Na maior tenda do acampamento, Dom Rodrigo, um homem alto, de barba cerrada, sobrancelhas grossas e expressão séria, sentava-se em uma cadeira, enquanto discutia os assuntos do dia com outros oficiais que o rodeavam.
– Imaginei que nunca mais o veria, – ele disse a Aaron, quando este se postou diante dele. – Alguns afirmam que você passou para o lado do inimigo e caminha por Córdoba na companhia deles. Se não o conhecesse bem, diria que nos traiu... – sugeriu.
Aaron estreitou os lábios e crispou a mão pousada no punho da espada em um reflexo de raiva.
– Apesar de prisioneiro, fui bem recebido por um nobre que segue as antigas regras da cavalaria e hospedou-me com cortesia – retrucou em tom exaltado. – Isto não é traição!
Ao notar a indignaç&ati
Os últimos raios de sol escondiam-se no horizonte, colorindo as nuvens de reflexos vermelhos e dourados, quando as muralhas da cidade surgiram no alto da colina.Mesmo durante a guerra, a região ao redor de Córdoba não era despovoada. Comerciantes iam e vinham, camponeses caminhavam pelos campos de volta para suas vilas, e os soldados da cidade espalhavam-se, alguns diante dos portões, outros sobre as muralhas.Ao ver os soldados árabes, Gonzalo puxou a rédeas e susteve seu cavalo.– Daqui em diante a estrada é segura. Prefiro retornar ao acampamento – resolveu-se.– Acompanharei Layla – Aaron avisou-o. – Os soldados me respeitarão ao verem que a escolto.O outro assentiu e virando-se para Layla fez-lhe uma breve reverência em despedida.
Muros altos protegiam o alcazar, assim como um enorme portão de ferro. Yasi os cruzou, cabisbaixo, tentando imaginar o motivo pelo qual havia sido levado até ali como se fosse um prisioneiro.Em silêncio, os soldados o conduziram através dos corredores estreitos e por fim entraram por uma porta que dava passagem para uma sala pequena e simples, com um banco comprido de madeira encostado à janela gradeada, uma mesa e cadeira em um canto, e paredes de pedra nua, sem ornamentos para enfeitá-la. Ainda não era uma cela, mas um local para entrevistas isolado.Os soldados o deixaram sozinho, trancando a porta ao saírem. Com um suspiro preocupado, ele sentou-se no banco e aguardou.Um tempo depois, a porta voltou a se abrir e o vizir entrou.Yasi se pôs de pé.O vizir o examinou em s
Trancafiado na cela escura, Yasi não conseguia calcular a passagem do tempo, mas imaginava que a noite já passara. Haviam tirado sua túnica e o deixado apenas com a calça e a blusa de seda fina usadas como roupas de baixo; ele tremia de frio, abraçando as pernas e esfregando as mãos trêmulas para se manter aquecido. O frio o mantivera acordado, mas no pouco que dormira tivera inúmeros pesadelos.Subitamente, a porta se abriu e ele viu que um destes pesadelos acabava de tornar-se real. O vizir apareceu, seguido por um de seus assistentes e dois carcereiros com barbas emaranhadas e expressões cruéis nas faces, trazendo archotes nas mãos.Apoiando as mãos na parede, ele ergueu-se devagar e tentou manter um olhar altivo.O vizir aproximou-se e estendeu-lhe um pergaminho. O homem ao lado dele tinha uma pena e um ti
Os portões da cidade ficavam fechados durante a noite em tempos de guerra. No entanto, com a ajuda de Youssef e algumas moedas, Aaron conseguira sair. Cavalgara durante parte da noite e chegara ao acampamento do exército castelhano antes da madrugada.Mais uma vez, encontrara-se diante do nobre deixado no comando, que fora acordado por ele às pressas. Outros cavaleiros e nobres com ares ainda sonolentos por terem sido convocados logo ao nascer do sol os haviam cercado. Gonzalo era um deles.– Córdoba está desguarnecida e fraca! – Aaron afirmara. – O exército dela não será páreo para o nosso. Desejava desesperadamente convencê-los, imaginando que uma batalha afastaria o vizir de seus planos.No entanto, Dom Rodrigo, o comandante, apenas o fitara como se estivesse louco.– Como
Em seu aposento do palacete, Yasi deitava-se na cama; seu rosto estava pálido e tinha o tronco enfaixado por compressas e faixas. Ao lado dele estava Ibn Hud e Rebeca, que lavavam as mãos em uma bacia e preparavam-se para sair após terem realizado os curativos nos fundos vergões em suas costas causados pelo açoite.Layla sentava-se na cama e segurava a mão dele.– Está doendo muito? – indagou, preocupada, passando a mão em seus cabelos e retirando as mechas que lhe cobriam o rosto.Ele meneou a cabeça, segurando um gemido e mentiu:– Não... – Depois, sentando-se, começou a se erguer.Rebeca pulou para o lado dele e segurou seu braço.– Para onde você vai? – Franziu a testa, aflita.
Aaron beijou mais uma vez os lábios de Layla, que ressonava, abraçada a ele após mais uma noite de amor. Devagar, ele desvencilhou-se dos braços dela e ergueu-se da cama.Caminhou pelo suntuoso quarto do palacete e foi até a ampla janela. Resmungou, passando a mão pela madeira entalhada com arranjos de flores; jamais se acostumaria com tanto luxo… Aparentemente, a fortuna do maldito lechuguino era incalculável e a nova casa em Granada era ainda maior e mais luxuosa do que a antiga.Abriu uma fresta da janela e contemplou a paisagem. Sobre a colina do outro lado de um vale estreito, o palácio de Alhambra dominava a vista com suas inúmeras construções, fortalezas, palácios e jardins. Por um momento, Aaron se deixou ficar ali, refletindo e
O sul da atual Espanha é conhecido como a região da Andaluzia, o Al- Andalus, como era chamada na época medieval, quando dominada pelos árabes e seus descendentes.Ao caminhar pelas cidades andaluzes é impossível não se impressionar com o legado deixado pelos povos islâmicos. A Grande Mesquita de Córdoba, o palácio de Alhambra em Granada, os inúmeros alcazares (palácios e fortalezas reais), a arquitetura das construções e dos palacetes medievais demonstram a riqueza e a vasta tradição cultural dos governantes árabes. A retomada da Andaluzia pelos reinos cristãos, chamada de Reconquista pelos historiadores, durou centenas de anos e alternou períodos de paz e de batalhas.
ANO 1225, Cazorla, Andaluzia. O sol ardia sobre os picos rochosos das montanhas, nas árvores das florestas e nas plantações de oliveiras que rodeavam Cazorla, uma vila em meio ao al- Andaluz, o sul da península ibérica.Cercada por muralhas, as casas brancas e ruas de pedras estendiam-se ao lado de uma vertente escarpada. Acima delas, as torres e muros altos de um castelo destacavam-se na paisagem montanhosa.Com tantas defesas, est