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Capítulo 2: Ecos no Silêncio

A madrugada em Blackthorn tinha um peso peculiar. As horas pareciam se arrastar, enquanto o silêncio preenchia os espaços como uma presença quase física. Selene passou a noite inquieta, virando-se na cama, os olhos fixos no teto, tentando ignorar o frio que parecia se infiltrar pelas paredes do quarto.

Apesar do conforto da cama, havia algo naquela mansão que não permitia o descanso. Quando o primeiro feixe de luz atravessou as pesadas cortinas, ela desistiu de lutar contra o sono ausente. Levantou-se e vestiu uma roupa simples, amarrando os cabelos em um coque para iniciar o trabalho.

Lucien já a aguardava no estúdio. Ele estava junto à lareira, uma taça de vinho em mãos, como se a madrugada também não lhe trouxesse paz.

— Bom dia, senhorita Grey. Dormiu bem? — Ele sorriu, mas sua voz carregava uma nota de ironia.

— Dormir nunca foi meu forte — respondeu, mantendo o tom profissional.

Lucien inclinou levemente a cabeça, os olhos avaliando-a de forma quase imperceptível.

— Entendo. O retrato está à sua espera.

Sem dizer mais, ele deixou a sala, os passos ecoando suavemente pelo corredor. Selene soltou um suspiro de alívio ao ficar sozinha. Algo nele a desestabilizava — não apenas sua presença magnética, mas também a sensação constante de que ele sabia mais do que dizia.

Ela se aproximou do retrato, que agora estava apoiado em um cavalete robusto. A luz da manhã realçava os detalhes desbotados e as imperfeições na tinta. Apesar do desgaste, a figura no quadro parecia irradiar uma intensidade que não fazia sentido.

Selene começou o trabalho com gestos cuidadosos, inspecionando cada centímetro da superfície. Usava uma lupa para observar as rachaduras da tinta e o estado do verniz. A cada toque de sua espátula, pequenas partículas se desprendiam, revelando camadas de cor antes ocultas.

Mas, enquanto trabalhava, uma sensação estranha começou a tomar conta dela. Era como se o ambiente ao seu redor estivesse mais frio do que o normal. Os pelos em sua nuca se arrepiaram, e ela sentiu a necessidade de olhar por cima do ombro, como se algo estivesse observando-a.

— Não seja ridícula, Selene — murmurou para si mesma, voltando a se concentrar.

Horas se passaram, e Selene mal percebeu o tempo escoar. O retrato começava a ganhar nova vida sob seus esforços. No entanto, algo peculiar chamou sua atenção: havia uma marca quase imperceptível no canto inferior direito, oculta sob camadas de tinta.

Curiosa, ela usou uma solução delicada para remover a sujeira acumulada e revelou uma inscrição: “Damianus Draven - 1647”.

A assinatura era elegante, mas o que realmente chamou sua atenção foi a sensação que percorreu seu corpo ao lê-la. Era como se alguém tivesse sussurrado aquele nome diretamente em seu ouvido.

Selene afastou-se, respirando fundo. Estava sozinha, mas a atmosfera do estúdio parecia vibrar de forma inquietante.

Ela decidiu fazer uma pausa. Ao sair do estúdio, encontrou Lucien no corredor. Ele parecia estar esperando por ela.

— Algum progresso? — perguntou, com um sorriso que não chegava aos olhos.

— Sim. Seu ancestral deixou uma assinatura bastante intrigante.

Lucien ergueu uma sobrancelha.

— Ah, sim. Damian sempre foi... excêntrico.

— Ele era o pintor? — Selene perguntou, surpresa.

— Não exatamente. Damian tinha uma relação única com artistas. Digamos que ele inspirava... obsessões.

Selene franziu o cenho. Havia algo profundamente enigmático na forma como Lucien falava de seu ancestral.

— Você parece saber muito sobre ele.

— Conhecimento é uma herança valiosa na família Draven. E Damian é uma figura que exige atenção especial.

O olhar de Lucien era penetrante, mas Selene recusou-se a se intimidar.

— Bem, eu espero que esse conhecimento inclua histórias menos vagas. Gostaria de saber mais sobre ele.

Lucien inclinou-se ligeiramente para ela, a sombra de um sorriso dançando em seus lábios.

— Talvez outra hora, senhorita Grey.

Ele se afastou, desaparecendo pelo corredor, deixando Selene com mais perguntas do que respostas.

De volta ao estúdio, Selene mergulhou no trabalho com renovada determinação. A presença do retrato era inegavelmente fascinante, mas também inquietante. Ela não podia negar que havia algo quase sobrenatural naquela pintura.

No fim da tarde, quando o sol se pôs, ela decidiu acender uma das velas antigas que estavam em um candelabro próximo. A luz oscilante dançava sobre a superfície do quadro, dando vida às sombras.

E então, aconteceu.

Um som suave, como um suspiro, preencheu a sala. Selene congelou, segurando o pincel com força. Virou-se rapidamente, mas não viu nada.

— Deve ser o vento — sussurrou, embora as janelas estivessem fechadas.

Mas, ao voltar o olhar para o retrato, teve a impressão de que algo havia mudado. Os olhos de Damian pareciam ainda mais intensos, quase acusadores.

Ela piscou, sacudindo a cabeça. Estava cansada, isso era tudo.

Mesmo assim, guardou seus materiais e decidiu encerrar o trabalho por aquele dia. Mas quando estava prestes a sair da sala, algo chamou sua atenção novamente.

Uma sombra, fugaz e indistinta, parecia mover-se na periferia de sua visão.

Selene se virou de imediato, mas encontrou apenas o vazio.

— Chega. Preciso dormir.

Caminhou rapidamente pelos corredores, tentando afastar o desconforto que crescia dentro dela.

No entanto, naquela noite, os sonhos vieram. E neles, Damian estava vivo.

Ela o viu em um salão iluminado por velas, vestindo roupas antigas, mas seus olhos eram os mesmos: profundos, hipnotizantes. Ele a observava de longe, mas ela sentia como se estivesse presa sob seu olhar.

Quando acordou, o coração batendo descontrolado, sentiu que algo havia mudado dentro dela.

O retrato não era apenas uma obra de arte. Era uma janela para algo muito maior.

E Selene tinha certeza de que, ao aceitar restaurá-lo, havia cruzado um limiar que jamais poderia desfazer.

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