupava. A peça de teatro da universidade estava se aproximando, e ela, como protagonista, tinha ensaios quase todos os dias. Seu desempenho era crucial, e aquela seria sua grande chance de mostrar que tinha talento para atuar. Mas, com o peso emocional que estava carregando, sua concentração se tornava cada vez mais difícil de manter. Naquela tarde, enquanto se preparava para mais um ensaio, sentada no camarim improvisado, Alice olhou para seu reflexo no espelho
O ensaio da peça continuava a ser o ponto central da rotina de Alice. Os dias passavam rapidamente, e ela tentava se concentrar ao máximo em sua performance, buscando a perfeição em cada linha, em cada movimento. No entanto, o fantasma de sua vida pessoal a seguia onde quer que fosse. A cada ensaio, os olhares de Beatrice a seguiam, repletos de malícia, como se soubesse que Alice estava no limite de suas forças. Naquela tarde, enquanto a equipe preparava os últimos detalhes para a cena principal, Alice foi surpreendida por uma mensagem em seu celular. Era Ravi. "Boa sorte no ensaio de hoje. Queria poder estar aí para te ver brilhar." Ela sorriu ao ler a mensagem, sentindo o coração apertar. Era reconfortante saber que ele ainda se importava, mas também a deixava com uma sensação de peso nos ombros, como se ela devesse a ele mais do que estava pronta para dar. "Obrigada. Eu preciso de toda a sorte possível", ela respondeu rapidamente antes de guardar o celular de volta no bolso.
Já fazia alguns dias desde o confronto entre Alice e Beatrice no ensaio da peça e o impacto do ocorrido ainda reverberava dentro dela, como uma sombra pairando sobre seus pensamentos, pois mesmo que tivesse a enfrentado, nada poderia tirar a razão da outra sobre seu relacionamento com Ravi. A própria mãe dele deixou bem claro como as pessoas que o circundavam eram todas cheias de si e orgulhosas. Se mãe dele agiu daquele jeito, ela sequer gostava de imaginar como seria se conhecesse o restante da família e amigos. Para tentar se manter fora de todo esse drama, ela tinha passado os dias que se seguiram se dedicando aos ensaios e aos estudos, mas naquela manhã de sábado, enquanto tomava um café na pequena cozinha da residência universitária, ela recebeu uma mensagem de Ravi: "Bom dia, Alice. Estava pensando... Gostaria de me acompanhar hoje? Tenho um projeto especial em um dos hospitais e acho que você gostaria de conhecer." Ela leu a mensagem duas vezes. "Um projeto especial?" Não