A manhã chegou à mansão Draven como uma lâmina fria, cortando o silêncio com luz pálida que mal conseguia atravessar as grossas cortinas do quarto de Selene. Ela acordou com a mente pesada, como se não tivesse dormido. Os ecos da noite anterior ainda vibravam em sua memória: a voz de Damian, a intensidade de seu olhar no retrato, e a promessa que ele sussurrou.
Selene sabia que estava sendo puxada para algo que não compreendia, mas havia uma parte de si que não queria resistir. Apesar de toda a lógica lhe dizendo para ir embora, sua curiosidade — e algo mais profundo — a mantinha presa ali. Ela desceu as escadas, seguindo o som de passos ecoando no hall principal. Lucien estava lá, organizando alguns papéis sobre uma mesa de madeira maciça. Ele olhou para ela com um misto de preocupação e desaprovação. — Não parece ter dormido bem — comentou ele, sem tirar os olhos do que fazia. Selene parou no pé da escada, cruzando os braços. — Não dormi. É difícil descansar quando... — Ela hesitou, tentando encontrar as palavras certas. — Quando algo está sempre me observando. Lucien levantou o olhar, sua expressão ficando mais séria. — Você foi ao estúdio novamente, não foi? Ela não respondeu, o que foi suficiente para ele entender. Lucien suspirou, largando os papéis. — Selene, você precisa entender que Damian não é um espírito comum. Ele é manipulador, persuasivo. Ele se alimenta de suas dúvidas, de seus desejos mais ocultos. — E o que você sugere que eu faça? Simplesmente ignore isso? — Selene retrucou, a frustração em sua voz. — Algo está acontecendo comigo, Lucien, e eu não posso fingir que não está. Lucien a observou por um momento, seus olhos carregados de um peso que ela não conseguia interpretar. — Talvez seja tarde demais para impedir. — Impedir o quê? Ele hesitou, mas antes que pudesse responder, um estrondo ecoou pela casa. Era o som de uma porta batendo com força, seguido por um silêncio opressivo. Selene olhou para Lucien, que parecia imediatamente tenso. — O que foi isso? — perguntou ela. — Algo que não deveria estar acontecendo — respondeu ele, pegando um candelabro como se fosse uma arma. Eles seguiram o som até o corredor que levava ao estúdio. A porta do cômodo estava escancarada, e o ar ali dentro era diferente, mais pesado, quase sufocante. — Não entre — disse Lucien, colocando a mão no braço de Selene. Mas ela já estava entrando. Algo a puxava, uma força invisível e irresistível. No centro do estúdio, o retrato de Damian parecia mais vivo do que nunca. A luz da manhã que atravessava as janelas iluminava seu rosto de uma maneira quase sobrenatural. Selene sentiu o olhar de Damian sobre ela, como uma carícia que tocava sua alma. Sua voz ecoou em sua mente, suave e sedutora: — Você voltou. Ela estremeceu, mas não recuou. — Por que está fazendo isso? — perguntou em voz alta. Lucien entrou logo atrás dela, seus olhos fixos no retrato. — Ele está tentando quebrar o véu que o mantém preso — explicou Lucien. — Cada vez que você interage com ele, dá a ele mais força. Selene virou-se para Lucien, confusa e irritada. — Então o que você quer que eu faça? Finja que nada está acontecendo? — Quero que lute contra isso. Contra ele. Damian riu, uma risada baixa e vibrante que ecoou pela sala. — Lutar contra mim? — Sua voz parecia gotejar ironia. — Você sabe que isso é impossível, Selene. Você sente o que eu sinto. Nós estamos conectados. Lucien deu um passo à frente, como se quisesse proteger Selene. — Não escute ele, Selene. Ele vai dizer qualquer coisa para manipulá-la. Damian sorriu, seus olhos no retrato parecendo se fixar em Lucien agora. — Ah, Lucien... Sempre tão protetor. Mas você sabe, no fundo, que não pode me deter. Não pode impedi-la de me escolher. Selene olhou de um para o outro, sentindo-se presa entre duas forças opostas. — Escolher você? O que isso significa? — perguntou ela, olhando para o retrato. Damian inclinou levemente a cabeça, o movimento quase imperceptível. — Significa aceitar o que somos. Aceitar que fomos feitos um para o outro. Eu posso lhe dar o que você sempre desejou, Selene. Verdade, poder, paixão. Lucien avançou, a voz cheia de urgência. — Não caia nas mentiras dele. Ele não quer você. Ele quer usar você. Damian riu novamente, a voz como um sussurro sombrio que parecia envolver a sala inteira. — É isso que você pensa, Lucien? Que eu não a desejo? — Ele olhou novamente para Selene, sua voz suavizando. — Eu a quero, Selene. Mais do que você pode imaginar. Selene sentiu uma onda de calor percorrer seu corpo. Era como se as palavras de Damian tivessem um peso físico, um poder que ela não conseguia ignorar. — Pare com isso — sussurrou ela, pressionando as mãos contra as têmporas, como se pudesse bloquear a voz dele. Lucien puxou Selene pelo braço, tentando tirá-la do estúdio. — Vamos sair daqui. Agora. Mas, antes que pudessem se mover, a porta do estúdio fechou-se com um estrondo. A sala escureceu, e a atmosfera tornou-se quase insuportável. — Vocês não vão a lugar nenhum — disse Damian, sua voz agora mais grave, mais ameaçadora. O retrato parecia vibrar, e Selene sentiu como se algo estivesse sendo puxado dela, uma parte de sua energia sendo drenada. Lucien murmurou algo, uma oração ou um encantamento, e a pressão no ar diminuiu. Ele puxou Selene com força, abrindo a porta e levando-a para fora. Quando estavam de volta ao corredor, Selene virou-se para ele, ofegante. — O que foi isso? Lucien olhou para ela, o rosto pálido. — Foi uma demonstração do que ele é capaz. E se você não parar de interagir com ele, vai piorar. Selene sentiu um nó se formar em seu estômago. Ela queria acreditar que poderia simplesmente ignorar Damian, mas sabia, no fundo, que isso seria impossível. Damian não era apenas uma presença na mansão. Ele era uma presença dentro dela.A tensão na mansão Draven pairava como uma tempestade iminente. Depois do confronto no estúdio, Selene tentou se afastar, mas a presença de Damian parecia impregnar cada canto da casa e, pior, sua mente.Naquela manhã, sentada no jardim, Selene sentiu o sol tocando sua pele como um conforto distante. A mansão estava em silêncio, mas o silêncio era enganador. Lucien mal falava com ela desde a noite anterior, como se as palavras que ele realmente quisesse dizer estivessem presas em sua garganta.Ela segurava um caderno de desenhos no colo, tentando esboçar para acalmar os pensamentos. Seus traços começavam como rabiscos confusos, mas logo, quase sem perceber, ela desenhava os olhos de Damian. A intensidade de seu olhar, o magnetismo que a puxava para ele.“Eu preciso sair daqui.”Mas mesmo enquanto pensava nisso, ela sabia que era tarde demais. Damian a havia enredado, e fugir não seria tão simples.— Tentando desenhá-lo de novo?A voz de Lucien quebrou o silêncio. Ele estava parado a p
A mansão Draven parecia ainda mais silenciosa na manhã seguinte, mas o silêncio era uma armadilha. Selene sentia como se o lugar estivesse segurando a respiração, esperando que ela agisse. A voz de Damian ainda ecoava em sua mente, suas palavras tingidas de sedução e ameaça: "Você não pode fugir de mim."Selene estava na cozinha, tentando comer algo, mas o simples ato parecia inútil. Seu apetite havia desaparecido, substituído por uma inquietação que crescia a cada minuto. Lucien entrou no cômodo, trazendo consigo a mesma tensão que havia pairado entre eles desde a noite anterior.— Não vai dizer nada? — ela perguntou, olhando para ele.Lucien hesitou, os olhos carregados de preocupação.— Não sei mais o que dizer, Selene. Parece que cada vez que tento te proteger, você se aproxima mais dele.— Não é como se eu tivesse escolha! — explodiu ela. — Você acha que eu quero isso? Ele está dentro da minha mente, Lucien! Ele me puxa como... como se eu fosse uma peça em um jogo que nem sei com
O silêncio da madrugada era denso, carregado de promessas sombrias e segredos por revelar. Selene estava sentada no parapeito da janela de seu quarto, olhando para o jardim da mansão. Os acontecimentos das últimas horas rodopiavam em sua mente, como um redemoinho impossível de ignorar.Damian. Lucien. Ela mesma.Era como se todas as peças de sua vida tivessem sido rearranjadas sem seu consentimento, formando um quebra-cabeça que ela não sabia como montar. O que era ela, afinal? Uma marionete de Damian? Uma vítima? Ou algo mais?Lucien bateu levemente na porta antes de entrar, sem esperar por uma resposta. Ele carregava um pequeno baú de madeira, suas feições sérias.— Não consegui dormir — disse ele, como se justificasse sua presença.Selene olhou para ele, exausta.— Eu também não.Lucien colocou o baú sobre a mesa e se aproximou dela, puxando uma cadeira.— Chegou a hora de você saber mais, Selene. Sobre Damian, sobre mim... e sobre você.Ela ergueu as sobrancelhas, cruzando os braç
A luz da manhã mal havia tocado a mansão quando Selene desceu para a biblioteca. A noite fora longa, e o peso das revelações ainda pairava sobre ela. O diário de Lilith estava em suas mãos, as páginas desbotadas marcadas por palavras que prometiam tanto esperança quanto condenação.Lucien já estava lá, cercado por pilhas de livros antigos e símbolos desenhados à mão em folhas espalhadas pela mesa. Ele parecia exausto, mas determinado.— Encontrou algo? — Selene perguntou, sua voz baixa no silêncio cavernoso do lugar.Ele levantou o olhar, passando a mão pelos cabelos desgrenhados.— Confirmei o que o diário disse. O ritual pode prendê-lo novamente, mas há complicações.— Claro que há — murmurou ela, sentando-se ao lado dele.Lucien pegou uma das páginas amareladas e colocou-a diante dela.— O ritual exige duas coisas essenciais. Primeiro, a conexão de sangue. Como descendente de Lilith, você é a única capaz de canalizar o poder necessário para trancá-lo de volta.Selene sentiu um frio
O cheiro de tinta e verniz impregnava o ar, misturando-se ao som suave das cerdas de um pincel deslizando sobre a tela. Selene inclinava-se sobre sua última peça, uma paisagem bucólica do século XIX, enquanto ajustava os detalhes de uma árvore. A perfeição em cada folha era mais do que um reflexo de seu talento; era a sua obsessão. Arte era o único lugar onde ela se sentia verdadeiramente viva.O mundo real, com suas expectativas sufocantes e compromissos vazios, parecia distante quando estava em seu estúdio. Ali, entre os quadros antigos e o brilho fraco de lâmpadas amareladas, ela se refugiava. Até que o telefone tocou, interrompendo sua concentração.— Selene Grey, restauradora — atendeu, a voz prática, porém carregada de cansaço.Do outro lado, uma voz grave e pausada respondeu.— Senhorita Grey, meu nome é Lucien Draven. Tenho um trabalho que pode lhe interessar.Selene apertou os olhos. Ela já havia lidado com todos os tipos de colecionadores: desde os excêntricos obcecados por
A madrugada em Blackthorn tinha um peso peculiar. As horas pareciam se arrastar, enquanto o silêncio preenchia os espaços como uma presença quase física. Selene passou a noite inquieta, virando-se na cama, os olhos fixos no teto, tentando ignorar o frio que parecia se infiltrar pelas paredes do quarto.Apesar do conforto da cama, havia algo naquela mansão que não permitia o descanso. Quando o primeiro feixe de luz atravessou as pesadas cortinas, ela desistiu de lutar contra o sono ausente. Levantou-se e vestiu uma roupa simples, amarrando os cabelos em um coque para iniciar o trabalho.Lucien já a aguardava no estúdio. Ele estava junto à lareira, uma taça de vinho em mãos, como se a madrugada também não lhe trouxesse paz.— Bom dia, senhorita Grey. Dormiu bem? — Ele sorriu, mas sua voz carregava uma nota de ironia.— Dormir nunca foi meu forte — respondeu, mantendo o tom profissional.Lucien inclinou levemente a cabeça, os olhos avaliando-a de forma quase imperceptível.— Entendo. O r
A manhã seguinte chegou com uma neblina densa que envolvia a mansão Draven. O mundo lá fora parecia inexistente, perdido entre o véu cinzento. Selene desceu até o estúdio, tentando afastar os ecos do sonho perturbador da noite anterior. Ela se repetia que era apenas sua mente pregando peças, fruto de cansaço e do ambiente estranho.No entanto, quando abriu a porta do estúdio, algo a fez parar. O retrato parecia mais vibrante, como se alguma cor nova tivesse surgido durante a noite. Era impossível. Ela tinha guardado todos os seus materiais no dia anterior.Selene aproximou-se devagar. O olhar de Damian no retrato parecia mais vivo, mais intenso. Ela sentiu como se aqueles olhos estivessem conscientes de sua presença.Respirando fundo, afastou os pensamentos irracionais. Era apenas sua imaginação, disse a si mesma. Com movimentos automáticos, montou seu equipamento de trabalho e começou a limpeza meticulosa de uma das áreas mais delicadas da pintura.Enquanto trabalhava, uma sensação d
A noite caiu com rapidez sobre a mansão Draven, envolvendo o local em uma escuridão que parecia viva. Selene permaneceu em seu quarto, o corpo tenso e a mente repleta de perguntas. Não conseguia ignorar o que Lucien havia dito: "Damian escolheu você."Escolhida para quê? E por que ela sentia que algo dentro dela, uma parte que não compreendia, já sabia a resposta?Ela tentou distrair-se, caminhando pelo quarto, analisando as mobílias antigas e os detalhes ornamentados do ambiente. Havia uma grande janela que dava para os jardins envoltos na penumbra. Do lado de fora, o vento soprava entre as árvores, produzindo sons que pareciam sussurros distantes.Sentando-se na beira da cama, Selene respirou fundo, tentando acalmar sua mente. A lógica dizia para ir embora, abandonar o retrato e a mansão. No entanto, algo a mantinha ali, um fio invisível que a prendia cada vez mais.Decidida a descobrir a verdade, pegou um casaco e saiu do quarto. Sabia que não conseguiria dormir. Sua curiosidade er