Trancafiado na cela escura, Yasi não conseguia calcular a passagem do tempo, mas imaginava que a noite já passara. Haviam tirado sua túnica e o deixado apenas com a calça e a blusa de seda fina usadas como roupas de baixo; ele tremia de frio, abraçando as pernas e esfregando as mãos trêmulas para se manter aquecido. O frio o mantivera acordado, mas no pouco que dormira tivera inúmeros pesadelos.
Subitamente, a porta se abriu e ele viu que um destes pesadelos acabava de tornar-se real. O vizir apareceu, seguido por um de seus assistentes e dois carcereiros com barbas emaranhadas e expressões cruéis nas faces, trazendo archotes nas mãos.
Apoiando as mãos na parede, ele ergueu-se devagar e tentou manter um olhar altivo.
O vizir aproximou-se e estendeu-lhe um pergaminho. O homem ao lado dele tinha uma pena e um ti
Os portões da cidade ficavam fechados durante a noite em tempos de guerra. No entanto, com a ajuda de Youssef e algumas moedas, Aaron conseguira sair. Cavalgara durante parte da noite e chegara ao acampamento do exército castelhano antes da madrugada.Mais uma vez, encontrara-se diante do nobre deixado no comando, que fora acordado por ele às pressas. Outros cavaleiros e nobres com ares ainda sonolentos por terem sido convocados logo ao nascer do sol os haviam cercado. Gonzalo era um deles.– Córdoba está desguarnecida e fraca! – Aaron afirmara. – O exército dela não será páreo para o nosso. Desejava desesperadamente convencê-los, imaginando que uma batalha afastaria o vizir de seus planos.No entanto, Dom Rodrigo, o comandante, apenas o fitara como se estivesse louco.– Como
Em seu aposento do palacete, Yasi deitava-se na cama; seu rosto estava pálido e tinha o tronco enfaixado por compressas e faixas. Ao lado dele estava Ibn Hud e Rebeca, que lavavam as mãos em uma bacia e preparavam-se para sair após terem realizado os curativos nos fundos vergões em suas costas causados pelo açoite.Layla sentava-se na cama e segurava a mão dele.– Está doendo muito? – indagou, preocupada, passando a mão em seus cabelos e retirando as mechas que lhe cobriam o rosto.Ele meneou a cabeça, segurando um gemido e mentiu:– Não... – Depois, sentando-se, começou a se erguer.Rebeca pulou para o lado dele e segurou seu braço.– Para onde você vai? – Franziu a testa, aflita.
Aaron beijou mais uma vez os lábios de Layla, que ressonava, abraçada a ele após mais uma noite de amor. Devagar, ele desvencilhou-se dos braços dela e ergueu-se da cama.Caminhou pelo suntuoso quarto do palacete e foi até a ampla janela. Resmungou, passando a mão pela madeira entalhada com arranjos de flores; jamais se acostumaria com tanto luxo… Aparentemente, a fortuna do maldito lechuguino era incalculável e a nova casa em Granada era ainda maior e mais luxuosa do que a antiga.Abriu uma fresta da janela e contemplou a paisagem. Sobre a colina do outro lado de um vale estreito, o palácio de Alhambra dominava a vista com suas inúmeras construções, fortalezas, palácios e jardins. Por um momento, Aaron se deixou ficar ali, refletindo e
O sul da atual Espanha é conhecido como a região da Andaluzia, o Al- Andalus, como era chamada na época medieval, quando dominada pelos árabes e seus descendentes.Ao caminhar pelas cidades andaluzes é impossível não se impressionar com o legado deixado pelos povos islâmicos. A Grande Mesquita de Córdoba, o palácio de Alhambra em Granada, os inúmeros alcazares (palácios e fortalezas reais), a arquitetura das construções e dos palacetes medievais demonstram a riqueza e a vasta tradição cultural dos governantes árabes. A retomada da Andaluzia pelos reinos cristãos, chamada de Reconquista pelos historiadores, durou centenas de anos e alternou períodos de paz e de batalhas.
ANO 1225, Cazorla, Andaluzia. O sol ardia sobre os picos rochosos das montanhas, nas árvores das florestas e nas plantações de oliveiras que rodeavam Cazorla, uma vila em meio ao al- Andaluz, o sul da península ibérica.Cercada por muralhas, as casas brancas e ruas de pedras estendiam-se ao lado de uma vertente escarpada. Acima delas, as torres e muros altos de um castelo destacavam-se na paisagem montanhosa.Com tantas defesas, est
Ano 1235, Arredores de CórdobaDistante algumas milhas das muralhas de Córdoba, dois exércitos confrontavam-se em colinas opostas sob o sol quente da manhã de verão.Na fileira da frente do exército cristão, vestindo uma armadura que lhe cobria o peito e parte das pernas e uma túnica vermelha sobre ela, Aaron observava os cavaleiros árabes que ocupavam o outro lado do campo. Os inimigos montavam cavalos ágeis e erguiam as espadas em ameaça, berrando brados ululantes de guerra.Ao examiná-los, os olhos azuis escuros de Aaron tornaram-se ainda mais sombrios e o rosto coberto parcialmente por um capacete contorceu-se de ódio. Há dez anos, desde que deixara suas terras, ele vivia para a g
Duzentos anos atrás, Córdoba havia sido uma das principais cidades dos califados árabes do Ocidente e uma das mais populosas do mundo.A grande mesquita na região central transformara-se em um local de peregrinação; palácios e jardins dominavam as ruas. Um aqueduto trazia água limpa e abundante para os banhos públicos, fontes, cascatas e lagos artificiais que a enfeitavam. Grandes filósofos haviam morado nela, atraídos pela enorme biblioteca, orgulho de um povo que prezava o conhecimento, a ciência e as artes. Quando a paz reinava, nobres árabes e europeus de diferentes religiões eram educados em suas escolas.Após a morte do grande chanceler que a governava, a disputa pelo poder trouxera uma inevitável decadência. Intrigas intermin&aacut
Layla estava parada ao lado de Ibn Russud, o médico, e da filha dele, Rebeca, e os observava atentamente.O médico usava o quipá dos judeus na cabeça cobrindo parte dos cabelos grisalhos e vestia uma túnica longa e escura. A filha, uma jovem bonita de cabelos morenos e lisos presos em um penteado simples, também usava um vestido escuro e sem adornos.Ambos haviam ajoelhado ao lado do cavaleiro que permanecia desacordado com o rosto pálido e a respiração entrecortada, e após limparem o ferimento dele com uma poção, suturavam as bordas da ferida. Depois de um tempo Ibn Russud levantou-se, enquanto a filha terminava o curativo com mãos hábeis.– Muitas vezes,