02. Uma chance

O som distante de vozes ecoava pelos corredores da república enquanto Alice permanecia concentrada no material de estudo espalhado sobre sua escrivaninha. O fim de semana pós-festa parecia tranquilo, e ela finalmente tinha um tempo para colocar as leituras em dia, algo que sempre acabava atrasando com sua rotina intensa. Embora sua mente ainda estivesse presa àquele momento rápido, mas significativo, na festa de Halloween, Alice tentava focar em algo mais palpável: seus estudos.

Ela rabiscava anotações nas margens dos livros quando ouviu batidas suaves na porta do quarto. Não precisou perguntar quem era, pois a voz aguda e animada de Bianca logo soou do outro lado.

— Alice, abre aí! Temos notícias para você!

Alice sorriu de leve, guardando a caneta antes de se levantar e abrir a porta. Bianca e Gabriela estavam ali, as duas sorrindo de orelha a orelha, com os olhos brilhando de excitação. Ela arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.

— O que foi agora? — perguntou, já imaginando que as amigas tinham planejado algum passeio inesperado para aquele sábado.

— Você não vai acreditar! — Bianca quase saltava de animação. — Tem um cara te procurando pelo campus.

Alice franziu o cenho, confusa.

— Um cara? Quem?

Gabriela foi quem respondeu, os olhos faiscando de curiosidade.

— Um homem, Al! Ele estava vagando pelo campus do teatro, perguntando por uma tal Alice. Ele chegou até a falar com o zelador e disse que conheceu você na festa de Halloween.

Foi então que o nome veio à mente de Alice como um relâmpago. Ravi. Seu coração acelerou por um momento, mas ela balançou a cabeça, tentando afastar a ideia. Não podia ser ele. Não fazia sentido.

— Vocês devem estar confundindo — disse, voltando para sua mesa de estudos e tentando se concentrar novamente. — Deve ser alguém procurando outra pessoa.

As duas amigas trocaram olhares cúmplices e entraram no quarto, fechando a porta atrás delas. Gabriela se aproximou de Alice, os olhos estreitos como se estivesse investigando.

— Não é possível que seja outra pessoa, Ali. Ele é alto, cabelo escuro, bonito pra caramba... Ele parecia estar bem certo de quem estava procurando.

Alice se virou lentamente para as duas, sentindo um misto de expectativa e nervosismo se formando em seu estômago.

— E o que ele disse? — perguntou, sua voz ligeiramente mais baixa.

— Disse que queria te ver de novo — Bianca respondeu, um sorriso travesso se formando em seu rosto. — Falou algo sobre uma "conversa inacabada".

Alice sentiu o rosto esquentar levemente. Ela se lembrava daquela troca rápida de palavras na festa, de como Ravi a olhara com curiosidade e de como, por um momento, ela sentira que havia algo inexplicável ali. Mas, ao mesmo tempo, sabia que a realidade entre eles era diferente demais. Ravi era de uma família rica, já formado, e ela... ela era apenas Alice. Uma bolsista, lutando para sobreviver e manter seus sonhos vivos.

— Vocês sabem onde ele está agora? — Alice perguntou finalmente.

Bianca deu de ombros, mas Gabriela já tinha a resposta.

— Ele estava esperando lá fora, perto do portão principal.

Alice hesitou por um instante. Cada fibra de seu ser dizia para não sair daquele quarto, que ela deveria continuar estudando e esquecer o que quer que fosse aquilo. Mas, ao mesmo tempo, uma parte dela queria ouvir o que Ravi tinha a dizer. Queria entender por que ele estava tão interessado em vê-la de novo.

Respirando fundo, ela pegou uma jaqueta leve e colocou sobre os ombros.

— Não façam essa cara — disse, vendo as expressões surpresas das amigas. — Só vou ver o que ele quer. Não é nada demais.

Bianca e Gabriela sorriram, claramente satisfeitas consigo mesmas, enquanto Alice saía do quarto.

~x~

O campus estava silencioso, com apenas alguns poucos alunos passeando pelos caminhos arborizados. O vento suave do fim de semana passava pelas árvores, e o céu começava a se tingir de laranja com o pôr do sol.

Quando Alice se aproximou do portão principal, lá estava Ravi. Ele estava encostado em um carro preto, os braços cruzados e os olhos fixos no chão, como se estivesse imerso em pensamentos. Assim que ela se aproximou, ele levantou a cabeça, e um sorriso leve e genuíno se formou em seus lábios.

— Alice — ele disse simplesmente, com aquela voz grave que parecia sempre carregada de calma. — Que bom te ver de novo.

Ela parou a alguns passos de distância, tentando parecer casual, mas por dentro sentia o coração acelerar. Ela cruzou os braços sobre o peito, tentando manter o controle sobre si mesma.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou, a curiosidade evidente na voz.

Ravi deu de ombros, empurrando-se para longe do carro e caminhando até ficar mais perto dela.

— Eu pensei em você depois da festa — ele admitiu, sem rodeios. — Senti que não tivemos a chance de conversar direito. Sei que foi uma noite estranha... mas tem algo sobre você que eu não consigo tirar da cabeça.

Alice arqueou as sobrancelhas, surpresa com a honestidade dele. Não estava acostumada com esse tipo de abordagem direta. A maioria dos caras que conhecia na universidade eram cheios de joguinhos ou intenções disfarçadas. Mas Ravi parecia diferente

Ela soltou um suspiro e balançou a cabeça levemente.

— Eu... não sei o que você espera de mim, Ravi. Nós mal nos conhecemos, e somos de mundos muito diferentes.

Ravi franziu o cenho por um momento, claramente tentando entender o que ela queria dizer.

— Mundos diferentes? — ele repetiu, como se fosse um conceito estranho. — Alice, somos apenas duas pessoas. Eu sei que você tem sua vida, seus problemas... Mas quando conversamos naquela noite, senti uma conexão. E parece que você também sentiu.

— Conversamos por dez minutos... — Alice hesitou, mas ele estava certo. Ela também sentira algo, mas não sabia o que aquilo significava ou se valia a pena explorar.

Havia tanto em jogo na vida dela. Suas ambições, suas responsabilidades, e o fato de que ela nunca, nunca, deixava ninguém entrar demais em seu mundo. Era mais fácil assim. Mais seguro.

— Eu sei, mas...

— Olha, eu entendo o que você está dizendo — ela o interrompeu, escolhendo as palavras com cuidado. — Mas a verdade é que você tem uma vida que eu nem consigo imaginar. Sua família, seu trabalho... tudo é tão diferente do que eu conheço. E eu não quero me envolver em algo que vai me machucar depois.

Ravi a olhou por um momento, absorvendo suas palavras. Havia algo na forma como ele a encarava, como se estivesse vendo além das suas palavras e tentando alcançar algo mais profundo.

— Eu não estou aqui para te machucar, Alice — ele disse suavemente. — Só quero te conhecer melhor. Nada mais. Se você não quiser isso, eu entendo. Mas acho que vale a pena tentar.

Ela ficou em silêncio, as palavras dele pairando no ar entre eles. Parte de Alice queria aceitar o que ele estava oferecendo. Talvez fosse verdade. Talvez eles pudessem apenas se conhecer melhor, sem expectativas, sem pressões. Mas a outra parte dela estava sempre alerta, sempre cautelosa.

Ravi, percebendo o conflito interno dela, deu um passo para trás e respirou fundo.

— Eu não quero te pressionar — disse ele, a voz mais leve. — Mas, se você quiser, estava pensando em dar uma volta na praia agora. É um fim de tarde lindo, e eu adoraria te acompanhar. Me dá uma chance...

Alice olhou para ele, surpresa. Ela não esperava um convite tão casual. Caminhar na praia parecia algo tão simples, quase trivial, mas havia algo de convidativo na ideia. Era como se ele estivesse sugerindo um pequeno escape da realidade, um momento para que eles pudessem ser apenas eles, sem os rótulos ou as diferenças que Alice tanto temia.

Ela hesitou por mais alguns segundos antes de, finalmente, acenar com a cabeça.

— Tudo bem — disse, com um leve sorriso. — Vamos dar essa volta.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo