Algumas milhas além de Córdoba, entre as colinas e prados de grama alta, tendas, fogueiras e uma aglomeração de cavalos e homens armados formavam o acampamento do exército.
Os mercenários os haviam acompanhado até perto e depois retornado pela estrada, provavelmente esperando alguns passantes incautos que pudessem assaltar ou molestar.
Não eram mais do que bandidos, Aaron pensava, com o cenho cerrado aos vê-los darem às costas e afastarem-se. A antiga fúria ardeu em seu peito, e ele percebeu que já não odiava mais indiscriminadamente como antes. O ódio o iludira e o fizera considerar todos os árabes como inimigos, mas agora sabia ser isso uma mentira. Árabes ou castelhanos, não importava. Homens sem honra de ambos os lados viviam apenas em causa própria em busca de prazer e dinheiro.
Na maior tenda do acampamento, Dom Rodrigo, um homem alto, de barba cerrada, sobrancelhas grossas e expressão séria, sentava-se em uma cadeira, enquanto discutia os assuntos do dia com outros oficiais que o rodeavam.– Imaginei que nunca mais o veria, – ele disse a Aaron, quando este se postou diante dele. – Alguns afirmam que você passou para o lado do inimigo e caminha por Córdoba na companhia deles. Se não o conhecesse bem, diria que nos traiu... – sugeriu.Aaron estreitou os lábios e crispou a mão pousada no punho da espada em um reflexo de raiva.– Apesar de prisioneiro, fui bem recebido por um nobre que segue as antigas regras da cavalaria e hospedou-me com cortesia – retrucou em tom exaltado. – Isto não é traição!Ao notar a indignaç&ati
Os últimos raios de sol escondiam-se no horizonte, colorindo as nuvens de reflexos vermelhos e dourados, quando as muralhas da cidade surgiram no alto da colina.Mesmo durante a guerra, a região ao redor de Córdoba não era despovoada. Comerciantes iam e vinham, camponeses caminhavam pelos campos de volta para suas vilas, e os soldados da cidade espalhavam-se, alguns diante dos portões, outros sobre as muralhas.Ao ver os soldados árabes, Gonzalo puxou a rédeas e susteve seu cavalo.– Daqui em diante a estrada é segura. Prefiro retornar ao acampamento – resolveu-se.– Acompanharei Layla – Aaron avisou-o. – Os soldados me respeitarão ao verem que a escolto.O outro assentiu e virando-se para Layla fez-lhe uma breve reverência em despedida.
Muros altos protegiam o alcazar, assim como um enorme portão de ferro. Yasi os cruzou, cabisbaixo, tentando imaginar o motivo pelo qual havia sido levado até ali como se fosse um prisioneiro.Em silêncio, os soldados o conduziram através dos corredores estreitos e por fim entraram por uma porta que dava passagem para uma sala pequena e simples, com um banco comprido de madeira encostado à janela gradeada, uma mesa e cadeira em um canto, e paredes de pedra nua, sem ornamentos para enfeitá-la. Ainda não era uma cela, mas um local para entrevistas isolado.Os soldados o deixaram sozinho, trancando a porta ao saírem. Com um suspiro preocupado, ele sentou-se no banco e aguardou.Um tempo depois, a porta voltou a se abrir e o vizir entrou.Yasi se pôs de pé.O vizir o examinou em s
Trancafiado na cela escura, Yasi não conseguia calcular a passagem do tempo, mas imaginava que a noite já passara. Haviam tirado sua túnica e o deixado apenas com a calça e a blusa de seda fina usadas como roupas de baixo; ele tremia de frio, abraçando as pernas e esfregando as mãos trêmulas para se manter aquecido. O frio o mantivera acordado, mas no pouco que dormira tivera inúmeros pesadelos.Subitamente, a porta se abriu e ele viu que um destes pesadelos acabava de tornar-se real. O vizir apareceu, seguido por um de seus assistentes e dois carcereiros com barbas emaranhadas e expressões cruéis nas faces, trazendo archotes nas mãos.Apoiando as mãos na parede, ele ergueu-se devagar e tentou manter um olhar altivo.O vizir aproximou-se e estendeu-lhe um pergaminho. O homem ao lado dele tinha uma pena e um ti
Os portões da cidade ficavam fechados durante a noite em tempos de guerra. No entanto, com a ajuda de Youssef e algumas moedas, Aaron conseguira sair. Cavalgara durante parte da noite e chegara ao acampamento do exército castelhano antes da madrugada.Mais uma vez, encontrara-se diante do nobre deixado no comando, que fora acordado por ele às pressas. Outros cavaleiros e nobres com ares ainda sonolentos por terem sido convocados logo ao nascer do sol os haviam cercado. Gonzalo era um deles.– Córdoba está desguarnecida e fraca! – Aaron afirmara. – O exército dela não será páreo para o nosso. Desejava desesperadamente convencê-los, imaginando que uma batalha afastaria o vizir de seus planos.No entanto, Dom Rodrigo, o comandante, apenas o fitara como se estivesse louco.– Como
Em seu aposento do palacete, Yasi deitava-se na cama; seu rosto estava pálido e tinha o tronco enfaixado por compressas e faixas. Ao lado dele estava Ibn Hud e Rebeca, que lavavam as mãos em uma bacia e preparavam-se para sair após terem realizado os curativos nos fundos vergões em suas costas causados pelo açoite.Layla sentava-se na cama e segurava a mão dele.– Está doendo muito? – indagou, preocupada, passando a mão em seus cabelos e retirando as mechas que lhe cobriam o rosto.Ele meneou a cabeça, segurando um gemido e mentiu:– Não... – Depois, sentando-se, começou a se erguer.Rebeca pulou para o lado dele e segurou seu braço.– Para onde você vai? – Franziu a testa, aflita.
Aaron beijou mais uma vez os lábios de Layla, que ressonava, abraçada a ele após mais uma noite de amor. Devagar, ele desvencilhou-se dos braços dela e ergueu-se da cama.Caminhou pelo suntuoso quarto do palacete e foi até a ampla janela. Resmungou, passando a mão pela madeira entalhada com arranjos de flores; jamais se acostumaria com tanto luxo… Aparentemente, a fortuna do maldito lechuguino era incalculável e a nova casa em Granada era ainda maior e mais luxuosa do que a antiga.Abriu uma fresta da janela e contemplou a paisagem. Sobre a colina do outro lado de um vale estreito, o palácio de Alhambra dominava a vista com suas inúmeras construções, fortalezas, palácios e jardins. Por um momento, Aaron se deixou ficar ali, refletindo e
O sul da atual Espanha é conhecido como a região da Andaluzia, o Al- Andalus, como era chamada na época medieval, quando dominada pelos árabes e seus descendentes.Ao caminhar pelas cidades andaluzes é impossível não se impressionar com o legado deixado pelos povos islâmicos. A Grande Mesquita de Córdoba, o palácio de Alhambra em Granada, os inúmeros alcazares (palácios e fortalezas reais), a arquitetura das construções e dos palacetes medievais demonstram a riqueza e a vasta tradição cultural dos governantes árabes. A retomada da Andaluzia pelos reinos cristãos, chamada de Reconquista pelos historiadores, durou centenas de anos e alternou períodos de paz e de batalhas.