Alice saiu da sala de aula apressada, os livros contra o peito e a mochila desgastada pendendo sobre um dos ombros. Era final de tarde, e o sol do Rio de Janeiro começava a se pôr atrás dos prédios da universidade. Ela estava cansada, como sempre. Entre as aulas, os estudos e o trabalho de meio período, não sobrava muito tempo para respirar, mas era assim que ela gostava. A ocupação constante era um lembrete de que ela estava mais próxima de seu sonho: se formar, e, quem sabe, um dia, ser uma grande atriz.
Os corredores estavam lotados de alunos que, assim como ela, se preparavam para sair, provavelmente para curtir o início do fim de semana. Ao virar uma esquina, ela escutou uma risada familiar, um som que fez seu estômago se revirar. Beatrice Kang, a garota com quem dividia algumas aulas, estava parada com seu grupinho de amigos, todos de classe alta, vestindo roupas de grife e carregando os ares de superioridade que ela tanto desprezava. Beatrice a notou imediatamente. — Olha só quem está aqui! A bolsista preferida da faculdade — Beatrice disse com um sorriso cínico, seus olhos estreitos em direção a ela. Alice apertou o passo, tentando ignorar. Havia se tornado especialista nisso desde que entrara na universidade. Pessoas como Beatrice adoravam lembrar a ela o quanto sua presença ali era "atípica", como se sua bolsa de estudos a tornasse menos digna de estar naquele espaço. Mas no fundo ela sabia que a implicância da mulher partia de uma inveja velada, pois ambas faziam o mesmo curso e Alice sempre se sobressaia nas aulas práticas. Ela tinha um talento natural. — Ei, Alice, não vá embora tão rápido! Estou aqui tentando te dar uma dica — continuou, agora acompanhada por mais risadas. — Você sabia que tem um limite de quanto uma pessoa pobre pode fingir pertencer a um lugar como esse? Alice parou, respirando fundo. Queria ignorar, mas as palavras de Beatrice sempre pareciam cortar mais fundo do que ela admitia. Se virou lentamente, os olhos fixos na garota que sorria triunfante. — Não tenho tempo para você, Beatrice. — disse com firmeza, mas sabia que suas palavras soavam vazias. Beatrice riu novamente, um som cruel e enjoativo. — Claro que não tem, né? Precisa correr para o trabalho, não é? — Ela gesticulou de maneira exagerada, como se estivesse lavando pratos. — Ah, não, espera. Não tem uma audição hoje? Quem sabe dessa vez você finalmente consegue um papel de verdade, em vez dessas peças de teatro amador? Alice sentiu o rosto esquentar de raiva e vergonha, mas forçou seus pés a continuarem andando, sem responder. Não valia a pena. Ao menos, era o que tentava dizer a si mesma. ~x~ Algumas horas depois, Alice estava no pequeno quarto que dividia em uma república, sentada à mesa improvisada que usava como escrivaninha. Estava com o rosto apoiado nas mãos, os pensamentos rodopiando entre o cansaço e a frustração. As palavras de Beatrice ecoavam em sua mente, mesmo que ela quisesse desesperadamente que desaparecessem. Sempre era assim. Por mais que tentasse ser forte, às vezes parecia que o peso de sua realidade estava sempre lá, pronto para esmagá-la. Olhou para o espelho no canto do quarto. Seus cabelos estavam bagunçados, e os olhos, geralmente tão expressivos, estavam cansados. "Atriz", ela pensou com ironia. Como alguém como ela poderia realmente se tornar uma atriz de sucesso? Sem contatos, sem dinheiro, e ainda tendo que lutar contra o preconceito de pessoas como Beatrice todos os dias? Ela suspirou profundamente, perdida em pensamentos sobre o futuro que parecia tão distante e, às vezes, inalcançável. Seu coração doía ao pensar em sua mãe, que sempre acreditou tanto em seus sonhos, e no sacrifício que fez para que Alice pudesse estudar ali. "Um dia vou fazer valer a pena", repetia para si mesma como um mantra. Foi então que a porta se abriu com um estrondo, e Bianca e Gabriela, suas melhores amigas, invadiram o quarto com risadas e energia. — Alice, você precisa levantar dessa cadeira agora! — exclamou Bianca, sempre a mais animada das três. — Vamos à festa de Halloween da faculdade, e você também vai. — Não, eu não vou — respondeu, tentando sorrir, mas sem sucesso. Gabriela se aproximou e puxou uma cadeira, sentando-se ao seu lado. — Vamos, Ali. Sei que as coisas são difíceis, mas você merece um descanso. Além disso, quem sabe algo bom não aconteça? Ela suspirou novamente. Parte dela queria desistir da noite e ficar ali, afundada em sua melancolia, mas as amigas tinham razão. Ela precisava distrair a mente. Talvez a festa não fosse uma má ideia, afinal. — Tá bom, eu vou — cedeu, e imediatamente as duas começaram a se mexer para ajudá-la a escolher uma fantasia improvisada. Minutos depois, Alice estava em frente ao espelho, vestida com uma capa preta e uma máscara simples. Não era a fantasia mais elaborada, mas era o suficiente. O importante era sair um pouco da bolha sufocante de seus próprios pensamentos. ~x~ A festa de Halloween já estava em pleno andamento quando as três amigas chegaram. O salão principal da universidade havia sido decorado com luzes roxas e laranjas, abóboras esculpidas espalhadas pelos cantos e fantasias de todos os tipos desfilando de um lado para o outro. Alice sentia o coração bater um pouco mais forte enquanto caminhava pelo espaço, tentando se adaptar à multidão e ao barulho. Não era muito fã de festas, mas havia algo no clima de Halloween que tornava tudo um pouco mais mágico, como se, por algumas horas, todos pudessem ser quem quisessem. "Eu poderia ser uma atriz famosa esta noite", pensou com um sorriso discreto. Era bom imaginar, mesmo que por um momento. Enquanto explorava a festa, Alice se afastou um pouco de suas amigas, buscando um canto mais tranquilo. Foi então que seus olhos pousaram em um homem que parecia ligeiramente deslocado no meio daquela multidão de universitários. Ele não usava fantasia, apenas uma jaqueta de couro preta sobre uma camiseta simples. Seus cabelos eram escuros, os traços do rosto marcantes, e havia algo em seu olhar que imediatamente chamou a atenção de Alice. Ele a notou ao mesmo tempo e, para a surpresa dela, sorriu. Um sorriso gentil, quase tímido. O coração de Alice bateu mais rápido. Quem era ele? O homem se aproximou, e ela sentiu um leve nervosismo crescer dentro de si. — Oi — ele disse, a voz suave, mas profunda. — Oi... — Meu nome é Ravi. — Estendeu a mão desocupada, não disfarçando o sorrisinho quando a mão da moça desconhecida tocou a sua. — Alice — ela respondeu, sentindo as palavras vacilarem em seus lábios. — Os homens que ela conhecia não costumavam chegar nela de forma tão direta, principalmente em festas. — Você não parece ser muito fã desse tipo de evento — Ravi observou com um leve sorriso. Ela deu de ombros, relaxando um pouco. — Não muito, mas minhas amigas insistiram. Eles começaram a conversar de maneira leve e descontraída. Começaram falando sobre festas e em algum já estavam compartilhando suas vidas pessoais. Ravi explicou que já havia se formado há alguns anos, era médico e tinha 28 anos. Estava na festa a convite de alguns amigos. Alice, por sua vez, compartilhou um pouco sobre seu curso e sua paixão por atuar. A conexão entre eles foi imediata, quase como se algo maior estivesse em movimento. Alice não conseguia parar de olhar para ele, como se algo em Ravi fosse diferente, especial. — Nossa, você já viveu bastante pra alguém tão jovem... — É... — Riu, tomando um gole da bebida. — Meus pais acham que ainda é cedo, mas agora meu único desejo é construir uma família. Acho que já vivi o suficiente. Só preciso achar a mulher certa. — Entendo. — Alice riu, achando interessante o fato de ele parecer alguém tão conservador, mas ao mesmo tempo tão livre. Ela pretendia perguntá-lo sobre como seria essa "mulher certa", mas, como de costume, as coisas boas não duravam muito para ela. Antes que pudesse, Beatrice apareceu. Seus olhos foram imediatamente para Ravi, e seu sorriso maldoso se formou quando viu Alice ao lado dele. — Ravi! — Beatrice exclamou, passando por Alice como se ela fosse invisível. — Que bom te ver aqui! Não sabia que você vinha! — Beatrice. — Ele a cumprimentou de volta, mas sem muita emoção. Alice sentiu o estômago afundar. Beatrice estava ali para estragar tudo, como sempre. Ela lançou um último olhar para Ravi e se afastou, sem dizer uma palavra. Enquanto saía da festa, ainda podia sentir o olhar dele sobre ela, mas era tarde demais. O encanto havia sido quebrado. No caminho de volta para casa, no entanto, o rosto de Ravi continuava em sua mente. Algo lhe dizia que aquele encontro não era o fim da história.O som distante de vozes ecoava pelos corredores da república enquanto Alice permanecia concentrada no material de estudo espalhado sobre sua escrivaninha. O fim de semana pós-festa parecia tranquilo, e ela finalmente tinha um tempo para colocar as leituras em dia, algo que sempre acabava atrasando com sua rotina intensa. Embora sua mente ainda estivesse presa àquele momento rápido, mas significativo, na festa de Halloween, Alice tentava focar em algo mais palpável: seus estudos. Ela rabiscava anotações nas margens dos livros quando ouviu batidas suaves na porta do quarto. Não precisou perguntar quem era, pois a voz aguda e animada de Bianca logo soou do outro lado. — Alice, abre aí! Temos notícias para você! Alice sorriu de leve, guardando a caneta antes de se levantar e abrir a porta. Bianca e Gabriela estavam ali, as duas sorrindo de orelha a orelha, com os olhos brilhando de excitação. Ela arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. — O que foi agora? — perguntou, já imagi
A praia estava relativamente vazia naquele fim de tarde. O som das ondas quebrando suavemente na areia era um contraste relaxante com o ritmo agitado da cidade. Alice e Ravi caminhavam lado a lado, em silêncio por um tempo, apreciando o cenário e o simples fato de estarem ali.— Você vem aqui com frequência? — Alice perguntou finalmente, quebrando o silêncio, pois não sabia exatamente o que deveriam conversar.Ravi sorriu de lado, mantendo os olhos no horizonte.— Sempre que posso. Adoro a tranquilidade. Me ajuda a pensar.— Pensar no quê?Ele deu de ombros.— Em tudo. Na vida, no trabalho... nos desafios que vêm com as escolhas que fazemos.Alice o observou de canto de olho, notando o jeito como ele falava com uma sinceridade que a deixava desconfortável, mas de uma maneira boa. Como se estivesse abrindo uma pequena janela para que ela pudesse ver um lado mais vulnerável dele.— E você? — Ravi perguntou, interrompendo os pensamentos dela. — O que te ajuda a pensar?Alice soltou uma r
A manhã estava quente, com o sol do Rio de Janeiro iluminando cada canto do campus. Alice saiu de sua última aula do dia, ainda com a mente distante, pensando no passeio com Ravi. Desde aquele encontro na orla, as palavras dele ecoavam em sua cabeça. A sensação de estar sendo vista por alguém que vinha de um mundo tão diferente era intrigante e, ao mesmo tempo, assustadora. Ela sabia que estava começando a sentir algo por ele, mas ainda havia tantas barreiras. No entanto, os sentimentos conflitantes de Alice precisariam ser postos de lado. Como bolsista integral, ela não podia se dar ao luxo de perder tempo sonhando com algo que talvez fosse impossível. Ela estava na universidade para estudar, se formar e seguir seus sonhos, nada mais. Mesmo assim, as lembranças da conversa na praia com Ravi teimavam em voltar, insistindo para que ela considerasse o que ele havia dito. As amigas de Alice, Bianca e Gabriela, logo a encontraram no pátio. Elas estavam animadas, conversando sobre o
Alice passou os dias seguintes tentando se concentrar em seus estudos. A rotina da faculdade, as leituras extensas, os exercícios práticos e os trabalhos em grupo foram sua tábua de salvação. Ela mergulhou no mundo acadêmico como se estivesse fugindo de algo maior, algo que a incomodava mais do que estava disposta a admitir. Durante o dia, rodeada pelos colegas de classe e imersa nas tarefas, conseguia afastar os pensamentos sobre Ravi. Mas, à noite, no silêncio do quarto, o rosto dele surgia em sua mente, acompanhado por uma avalanche de dúvidas.Ravi tinha sido gentil, atencioso, e ela não conseguia esquecer a forma como ele olhava para ela, como se enxergasse mais do que apenas a garota pobre tentando se formar. Mas, ao mesmo tempo, Beatrice tinha plantado uma semente de insegurança em seu coração. Seria ela capaz de lidar com as expectativas que o mundo de Ravi colocaria sobre ela? E, pior ainda, poderia realmente confiar que ele seria imune às pressões de sua mãe, da sociedade e
Nos dias que se seguiram, a rotina de Alice tomou um rumo completamente novo, pois sua vida estava mais agitada do que nunca.Com o fim do semestre se aproximando, Alice e sua turma receberam como missão preparar uma peça de teatro e ela, escolhida como protagonista, sentia o peso da responsabilidade sobre os ombros.Interpretar o papel principal era um sonho se realizando, mas também um desafio assustador. Ainda assim, o teatro sempre foi seu refúgio, o lugar onde suas inseguranças davam lugar a uma versão mais confiante de si mesma. Os ensaios aconteciam todas as tardes, logo após as aulas. O diretor da peça, um professor exigente, mas apaixonado pela arte, costumava pedir mais entrega de todos. Ele queria que cada cena fosse sentida, que cada palavra falada tivesse um propósito, e Alice entendia o que ele pedia. Encarava cada ensaio como uma oportunidade de se aperfeiçoar e, ao mesmo tempo, de se distanciar da realidade. Sua turma estava animada com o progresso, e ela estava se
Na sala de estar da mansão Meyer, o ambiente estava tenso. Ravi estava sentado em uma poltrona de couro, as mãos cruzadas em frente ao corpo, enquanto sua mãe caminhava lentamente de um lado para o outro, o rosto franzido em uma mistura de descontentamento e frustração. Ela finalmente parou e se virou para o filho, os olhos fixos nele. — O que foi aquilo ontem? — ela começou, sua voz carregada de indignação. — Beatrice me ligou, chorando. Disse que você a humilhou na frente de todos, por causa de uma garota... uma bolsista. Ravi manteve a expressão firme. Ele já sabia que teria que lidar com a fúria da mãe, mas ainda assim, ouvir o tom de desaprovação o incomodava. — Mãe, Beatrice causou a cena, não eu — ele respondeu com calma, embora a tensão estivesse clara em sua voz. — Ela mentiu, tentou colocar todo mundo contra Alice. Eu não vou aceitar esse tipo de comportamento. A mãe dele estreitou os olhos ao ouvir o nome da garota, como se isso confirmasse suas piores suspeitas. — Ali
O som agudo do monitor cardíaco enchia a sala. Ravi estava concentrado, avaliando os sinais vitais do paciente. O ambiente era iluminado por luzes brancas e frias, e o ritmo caótico do hospital ecoava em cada corredor. As mãos experientes moviam-se com precisão, ajustando as doses de medicação e verificando as respostas do paciente a cada procedimento. Era uma rotina familiar, mas a responsabilidade que pesava sobre seus ombros jamais diminuía. Todos os dias, ele estava ali, em batalhas silenciosas pela vida de outras pessoas. — Como ele está? — perguntou uma das enfermeiras ao lado, com o semblante cansado, mas profissional. Ravi ajustou os óculos no rosto e olhou para o monitor por alguns segundos. — Estável, mas vamos manter a observação por mais algumas horas. Ele teve uma resposta melhor à última dose de sedativo — respondeu, sentindo-se levemente aliviado. Era o fim de mais uma longa e exaustiva sequência de plantões no hospital. Os últimos dias tinham sido particularmen
O som suave do vento batendo nas janelas foi o primeiro sinal de que Alice não estava em sua cama habitual. Lentamente, seus olhos se abriram, revelando o quarto elegante e minimalista em que havia passado a noite. Por um breve momento, ela ficou imóvel, tentando lembrar de onde estava. Então, tudo voltou em uma onda de lembranças — o encontro, os momentos no apartamento de Ravi, e finalmente a decisão de dormir ali. Ela se espreguiçou e olhou para o relógio ao lado da cama, notando que ainda era cedo. Com um suspiro, levantou-se, ajeitando o cabelo e olhando para si mesma no espelho do quarto de hóspedes. Sentiu um leve rubor em suas bochechas quando pensou no beijo quente que havia compartilhado na noite anterior, e uma parte dela ansiava por mais. Alice vestiu seu vestido da noite anterior e, de pés descalços, foi até o banheiro, onde improvisou para escovar os dentes usando somente os dedos e a pasta. Em seguida, saiu do quarto, atraída por um leve aroma de café que vinha