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Capítulo 3: Sussurros nas Sombras

A manhã seguinte chegou com uma neblina densa que envolvia a mansão Draven. O mundo lá fora parecia inexistente, perdido entre o véu cinzento. Selene desceu até o estúdio, tentando afastar os ecos do sonho perturbador da noite anterior. Ela se repetia que era apenas sua mente pregando peças, fruto de cansaço e do ambiente estranho.

No entanto, quando abriu a porta do estúdio, algo a fez parar. O retrato parecia mais vibrante, como se alguma cor nova tivesse surgido durante a noite. Era impossível. Ela tinha guardado todos os seus materiais no dia anterior.

Selene aproximou-se devagar. O olhar de Damian no retrato parecia mais vivo, mais intenso. Ela sentiu como se aqueles olhos estivessem conscientes de sua presença.

Respirando fundo, afastou os pensamentos irracionais. Era apenas sua imaginação, disse a si mesma. Com movimentos automáticos, montou seu equipamento de trabalho e começou a limpeza meticulosa de uma das áreas mais delicadas da pintura.

Enquanto trabalhava, uma sensação de desconforto crescia. A sala parecia encolher ao seu redor, o silêncio cada vez mais opressor. Então, algo quebrou a quietude: um som suave, quase imperceptível, como o roçar de dedos contra madeira.

Selene largou o pincel e se virou.

— Lucien? — chamou, a voz trêmula.

Ninguém respondeu. Ela olhou ao redor, mas a sala estava vazia.

Com o coração acelerado, Selene voltou ao trabalho. Mas, ao encostar o pincel no quadro, ouviu novamente o som, agora mais alto. Era como se alguém estivesse caminhando devagar pelo estúdio.

Ela largou o pincel e levantou-se de um salto.

— Quem está aí?

Ainda sem resposta. O único som agora era o de sua própria respiração.

Foi então que sentiu algo passar perto de seu rosto. Um sopro, como se alguém tivesse exalado bem ao lado dela. O medo a paralisou, mas forçou-se a olhar em volta novamente. Nada.

Selene deu um passo para trás, quase derrubando seu cavalete. O olhar de Damian no retrato parecia mais profundo, mais penetrante. Ela estava começando a duvidar da própria sanidade.

Decidiu que precisava de um intervalo.

Selene encontrou Lucien na biblioteca, um ambiente grandioso e escuro, repleto de estantes abarrotadas de livros empoeirados. Ele estava sentado em uma poltrona próxima à lareira, com um livro nas mãos.

— Senhorita Grey — disse ele, sem levantar os olhos do livro. — Algum problema?

Selene hesitou, tentando decidir se deveria compartilhar suas inquietações.

— Só... estranho trabalhar com um retrato tão peculiar. Parece... vivo.

Lucien finalmente ergueu os olhos para ela, um sorriso enigmático em seu rosto.

— Damian tinha esse efeito sobre as pessoas, mesmo em vida. Sua presença era... marcante.

— Ele era muito próximo de você? — perguntou Selene, tentando sondar mais sobre aquele ancestral.

Lucien soltou um riso suave, mas sem humor.

— Digamos que os Draven sempre tiveram uma ligação singular com o passado. A história de Damian é cheia de... peculiaridades.

— Como o quê?

Lucien fechou o livro lentamente e olhou diretamente para ela.

— Ele era um homem apaixonado, mas suas paixões frequentemente o levavam a caminhos sombrios. Há histórias, claro, mas... você realmente deseja saber?

Selene sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Parte dela queria dizer não, mas algo no fundo de sua mente, talvez uma curiosidade perigosa, a forçou a assentir.

Lucien inclinou-se ligeiramente para frente, os olhos fixos nos dela.

— Damian Draven foi um homem que viveu intensamente. Ele amou e destruiu com a mesma ferocidade. Há quem diga que ele fez pactos, alianças com forças além da compreensão humana.

Selene arqueou uma sobrancelha.

— Pactos? Você não acredita nessas histórias, acredita?

Lucien sorriu, mas não respondeu.

— Sugiro que continue seu trabalho, senhorita Grey. Quanto mais tempo passar com ele, mais... respostas terá.

Ele voltou a abrir o livro, encerrando a conversa.

Selene saiu da biblioteca com uma mistura de frustração e inquietação. A forma como Lucien falava era tão cheia de segredos que a deixava com ainda mais perguntas.

De volta ao estúdio, Selene retomou seu trabalho. Ela mergulhou nas camadas de tinta, limpando com precisão cada detalhe. Conforme as horas passavam, o retrato parecia ganhar vida de uma maneira inexplicável.

Foi então que percebeu algo: havia uma sombra sutil no fundo do quadro, quase invisível a olho nu. Usando uma solução de limpeza, ela começou a revelar mais detalhes. Lentamente, uma figura começou a emergir na escuridão atrás de Damian.

Era uma silhueta feminina.

Selene se inclinou mais perto, o coração disparado. Quem seria aquela mulher?

De repente, sentiu o ar ao seu redor mudar. A temperatura caiu, e o ambiente ficou mais pesado. O silêncio foi quebrado por um sussurro, baixo e distante, mas claro o suficiente para gelar seu sangue.

— Selene...

Ela derrubou a espátula no chão, o som ecoando pela sala.

— Quem está aí? — gritou, a voz embargada.

Mais uma vez, nenhuma resposta.

Selene recuou, os olhos fixos no retrato. Por um momento, ela teve a impressão de que Damian sorria. Não o sorriso pintado, mas algo novo, algo que não deveria ser possível.

Foi então que Lucien entrou na sala, o rosto sério.

— Você ouviu, não foi?

Selene virou-se para ele, pálida.

— O que está acontecendo aqui, Lucien? O que é esse retrato?

Ele fechou a porta atrás de si e deu um passo à frente.

— Eu avisei que Damian tinha suas peculiaridades. Este retrato é mais do que uma obra de arte. É uma peça de nossa história. E, para os Draven, história nunca é apenas passado.

Selene balançou a cabeça, tentando afastar o pânico.

— Isso não faz sentido. Está tentando me dizer que... ele está vivo?

Lucien a observou por um momento antes de responder.

— Vivo é uma palavra... inadequada. Damian transcendeu. Ele existe além do que entendemos como tempo e espaço. Este retrato é uma âncora para ele.

Selene deu um passo para trás, a incredulidade misturando-se com o medo.

— Você sabia. Desde o início, sabia que algo estava errado.

Lucien assentiu lentamente.

— E você ainda está aqui porque, apesar do medo, sente a mesma atração que todos sentem por Damian.

Selene sentiu as palavras dele ecoarem dentro dela. Ele estava certo. Apesar do pavor, algo no retrato a prendia, uma conexão inexplicável que ela não conseguia ignorar.

Lucien deu outro passo em sua direção, os olhos intensos.

— Se deseja respostas, deve continuar. Damian escolheu você, Selene.

As palavras dele a atingiram como um golpe. Ela queria negar, mas algo no fundo de sua alma sabia que era verdade.

O retrato não era apenas uma peça de arte. Era uma porta.

E Selene estava prestes a cruzá-la.

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