A sala de estar estava com a lareira acesa e crepitando suavemente. Duncan se sentou ao meu lado no grande sofá, pegando minhas mãos nas dele.Eu notei que elas estavam mais limpas, sem qualquer resquício de sangue em sua pele macia, mas a temperatura era fria e estavam úmidas, por ele ter acabado de as lavar.— Sinto muito por hoje. — Havia sinceridade em seus olhos e seu toque era gentil. — Nunca quis te colocar em perigo.Ah, agora ele ia fazer o papel de noivo arrependido depois de me usar de isca? Suspirei, sentindo um nó na garganta. As palavras dele eram reconfortantes, mas o medo ainda estava presente. Soltei uma das mãos e escovei seu rosto, ele procurou mais o meu toque e fechou os olhos, os cílios bem escuros que eu tanto gostava, os lábios naturalmente curvados e as pintinhas por seu rosto.Esfreguei o polegar em sua bochecha, deformando a curva de tristeza em sua boca para um sorriso torto.— Eu sei, Duncan — Respondi, acariciando-o. Eu ainda estava tremendo, mas estar co
— Era exatamente isso o que eu queria evitar, Irineo! Você me prometeu que Vicenza estava segura! — Minha mãe esbravejava. Eu não a podia ver, mas ouvia sua voz, daquele jeito quando ela dava bronca e era assustador quando eu era uma criança. — O que aquele menino dos Delvecchio fez com ela?!— Ela está mais segura ao lado dele do que distante, acredite, Antonella. — Meu padrasto tentou argumentar, sua voz soando assustadoramente mais calma e mais fria, acentuando o descontrole emocional de minha mãe. Se eu estivesse no lugar dela, agiria igual ou até pior, mas eu temia quais atitudes ela poderia tomar. Duncan me protegeu! Talvez seus métodos não sejam exatamente ortodoxos, mas já o conheço o suficiente para ter certeza de que ele não quis me colocar em risco de verdade.— Você chama isso de estar segura?! — A voz de minha mãe ficou estridente e nas alturas. — Eu quero cancelar esse noivado agora mesmo, está me entendendo?Meu coração parou. Cancelar?! Agora que estamos nos dando bem
Ficamos um pouco no sofá enquanto Duncan consumiu o lanche de minha mãe. Depois nos abraçamos e assistimos um filme. Como ele deixou eu escolher, coloquei um romance coreano.Ele cochilou um pouco em meus braços enquanto fiz carinho em seus cabelos. Acabei cochilando também, antes do final, e depois eu resolvi deixar ele descansar melhor em uma cama.Fui para o meu quarto. Queria falar com minhas amigas, mas lembrei dos ensinamentos da Societá: anunciar que havia sofrido um ataque mostraria apenas vulnerabilidade e eu decidi não fazer. Eu me sentia um pouco solitária por não ter ninguém para conversar, mas eu sabia o peso que era fazer parte da família Campanazzi.Em meu quarto, apenas estudei e terminei todas as lições de casa, enquanto ouvia a música da caixinha de músicas que Duncan me presenteou. De vez em quando alguns flashes daqueles momentos que pareciam tão distantes na memória passavam na mente, eu realmente preciso ficar atenta porque Duncan é um homem esperto demais. Já es
O sol da manhã estava nascendo lentamente, lançando uma luz dourada sobre as ruas enquanto eu observava pela janela do carro. O café na minha mão já não parecia tão reconfortante, e o gosto amargo me lembrava do nó que se formava no meu estômago. O cheiro de grama molhada entrava pelas frestas do carro, misturando-se ao perfume de Duncan, mas nada conseguia acalmar a ansiedade que se acumulava em mim. Eu tinha que entrar nesse assunto, não tinha? Foi o motivo pelo qual eu fiz Duncan vir correndo até mim e agora eu tinha ainda mais dúvidas sobre a questão da qual ele se mantinha em silêncio.O observei de relance. Ele dirigia calmo, deixando a música envolver o carro, com o olhar fixo nas ruas da cidade. O maxilar tenso, como sempre, a curvinha dos lábios descontentes, para baixo. Eu já estava acostumada com seu humor irreverente, dessa vez o mau-humor era por ter que acordar cedo demais. Não deu tempo de tomar café, eu estava atrasada para as aulas, mas ele parou em uma cafeteria nos
As lágrimas ainda escorriam pelo meu rosto quando me agachei para pegar meus cadernos encharcados pela poça. Meus dedos trêmulos tentaram alcançar o primeiro caderno, mas a força simplesmente tinha me abandonado. O nó na minha garganta estava tão apertado que me sentia sufocada, incapaz de respirar direito.Então, vi um par de tênis diante de mim, um movimento ao meu lado.— Deixa que eu pego. — A voz era suave, mas firme.Levantei a cabeça, tentando enxergar através das lágrimas, e vi um garoto se abaixar ao meu lado. Ele não parecia hesitar em se aproximar, suas mãos pegando com cuidado meus cadernos e livros, agora manchados de água.— Você está bem? — Ele me olhou com uma preocupação genuína nos olhos, o que me pegou de surpresa. Eu não conseguia responder, apenas olhei para ele em silêncio.— Vicenza, né? — Ele falou como se já me conhecesse, mas eu não conseguia lembrar seu nome. Era um dos alunos da escola, provavelmente alguém que já tinha visto antes, mas que nunca prestei a
O som abafado das conversas ecoava pelo café, misturado com o farfalhar das xícaras de porcelana sendo colocadas nas mesas. Estávamos sentadas num canto mais afastado, próximo à janela, onde a luz do sol batia de maneira quase melancólica, destacando a seriedade do assunto.— Ele respondeu? — Grazi remexia sua xícara de cappuccino distraída, enquanto Ottavia cruzava os braços, olhando diretamente para mim. Mastiguei a bochecha, pensando em quanto tempo fazia desde minhas últimas mensagens desesperadas para Duncan.— Não, nada.Ainda era difícil processar o que tinha acontecido, Duncan simplesmente estava sendo inalcançável, me dando o tratamento do silêncio. Repassei nossa última conversa por horas na minha cabeça e ainda não entendia onde eu tinha errado.Mas estar ali, com as duas melhores amigas, me dava uma sensação de segurança. Como se, de alguma forma, juntas, pudéssemos desvendar o enigma que era Duncan Delvecchio.— Ainda não sei o que eu fiz de errado, o que o ofendeu tanto
Sentada à mesa de estudos, com as mãos apoiadas sobre o livro-texto aberto, minha mente estava a quilômetros de distância. Parecia uma tarefa impossível se concentrar nos estudos para a prova quando apenas Duncan Delvecchio estava em meus pensamentos!As palavras impressas nas páginas eram apenas um borrão enquanto meus pensamentos vagavam para longe dali. Que droga, eu sentia falta daquele maldito. Olhei ao redor do quarto, analisando. A mudança que ele passava parecia refletir o que eu estava sentindo, as roupas jogadas no chão e a penteadeira onde ficavam minhas joias e aparelhos. Havia ainda uns ursos de pelúcia que eu não conseguia doar. Antes, as paredes eram um reflexo da minha adolescência, cobertas de pôsteres coloridos de bandas e filmes que eu adorava. Agora, estavam mais limpas, com alguns quadros de arte pendurados aqui e ali. A colcha da cama era nova, de uma cor sóbria que contrastava com o velho abajur cor-de-rosa que eu ainda mantinha no canto, um pequeno vestígio do
O ar frio daquela manhã era cortante, e o vapor que saía da minha boca a cada respiração parecia reforçar o gelo que se instalava dentro de mim. Estávamos na quadra coberta, fazendo o aquecimento para a aula de educação física, enquanto o vento frio zunia do lado de fora. Minhas pernas e braços se esticavam de forma quase mecânica, num movimento que eu fazia sem pensar, porque minha mente estava longe, presa nos últimos dias de incerteza.A quadra, apesar de coberta, deixava entrar pequenas rajadas de ar gelado pelas laterais, e o som dos tênis arranhando o chão ecoava junto às vozes de outros alunos que, em contraste, pareciam estar mergulhados nas atividades, totalmente desconectados dos dramas que eu carregava.Olhei para Ottavia, que se aquecia ao meu lado, esticando os braços sobre a cabeça, e finalmente decidi quebrar o silêncio.— Eu estava pensando em falar com a Bianca de novo... — minha voz saiu baixa, quase hesitante, como se eu já soubesse a resposta, mas quisesse confirma