O som distante de vozes ecoava pelos corredores da república enquanto Alice permanecia concentrada no material de estudo espalhado sobre sua escrivaninha. O fim de semana pós-festa parecia tranquilo, e ela finalmente tinha um tempo para colocar as leituras em dia, algo que sempre acabava atrasando com sua rotina intensa. Embora sua mente ainda estivesse presa àquele momento rápido, mas significativo, na festa de Halloween, Alice tentava focar em algo mais palpável: seus estudos.
Ela rabiscava anotações nas margens dos livros quando ouviu batidas suaves na porta do quarto. Não precisou perguntar quem era, pois a voz aguda e animada de Bianca logo soou do outro lado. — Alice, abre aí! Temos notícias para você! Alice sorriu de leve, guardando a caneta antes de se levantar e abrir a porta. Bianca e Gabriela estavam ali, as duas sorrindo de orelha a orelha, com os olhos brilhando de excitação. Ela arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. — O que foi agora? — perguntou, já imaginando que as amigas tinham planejado algum passeio inesperado para aquele sábado. — Você não vai acreditar! — Bianca quase saltava de animação. — Tem um cara te procurando pelo campus. Alice franziu o cenho, confusa. — Um cara? Quem? Gabriela foi quem respondeu, os olhos faiscando de curiosidade. — Um homem, Al! Ele estava vagando pelo campus do teatro, perguntando por uma tal Alice. Ele chegou até a falar com o zelador e disse que conheceu você na festa de Halloween. Foi então que o nome veio à mente de Alice como um relâmpago. Ravi. Seu coração acelerou por um momento, mas ela balançou a cabeça, tentando afastar a ideia. Não podia ser ele. Não fazia sentido. — Vocês devem estar confundindo — disse, voltando para sua mesa de estudos e tentando se concentrar novamente. — Deve ser alguém procurando outra pessoa. As duas amigas trocaram olhares cúmplices e entraram no quarto, fechando a porta atrás delas. Gabriela se aproximou de Alice, os olhos estreitos como se estivesse investigando. — Não é possível que seja outra pessoa, Ali. Ele é alto, cabelo escuro, bonito pra caramba... Ele parecia estar bem certo de quem estava procurando. Alice se virou lentamente para as duas, sentindo um misto de expectativa e nervosismo se formando em seu estômago. — E o que ele disse? — perguntou, sua voz ligeiramente mais baixa. — Disse que queria te ver de novo — Bianca respondeu, um sorriso travesso se formando em seu rosto. — Falou algo sobre uma "conversa inacabada". Alice sentiu o rosto esquentar levemente. Ela se lembrava daquela troca rápida de palavras na festa, de como Ravi a olhara com curiosidade e de como, por um momento, ela sentira que havia algo inexplicável ali. Mas, ao mesmo tempo, sabia que a realidade entre eles era diferente demais. Ravi era de uma família rica, já formado, e ela... ela era apenas Alice. Uma bolsista, lutando para sobreviver e manter seus sonhos vivos. — Vocês sabem onde ele está agora? — Alice perguntou finalmente. Bianca deu de ombros, mas Gabriela já tinha a resposta. — Ele estava esperando lá fora, perto do portão principal. Alice hesitou por um instante. Cada fibra de seu ser dizia para não sair daquele quarto, que ela deveria continuar estudando e esquecer o que quer que fosse aquilo. Mas, ao mesmo tempo, uma parte dela queria ouvir o que Ravi tinha a dizer. Queria entender por que ele estava tão interessado em vê-la de novo. Respirando fundo, ela pegou uma jaqueta leve e colocou sobre os ombros. — Não façam essa cara — disse, vendo as expressões surpresas das amigas. — Só vou ver o que ele quer. Não é nada demais. Bianca e Gabriela sorriram, claramente satisfeitas consigo mesmas, enquanto Alice saía do quarto. ~x~ O campus estava silencioso, com apenas alguns poucos alunos passeando pelos caminhos arborizados. O vento suave do fim de semana passava pelas árvores, e o céu começava a se tingir de laranja com o pôr do sol. Quando Alice se aproximou do portão principal, lá estava Ravi. Ele estava encostado em um carro preto, os braços cruzados e os olhos fixos no chão, como se estivesse imerso em pensamentos. Assim que ela se aproximou, ele levantou a cabeça, e um sorriso leve e genuíno se formou em seus lábios. — Alice — ele disse simplesmente, com aquela voz grave que parecia sempre carregada de calma. — Que bom te ver de novo. Ela parou a alguns passos de distância, tentando parecer casual, mas por dentro sentia o coração acelerar. Ela cruzou os braços sobre o peito, tentando manter o controle sobre si mesma. — O que você está fazendo aqui? — perguntou, a curiosidade evidente na voz. Ravi deu de ombros, empurrando-se para longe do carro e caminhando até ficar mais perto dela. — Eu pensei em você depois da festa — ele admitiu, sem rodeios. — Senti que não tivemos a chance de conversar direito. Sei que foi uma noite estranha... mas tem algo sobre você que eu não consigo tirar da cabeça. Alice arqueou as sobrancelhas, surpresa com a honestidade dele. Não estava acostumada com esse tipo de abordagem direta. A maioria dos caras que conhecia na universidade eram cheios de joguinhos ou intenções disfarçadas. Mas Ravi parecia diferente Ela soltou um suspiro e balançou a cabeça levemente. — Eu... não sei o que você espera de mim, Ravi. Nós mal nos conhecemos, e somos de mundos muito diferentes. Ravi franziu o cenho por um momento, claramente tentando entender o que ela queria dizer. — Mundos diferentes? — ele repetiu, como se fosse um conceito estranho. — Alice, somos apenas duas pessoas. Eu sei que você tem sua vida, seus problemas... Mas quando conversamos naquela noite, senti uma conexão. E parece que você também sentiu. — Conversamos por dez minutos... — Alice hesitou, mas ele estava certo. Ela também sentira algo, mas não sabia o que aquilo significava ou se valia a pena explorar. Havia tanto em jogo na vida dela. Suas ambições, suas responsabilidades, e o fato de que ela nunca, nunca, deixava ninguém entrar demais em seu mundo. Era mais fácil assim. Mais seguro. — Eu sei, mas... — Olha, eu entendo o que você está dizendo — ela o interrompeu, escolhendo as palavras com cuidado. — Mas a verdade é que você tem uma vida que eu nem consigo imaginar. Sua família, seu trabalho... tudo é tão diferente do que eu conheço. E eu não quero me envolver em algo que vai me machucar depois. Ravi a olhou por um momento, absorvendo suas palavras. Havia algo na forma como ele a encarava, como se estivesse vendo além das suas palavras e tentando alcançar algo mais profundo. — Eu não estou aqui para te machucar, Alice — ele disse suavemente. — Só quero te conhecer melhor. Nada mais. Se você não quiser isso, eu entendo. Mas acho que vale a pena tentar. Ela ficou em silêncio, as palavras dele pairando no ar entre eles. Parte de Alice queria aceitar o que ele estava oferecendo. Talvez fosse verdade. Talvez eles pudessem apenas se conhecer melhor, sem expectativas, sem pressões. Mas a outra parte dela estava sempre alerta, sempre cautelosa. Ravi, percebendo o conflito interno dela, deu um passo para trás e respirou fundo. — Eu não quero te pressionar — disse ele, a voz mais leve. — Mas, se você quiser, estava pensando em dar uma volta na praia agora. É um fim de tarde lindo, e eu adoraria te acompanhar. Me dá uma chance... Alice olhou para ele, surpresa. Ela não esperava um convite tão casual. Caminhar na praia parecia algo tão simples, quase trivial, mas havia algo de convidativo na ideia. Era como se ele estivesse sugerindo um pequeno escape da realidade, um momento para que eles pudessem ser apenas eles, sem os rótulos ou as diferenças que Alice tanto temia. Ela hesitou por mais alguns segundos antes de, finalmente, acenar com a cabeça. — Tudo bem — disse, com um leve sorriso. — Vamos dar essa volta.A praia estava relativamente vazia naquele fim de tarde. O som das ondas quebrando suavemente na areia era um contraste relaxante com o ritmo agitado da cidade. Alice e Ravi caminhavam lado a lado, em silêncio por um tempo, apreciando o cenário e o simples fato de estarem ali.— Você vem aqui com frequência? — Alice perguntou finalmente, quebrando o silêncio, pois não sabia exatamente o que deveriam conversar.Ravi sorriu de lado, mantendo os olhos no horizonte.— Sempre que posso. Adoro a tranquilidade. Me ajuda a pensar.— Pensar no quê?Ele deu de ombros.— Em tudo. Na vida, no trabalho... nos desafios que vêm com as escolhas que fazemos.Alice o observou de canto de olho, notando o jeito como ele falava com uma sinceridade que a deixava desconfortável, mas de uma maneira boa. Como se estivesse abrindo uma pequena janela para que ela pudesse ver um lado mais vulnerável dele.— E você? — Ravi perguntou, interrompendo os pensamentos dela. — O que te ajuda a pensar?Alice soltou uma r
A manhã estava quente, com o sol do Rio de Janeiro iluminando cada canto do campus. Alice saiu de sua última aula do dia, ainda com a mente distante, pensando no passeio com Ravi. Desde aquele encontro na orla, as palavras dele ecoavam em sua cabeça. A sensação de estar sendo vista por alguém que vinha de um mundo tão diferente era intrigante e, ao mesmo tempo, assustadora. Ela sabia que estava começando a sentir algo por ele, mas ainda havia tantas barreiras. No entanto, os sentimentos conflitantes de Alice precisariam ser postos de lado. Como bolsista integral, ela não podia se dar ao luxo de perder tempo sonhando com algo que talvez fosse impossível. Ela estava na universidade para estudar, se formar e seguir seus sonhos, nada mais. Mesmo assim, as lembranças da conversa na praia com Ravi teimavam em voltar, insistindo para que ela considerasse o que ele havia dito. As amigas de Alice, Bianca e Gabriela, logo a encontraram no pátio. Elas estavam animadas, conversando sobre o
Alice passou os dias seguintes tentando se concentrar em seus estudos. A rotina da faculdade, as leituras extensas, os exercícios práticos e os trabalhos em grupo foram sua tábua de salvação. Ela mergulhou no mundo acadêmico como se estivesse fugindo de algo maior, algo que a incomodava mais do que estava disposta a admitir. Durante o dia, rodeada pelos colegas de classe e imersa nas tarefas, conseguia afastar os pensamentos sobre Ravi. Mas, à noite, no silêncio do quarto, o rosto dele surgia em sua mente, acompanhado por uma avalanche de dúvidas.Ravi tinha sido gentil, atencioso, e ela não conseguia esquecer a forma como ele olhava para ela, como se enxergasse mais do que apenas a garota pobre tentando se formar. Mas, ao mesmo tempo, Beatrice tinha plantado uma semente de insegurança em seu coração. Seria ela capaz de lidar com as expectativas que o mundo de Ravi colocaria sobre ela? E, pior ainda, poderia realmente confiar que ele seria imune às pressões de sua mãe, da sociedade e
Nos dias que se seguiram, a rotina de Alice tomou um rumo completamente novo, pois sua vida estava mais agitada do que nunca.Com o fim do semestre se aproximando, Alice e sua turma receberam como missão preparar uma peça de teatro e ela, escolhida como protagonista, sentia o peso da responsabilidade sobre os ombros.Interpretar o papel principal era um sonho se realizando, mas também um desafio assustador. Ainda assim, o teatro sempre foi seu refúgio, o lugar onde suas inseguranças davam lugar a uma versão mais confiante de si mesma. Os ensaios aconteciam todas as tardes, logo após as aulas. O diretor da peça, um professor exigente, mas apaixonado pela arte, costumava pedir mais entrega de todos. Ele queria que cada cena fosse sentida, que cada palavra falada tivesse um propósito, e Alice entendia o que ele pedia. Encarava cada ensaio como uma oportunidade de se aperfeiçoar e, ao mesmo tempo, de se distanciar da realidade. Sua turma estava animada com o progresso, e ela estava se
Na sala de estar da mansão Meyer, o ambiente estava tenso. Ravi estava sentado em uma poltrona de couro, as mãos cruzadas em frente ao corpo, enquanto sua mãe caminhava lentamente de um lado para o outro, o rosto franzido em uma mistura de descontentamento e frustração. Ela finalmente parou e se virou para o filho, os olhos fixos nele. — O que foi aquilo ontem? — ela começou, sua voz carregada de indignação. — Beatrice me ligou, chorando. Disse que você a humilhou na frente de todos, por causa de uma garota... uma bolsista. Ravi manteve a expressão firme. Ele já sabia que teria que lidar com a fúria da mãe, mas ainda assim, ouvir o tom de desaprovação o incomodava. — Mãe, Beatrice causou a cena, não eu — ele respondeu com calma, embora a tensão estivesse clara em sua voz. — Ela mentiu, tentou colocar todo mundo contra Alice. Eu não vou aceitar esse tipo de comportamento. A mãe dele estreitou os olhos ao ouvir o nome da garota, como se isso confirmasse suas piores suspeitas. — Ali
O som agudo do monitor cardíaco enchia a sala. Ravi estava concentrado, avaliando os sinais vitais do paciente. O ambiente era iluminado por luzes brancas e frias, e o ritmo caótico do hospital ecoava em cada corredor. As mãos experientes moviam-se com precisão, ajustando as doses de medicação e verificando as respostas do paciente a cada procedimento. Era uma rotina familiar, mas a responsabilidade que pesava sobre seus ombros jamais diminuía. Todos os dias, ele estava ali, em batalhas silenciosas pela vida de outras pessoas. — Como ele está? — perguntou uma das enfermeiras ao lado, com o semblante cansado, mas profissional. Ravi ajustou os óculos no rosto e olhou para o monitor por alguns segundos. — Estável, mas vamos manter a observação por mais algumas horas. Ele teve uma resposta melhor à última dose de sedativo — respondeu, sentindo-se levemente aliviado. Era o fim de mais uma longa e exaustiva sequência de plantões no hospital. Os últimos dias tinham sido particularmen
O som suave do vento batendo nas janelas foi o primeiro sinal de que Alice não estava em sua cama habitual. Lentamente, seus olhos se abriram, revelando o quarto elegante e minimalista em que havia passado a noite. Por um breve momento, ela ficou imóvel, tentando lembrar de onde estava. Então, tudo voltou em uma onda de lembranças — o encontro, os momentos no apartamento de Ravi, e finalmente a decisão de dormir ali. Ela se espreguiçou e olhou para o relógio ao lado da cama, notando que ainda era cedo. Com um suspiro, levantou-se, ajeitando o cabelo e olhando para si mesma no espelho do quarto de hóspedes. Sentiu um leve rubor em suas bochechas quando pensou no beijo quente que havia compartilhado na noite anterior, e uma parte dela ansiava por mais. Alice vestiu seu vestido da noite anterior e, de pés descalços, foi até o banheiro, onde improvisou para escovar os dentes usando somente os dedos e a pasta. Em seguida, saiu do quarto, atraída por um leve aroma de café que vinha
A porta do apartamento se fechou com um som surdo assim que Ravi entrou de volta. A tensão no ar era palpável. Ele foi até a cozinha, olhando para o ponto vazio onde Alice estivera há apenas alguns segundos. Sua mãe, Diana, estava ao seu lado, os olhos ainda brilhando de indignação. Ela, no entanto, não tinha ideia da tempestade que estava prestes a enfrentar. Ravi estava tentando processar o que havia acabado de acontecer. O coração acelerado e a raiva crescendo em cada fibra do seu ser. Tudo dentro dele gritava que ele deveria ter feito mais, deveria ter impedido que Alice fosse embora daquele jeito, de coração partido, humilhada. Sua mãe, sempre tão controladora, finalmente havia cruzado uma linha da qual ele sabia que não poderia mais permitir que ela voltasse. Ele cerrou os punhos, tentando manter o autocontrole, mas falhando miseravelmente. — Mãe — começou ele, a voz baixa e trêmula, com uma fúria contida que ameaçava explodir a qualquer momento — o que você pensa que está fa