A madrugada encontrou Selene ainda acordada, sentada na cama de seu quarto. Apesar das cortinas fechadas, a luz pálida da lua entrava em filetes, criando sombras alongadas no chão. Seus pensamentos giravam em círculos, tentando decifrar o que havia acontecido no estúdio.
Damian Draven. Um nome que agora parecia carregar um peso próprio, impregnando o ar à sua volta. Selene não podia negar o fascínio que sentia por ele, mesmo sabendo que aquilo era perigoso. A mansão Draven parecia estar se transformando em uma extensão de sua presença, viva com sua energia. Sem conseguir mais suportar a inquietação, levantou-se. Se havia algo que ela aprendera sobre si mesma, era que não conseguia ignorar um mistério. Os corredores da mansão estavam mergulhados em escuridão. Selene carregava uma pequena lanterna, cujos feixes fracos mal conseguiam iluminar o caminho. Cada passo que dava parecia ecoar, reverberando nas paredes como se a casa estivesse escutando. Seu destino era a biblioteca. Se havia algo mais sobre Damian, ou mesmo sobre a história da família Draven, seria encontrado ali. Ao entrar no ambiente, a familiar opulência das estantes lotadas e o cheiro de couro envelhecido a envolveram. Ela fechou a porta atrás de si, como se precisasse criar uma barreira entre aquele espaço e o resto da mansão. A mesa central estava coberta de livros e papéis, muitos deles com uma caligrafia antiga. Selene começou a vasculhar, procurando qualquer menção ao retrato ou às práticas obscuras que Lucien havia insinuado. Demorou até encontrar algo relevante. Em um livro de capa de couro preto, havia um capítulo inteiro dedicado a Damian. O texto era um misto de relatos históricos e rumores. "Damian Draven, conhecido por sua beleza e carisma, foi também um homem obcecado pelo desconhecido. Registros sugerem que ele praticava rituais antigos, buscando poder e imortalidade. Muitos acreditavam que sua sede de domínio ultrapassava os limites humanos, levando-o a realizar pactos com forças que poucos ousavam sequer nomear." Selene sentiu o estômago revirar. Continuou lendo: "No entanto, o preço de seus desejos foi alto. Diz-se que Damian aprisionou parte de sua alma em um retrato pintado por um artista anônimo, um meio de permanecer ligado ao mundo mortal. Desde sua morte misteriosa, histórias de acontecimentos estranhos e inexplicáveis cercam o quadro. Aqueles que tentaram destruí-lo... desapareceram." O sangue de Selene gelou. — Ele aprisionou sua alma... — sussurrou para si mesma. Era como Lucien havia dito. Damian não era apenas uma lembrança do passado, mas uma força ativa, presa entre dois mundos. Antes que pudesse continuar, o som de passos interrompeu seus pensamentos. Selene apagou rapidamente a lanterna e se escondeu atrás de uma das estantes. A porta da biblioteca abriu-se com um ranger baixo, e ela ouviu alguém entrar. Pela fresta entre os livros, viu Lucien. Ele parecia estar carregando algo, um candelabro que iluminava seu rosto com sombras dançantes. Lucien caminhou até a mesa e começou a vasculhar os papéis, como se estivesse procurando algo específico. Selene ficou imóvel, tentando não fazer barulho. — Eu sei que está aí — disse ele de repente, sem nem olhar em sua direção. O coração de Selene disparou. Relutante, ela saiu de seu esconderijo. — O que está fazendo aqui? — perguntou Lucien, a voz baixa, mas carregada de um tom severo. — Eu poderia perguntar o mesmo — retrucou ela, cruzando os braços. Lucien suspirou, parecendo cansado. — Eu sabia que você iria atrás de respostas. — E há algo errado nisso? — Selene desafiou. — Você claramente está escondendo coisas de mim. — Porque há verdades que você não está pronta para ouvir — respondeu ele, os olhos estreitando-se. Selene sentiu a raiva borbulhar. — Tarde demais para isso, Lucien. Eu já sei sobre Damian e o retrato. E sei que ele está tentando se comunicar comigo. Lucien ficou em silêncio por um momento, o candelabro tremendo levemente em sua mão. — Ele não está apenas tentando se comunicar, Selene. Ele está tentando atraí-la. — Por quê? — Porque você é a chave para libertá-lo. O peso das palavras dele a atingiu como um golpe. — Libertá-lo? Como? Lucien colocou o candelabro sobre a mesa e aproximou-se dela, os olhos cheios de preocupação. — Damian precisa de alguém com uma conexão especial com o véu entre este mundo e o próximo. Você, Selene, tem essa conexão. Por isso ele escolheu você. Selene balançou a cabeça, recuando. — Isso é loucura. Eu não acredito nessas coisas. — Não importa se acredita ou não — respondeu Lucien. — Ele acredita. O silêncio caiu sobre eles, pesado e opressor. Selene sentiu-se sufocada pela magnitude da situação. — E se eu me recusar? — perguntou finalmente, a voz baixa. Lucien hesitou antes de responder. — Então ele fará de tudo para convencê-la. Damian é implacável quando deseja algo. Naquela noite, Selene voltou ao seu quarto, mas não conseguiu dormir. Cada vez que fechava os olhos, sentia os de Damian sobre ela, observando, esperando. Por volta das três da manhã, algo a despertou. Um som baixo, como se alguém estivesse sussurrando. — Selene... Ela sentou-se na cama, o coração disparado. — Quem está aí? O quarto estava vazio, mas a voz continuou, agora mais clara. — Venha até mim. Selene sentiu-se tomada por uma força que não conseguia compreender. Era como se algo dentro dela estivesse respondendo ao chamado. Ela levantou-se e saiu do quarto, os pés movendo-se quase automaticamente. Sem perceber, encontrou-se novamente no estúdio. O retrato de Damian parecia ainda mais vibrante sob a luz fraca da lua que entrava pelas janelas. — Estou aqui — disse ela, a voz tremendo. O silêncio respondeu por um momento antes que a voz voltasse, agora soando diretamente em sua mente. — Você sente, não sente? A conexão entre nós. Selene aproximou-se do quadro, os olhos fixos nos de Damian. — O que você quer de mim? — Liberdade. Mas também... você. As palavras dele ressoaram nela de uma forma que era tão perturbadora quanto intoxicante. — Eu não posso confiar em você. O sorriso no retrato pareceu se ampliar. — Talvez não. Mas você não pode negar o que sente. Selene sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele estava certo. Apesar do medo, havia algo irresistível em Damian, uma atração que ela não conseguia explicar. — E se eu concordar em ajudá-lo? — perguntou, hesitante. — Então, Selene, eu lhe darei tudo o que você deseja. Poder. Paixão. E a verdade sobre quem você realmente é. A promessa pairou no ar, tentadora como uma doce melodia. Selene sabia que estava se aproximando de um limite perigoso. Mas, ao olhar para o retrato, algo dentro dela sussurrou que talvez fosse um limite que ela estava destinada a cruzar.O cheiro de tinta e verniz impregnava o ar, misturando-se ao som suave das cerdas de um pincel deslizando sobre a tela. Selene inclinava-se sobre sua última peça, uma paisagem bucólica do século XIX, enquanto ajustava os detalhes de uma árvore. A perfeição em cada folha era mais do que um reflexo de seu talento; era a sua obsessão. Arte era o único lugar onde ela se sentia verdadeiramente viva.O mundo real, com suas expectativas sufocantes e compromissos vazios, parecia distante quando estava em seu estúdio. Ali, entre os quadros antigos e o brilho fraco de lâmpadas amareladas, ela se refugiava. Até que o telefone tocou, interrompendo sua concentração.— Selene Grey, restauradora — atendeu, a voz prática, porém carregada de cansaço.Do outro lado, uma voz grave e pausada respondeu.— Senhorita Grey, meu nome é Lucien Draven. Tenho um trabalho que pode lhe interessar.Selene apertou os olhos. Ela já havia lidado com todos os tipos de colecionadores: desde os excêntricos obcecados por
A madrugada em Blackthorn tinha um peso peculiar. As horas pareciam se arrastar, enquanto o silêncio preenchia os espaços como uma presença quase física. Selene passou a noite inquieta, virando-se na cama, os olhos fixos no teto, tentando ignorar o frio que parecia se infiltrar pelas paredes do quarto.Apesar do conforto da cama, havia algo naquela mansão que não permitia o descanso. Quando o primeiro feixe de luz atravessou as pesadas cortinas, ela desistiu de lutar contra o sono ausente. Levantou-se e vestiu uma roupa simples, amarrando os cabelos em um coque para iniciar o trabalho.Lucien já a aguardava no estúdio. Ele estava junto à lareira, uma taça de vinho em mãos, como se a madrugada também não lhe trouxesse paz.— Bom dia, senhorita Grey. Dormiu bem? — Ele sorriu, mas sua voz carregava uma nota de ironia.— Dormir nunca foi meu forte — respondeu, mantendo o tom profissional.Lucien inclinou levemente a cabeça, os olhos avaliando-a de forma quase imperceptível.— Entendo. O r
A manhã seguinte chegou com uma neblina densa que envolvia a mansão Draven. O mundo lá fora parecia inexistente, perdido entre o véu cinzento. Selene desceu até o estúdio, tentando afastar os ecos do sonho perturbador da noite anterior. Ela se repetia que era apenas sua mente pregando peças, fruto de cansaço e do ambiente estranho.No entanto, quando abriu a porta do estúdio, algo a fez parar. O retrato parecia mais vibrante, como se alguma cor nova tivesse surgido durante a noite. Era impossível. Ela tinha guardado todos os seus materiais no dia anterior.Selene aproximou-se devagar. O olhar de Damian no retrato parecia mais vivo, mais intenso. Ela sentiu como se aqueles olhos estivessem conscientes de sua presença.Respirando fundo, afastou os pensamentos irracionais. Era apenas sua imaginação, disse a si mesma. Com movimentos automáticos, montou seu equipamento de trabalho e começou a limpeza meticulosa de uma das áreas mais delicadas da pintura.Enquanto trabalhava, uma sensação d
A noite caiu com rapidez sobre a mansão Draven, envolvendo o local em uma escuridão que parecia viva. Selene permaneceu em seu quarto, o corpo tenso e a mente repleta de perguntas. Não conseguia ignorar o que Lucien havia dito: "Damian escolheu você."Escolhida para quê? E por que ela sentia que algo dentro dela, uma parte que não compreendia, já sabia a resposta?Ela tentou distrair-se, caminhando pelo quarto, analisando as mobílias antigas e os detalhes ornamentados do ambiente. Havia uma grande janela que dava para os jardins envoltos na penumbra. Do lado de fora, o vento soprava entre as árvores, produzindo sons que pareciam sussurros distantes.Sentando-se na beira da cama, Selene respirou fundo, tentando acalmar sua mente. A lógica dizia para ir embora, abandonar o retrato e a mansão. No entanto, algo a mantinha ali, um fio invisível que a prendia cada vez mais.Decidida a descobrir a verdade, pegou um casaco e saiu do quarto. Sabia que não conseguiria dormir. Sua curiosidade er