05. Insegurança

Alice passou os dias seguintes tentando se concentrar em seus estudos. A rotina da faculdade, as leituras extensas, os exercícios práticos e os trabalhos em grupo foram sua tábua de salvação. Ela mergulhou no mundo acadêmico como se estivesse fugindo de algo maior, algo que a incomodava mais do que estava disposta a admitir. Durante o dia, rodeada pelos colegas de classe e imersa nas tarefas, conseguia afastar os pensamentos sobre Ravi. Mas, à noite, no silêncio do quarto, o rosto dele surgia em sua mente, acompanhado por uma avalanche de dúvidas.

Ravi tinha sido gentil, atencioso, e ela não conseguia esquecer a forma como ele olhava para ela, como se enxergasse mais do que apenas a garota pobre tentando se formar. Mas, ao mesmo tempo, Beatrice tinha plantado uma semente de insegurança em seu coração. Seria ela capaz de lidar com as expectativas que o mundo de Ravi colocaria sobre ela? E, pior ainda, poderia realmente confiar que ele seria imune às pressões de sua mãe, da sociedade e de pessoas como Beatrice?

Esses pensamentos faziam seu peito pesar, e ela se obrigava a voltar para os livros. O teatro, seus sonhos, tudo o que sempre quis, de repente parecia tão distante. Como ela poderia se permitir distrair-se com um relacionamento agora, quando mal conseguia se manter em pé? Decidir investir em algo com Ravi parecia arriscado, imprudente. Sua prioridade tinha que ser seu futuro. Sempre havia sido assim, e se desviar agora poderia custar caro.

Depois de vários dias de reflexão, Alice tomou uma decisão. Por mais que estivesse tentada a explorar a conexão que sentia com Ravi, ela sabia que precisava ser racional. Estava lutando para se formar e construir uma carreira, e envolver-se com alguém de um mundo tão diferente do seu traria complicações que ela não estava pronta para enfrentar. Ravi era um homem extraordinário, mas, no momento, investir em um relacionamento significaria desviar-se do que era mais importante para ela.

Assim, Alice decidiu: era melhor deixar as coisas como estavam, pelo menos por enquanto.

~x~

Ravi, por outro lado, não conseguia tirar Alice da cabeça. Ele havia se forçado a dar espaço, esperando que ela o procurasse, mas conforme os dias passavam, sua paciência começava a se esgotar. A falta de resposta de Alice o deixava inquieto, e isso se refletia em seu comportamento. No trabalho, ele se pegava distraído, revivendo mentalmente as conversas que tiveram, tentando entender onde havia errado.

Ravi não era alguém acostumado à incerteza. Como médico, estava acostumado a resolver problemas, a encontrar soluções rapidamente. Mas, com Alice, era diferente. Havia algo nela que o fazia sentir-se vulnerável, e isso o intrigava. Em poucos dias e em poucas conversas ele conseguiu ver que ela não era como as outras mulheres que conhecera — não estava interessada em seu status ou em sua riqueza. Ela parecia genuinamente preocupada com o que ele sentia, mas, ao mesmo tempo, havia uma barreira entre eles que ele não conseguia derrubar.

Depois de muito refletir, Ravi decidiu que não podia mais esperar. Ele precisava falar com Alice, esclarecer o que quer que estivesse impedindo os dois de se conectarem. Não era do tipo que deixava as coisas no ar. Se Alice quisesse se afastar, ele precisava ouvir isso diretamente dela. Caso contrário, ele lutaria por aquele relacionamento.

Pegou o celular, hesitou por um momento e, então, enviou uma nova mensagem para Alice, dizendo que iria até seu quarto na residência universitária para conversar pessoalmente. Dessa vez, ele não aceitaria silêncio como resposta. Ele iria vê-la, e os dois resolveriam aquilo de uma vez por todas.

~x~

Quando Alice abriu a porta do quarto, viu Ravi parado ali, parecendo ao mesmo tempo calmo e decidido. Ela sabia que aquele momento chegaria, mas, ainda assim, não estava preparada para o turbilhão de emoções que sentiria ao vê-lo em sua frente. Seu coração acelerou, e, por um breve segundo, ela sentiu o impulso de abraçá-lo. Mas se conteve.

— Oi, Alice — disse suavemente, tentando captar seu olhar.

— Oi — ela respondeu, dando espaço para ele entrar no quarto, fechando a porta atrás dele e indicando a cadeira ao lado da cama, onde ele se sentou, observando-a atentamente.

Por um momento, o silêncio entre os dois pareceu denso, como se houvesse uma barreira invisível entre eles, criada pelas palavras não ditas. Ela também sentou-se na cama, abraçando os joelhos, sentindo a pressão de tudo o que precisava dizer.

— Eu... — ela começou, mas sua voz falhou por um instante. — Eu sinto muito por não ter respondido suas mensagens.

Ravi balançou a cabeça, os olhos fixos nos dela, sérios, mas compreensivos.

— Eu não estou bravo. Mas preciso saber o que está acontecendo. Eu fiz algo errado?

Alice suspirou profundamente. Estava na hora de ser honesta. Ela se inclinou para frente, segurando suas próprias mãos no colo.

— Beatrice falou coisas que me fizeram pensar — ela admitiu, sua voz baixa. — Ela me disse que nós dois não combinamos, que sou de um mundo diferente do seu... e, de certa forma, ela está certa, Ravi. Não somos iguais. Eu luto para conseguir me formar, para sobreviver. Você vem de uma família rica, tem uma carreira estável. É difícil não pensar que, eventualmente, essas diferenças vão nos separar.

Ravi sentiu uma pontada de frustração ao ouvir o nome de Beatrice, mas tentou manter a calma.

— Beatrice não sabe nada sobre nós. Ela está iludida pelas ideias da minha mãe de que iriámos nos casar.

A nova informação fez Alice arregalar os olhos. Era pior do que ela pensava. Os dois não eram só amigos, mas sim prometidos um ao outro. Isso a fez ficar ainda mais pra baixo.

— Seus pais querem que vocês dois se casem?

— Isso não importa pra mim. — Cortou o assunto, não querendo se aprofundar nele naquele momento. — Eu sei que nossas vidas são diferentes, mas isso não significa que não podemos fazer isso funcionar. Eu já lhe disse que sinto algo muito forte por você. E, para ser sincero, eu nunca senti isso por ninguém antes. Não quero desistir só por causa de algo que outras pessoas pensam.

As palavras de Ravi tocaram profundamente a garota, mas ela ainda estava assustada. O peso das expectativas, das diferenças, tudo parecia grande demais. Ela olhou para ele, hesitante.

— E eu disse que iria pensar... Eu queria muito que desse certo... — ela disse, sua voz suave. — Mas eu preciso ser honesta comigo mesma. Agora, meu foco tem que ser terminar a faculdade, seguir meu sonho de ser atriz. Eu não posso me perder em um relacionamento que pode... bem, que pode não dar certo por causa das nossas circunstâncias. Não seria justo com você, nem comigo.

Ravi franziu a testa, sentindo um aperto no peito. Ele entendia o que ela estava dizendo, mas aquilo não fazia com que aceitá-lo fosse mais fácil.

— Então você está dizendo que decidiu que não quer tentar? — ele perguntou, sua voz baixa, carregada de emoção.

Alice olhou para ele, sentindo o peso da pergunta. Ela não queria afastá-lo, mas também não podia mentir para si mesma.

— Não estou dizendo isso — ela corrigiu, sua voz suave. — Nós mal nos conhecemos... E isso também me deixa um pouco insegura. Não posso me entregar totalmente a isso agora, mas... mas eu também não quero te afastar. Vamos com calma, Ravi. Se for para dar certo, a gente vai descobrir isso juntos. No nosso tempo.

Ravi a observou em silêncio por alguns instantes, processando o que ela havia dito. Ele queria mais do que "ir devagar", queria algo sólido, algo real. Mas, olhando para Alice, ele percebeu que talvez ela estivesse certa. Forçar as coisas só os machucaria.

— Tudo bem — ele disse finalmente, sua voz resignada, mas com uma leveza que indicava aceitação. — Vamos devagar, então.

Ela sorriu, aliviada, sentindo uma sensação de paz pela primeira vez em dias.

— Obrigada... — ela respondeu.

O silêncio entre eles, dessa vez, foi confortável. Não era o final, mas o início de algo que ambos sabiam que precisaria de paciência. Uma jornada que, mesmo lenta, poderia levá-los a um lugar onde ambos se encontrariam de verdade, no tempo certo.

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