Parte 1...
Mike estava abaixado, olhando os pontos na barriga de uma gatinha que havia sido trazida pela dona às pressas. A gata não tinha raça definida, era uma vira-lata muito bonita, branca e amarela.
A mulher a encontrara na rua, muito magra e a levou para casa. Agora morava em sua casa há dois anos e era muito apegada à sua nova dona e sua casa. Mas era uma gatinha muito danada e que mexia em tudo. Acabou engolindo um dos carretéis de linha que a mulher usava para suas costuras e começou a passar mal.
Infelizmente foi necessário fazer uma cirugia de emergência, mas foi bem sucedida e agora a gatinha estava em recuperação. A dona poderia levá-la de volta dentro de quatro dias.
Antes ela precisaria ficar em observação mais próxima e evitar fazer movimentos bruscos, então ele a colocara em uma pequena gaiola que limitava seus movimentos e também um colar cirúrgico em volta do pescoço para que não retirasse os pontos.
Levantou e mexeu os ombros, sentindo a tensão do dia. Parecia que os animais ficavam mais agitados dentro de certo período porque na última semana eles tinham recebido animais com mais casos necessitando de cirurgia por terem engolido algo perigoso.
Muitas vezes por terem que ficar muito tempo dentro de casa, devido as chuvas ou aos donos saírem, muitos ficavam entediados e tudo virara um brinquedo em potencial. E às vezes esses brinquedos traziam problemas que precisavam de atendimento médico.
Mike abriu a gaiola e pegou a gata no colo com todo cuidado, andando pela sala devagar, acariciando sua cabeça, lhe dando um pouco de conforto após dias ali dentro, longe do aconchego de seu lar e de sua dona. Muitos animais ficavam estressados pela ausência de rostos conhecidos e lhe dar um pouco de atenção e carinho o fazia entender que não estava abandonado.
— Pronto - se abaixou e a colocou de volta — Agora você tem que dormir um pouco, hum?... Isso mesmo, quietinha - alisou de novo sua cabeça — Em poucos dias você vai estar com sua mamãe humana.
Ficou olhando enquanto ela se ajeitava no colchão dentro da gaiola e procurava a melhor posição para dormir. Tinha sido uma boa cirurgia e a recuperação dela seria completa.
Ficou feliz com isso, até porque já tivera fracassos também e isso lhe doía muito. Claro que a vida era assim, nunca se podia saber exatamente o que poderia acontecer.
Apenas tinha a esperança de que seus esforços fossem sempre um sucesso, mas teve que aprender a perder também.
Tinha um grande amor e respeito pelos animais,. Desde cedo ele sabia que era isso o que queria fazer. Cuidar desse animais tão especiais. Mas foi difícil a primeira vez que perdeu um paciente e ficou dias se remoendo, sentindo culpa e remorso. Infelizmente ele não podia salvar todos.
Ouviu a porta abrir e olhou para trás. Era Eliza, sua assistente na clínica. Ela sempre ficava ao seu lado quando fazia alguma cirurgia. Ela entrou com um sorriso grande e trazia um refrigerante consigo.
— Que tal um refrigerante gelado? - esticou a garrafa para ele.
— Não dessa vez, obrigado - negou com a mão — O que preciso é comer algo de verdade - esticou os ombros e estalou o pescoço — Essa semana tem sido bem agitada.
— Verdade - ela bebeu um gole — Você vai embora?
— Daqui a pouco. Ainda tenho algumas coisas para resolver antes de poder descansar. Apesar da hora adiantada - olhou o relógio — Já são quase seis da tarde.
Eliza o olhou de cima até embaixo. Desde que entrara na clínica que ela tinha um queda por Mike. Não era direta no assunto, mas vez ou outra ela estava sempre tentando chamar sua atenção e ele já tinha entendido isso.
— Porque não passa lá em casa depois? - lhe deu um olhar mais lascivo — Tenho um vinho maravilhoso guardado para uma ocasião especial. Podemos pedir uma comida gostosa, talvez francesa ou italiana - deu um passo em sua direção — O que acha?
Ele sabia que ela tinha interesse nele. Não era bobo. Depois de um tempo passou a observar que ela sempre o convidava para ficar em sua casa, mesmo ele nunca aceitando. Primeiro que não a conhecia bem, apesar dela trabalhar ali com eles há nove meses já. Segundo que apesar de ser muito inteligente e bonita, com seu grande cabelo loiro quase branco e olhos muito verdes, ela não sentia nada diferente por ela.
Não quis ser mal educado e nem queria misturar trabalho com vida pessoal, pelo menos não nesse caso. Todas as vezes que lhe dava uma indireta ele fazia de conta que não tinha entendido e quando era algo mais direto, ele sempre recusava de modo gentil.
— Seria ótimo realmente - começou gentil — Mas infelizmente eu vou ter que recusar - ela fez um biquinho — Faz tempo que minha mente está ocupada com outras coisas e ter um envolvimento com uma colega de trabalho não seria nada bom - explicou educado — Você é uma garota linda, inteligente e divertida, mas eu não acho certo estragar uma parceria de trabalho por algo que não sei se daria certo.
Ela encheu o peito de ar e soltou devagar. Parecia analisar o que ele lhe dissera. Ele não quis magoar seus sentimentos, mas precisava ser honesto com ela, para que não ficasse sempre na esperança de algum dia poder ter algo com ele que não fosse relacionado ao trabalho.
— Pelo menos você reparou em mim - deu uma voltinha — Mas quem garante que isso vá dar errado?
— E quem garante que vá dar certo? - ergueu uma sobrancelha — Eu prefiro não arriscar uma profissional talentosa como você.
— Já parou para pensar que temos muitas coisas em comum? Quantas vezes já rimos juntos, salvamos nossos animais, cuidamos dos clientes que chegam nervosos?
— Realmente, temos muito em comum, mas apenas no sentido profissional, Eliza. Não seria justo com você que eu lhe desse esperança de algo mais sério além disso.
Ela abaixou a cabeça assentindo, parecia magoada.
— Tudo bem, você quem sabe - deu de ombros — Mas eu garanto que poderia ter uma grande surpresa comigo.
Se virou e saiu da sala. Mike ficou levemente chateado, pois não tinha intenção de ferir seu ego, mas não iria mentir e se envolver com ela apenas para que não ficasse triste. Não era um adolescente que fazia as coisas sem pensar direito.
E ele estava mais preocupado com a clínica e com seu trabalho. Se envolver com alguém teria que ser algo que o arrebatasse. Apenas ter casinhos não lhe era suficiente e isso apenas tomaria seu tempo para coisas mais relevantes.
Trabalhavam juntos a um bom tempo e ele sabia que ela era uma boa profissional e isso não era algo que achasse em qualquer esquina. Se tivessem algo e isso viesse a atrapalhar seu desenvolvimento na clínica seria péssimo, não apenas para ele.
Mas ele tinha sido educado e honesto, se ela não entendia ou não aceitava isso, não era culpa sua.
Melhor ser honesto do que entrar em um caso com ela e depois de dias acabar tudo e ser tachado de aproveitador. Ela pareceu aborrecida, mas tinha certeza de que agira certo ao lhe dizer a verdade. Talvez depois ela pensaria direito e veria que foi melhor assim.
Ele gostava muito de seu modo de trabalhar, mas isso não queria dizer que tinha atração por ela, mesmo sendo uma mulher muito bonita e com certeza atraente para outros homens.
Parte 2...Não iria se sentir culpado por não ter sentido algo a mais por ela, por não ter corrido aquele arrepio gostoso na pele quando se tem uma conexão com outra pessoa. Não era um homem que embarcava em algo apenas pelo desejo momentâneo. E a clínica que só crescia lhe tomava bastante tempo de sua vida e tanto ele quanto o irmão estavam mais presos ao pensamento de fazer com que tudo corresse bem e a ideia de ambos era que se transformasse em uma referência na região e para isso eles trabalhavam muito e investiam também.Deixou a sala e foi até seu escritório para pegar a pasta de tarefas. Ele sempre revisava tudo que tinha feito antes de ir embora, para ter um arquivo de tudo o que era realizado durante o dia. Isso o ajudava a manter sua organização pessoal.Quando abriu a porta de seu escritório estancou no lugar, ao ver que havia uma garota sentada em seu sofá. Ela estava com as pernas cruzadas. Os sapatos pareciam de bonecas, em um tom leve de verde, assim como seu vestido f
Parte 3...Ok, isso era até um certo preconceito de sua parte, mas é o que geralmente se via. Não esperava que Camila Becker fosse uma garota assim, com esse rosto perfeito, olhos brilhantes e um sorriso suave que fez seu coração bater mais forte. E ele sabia que tinha um corpo bonito também, deu para perceber suas curvas na roupa folgada. E suas pernas torneadas lhe chamavam atenção o tempo todo, mas segurava o olhar em seu rosto ou ficaria estranho esse comportamento em uma entrevista de emprego. Então ela levantou e ele saiu de seu pensamento.— Bem, agora eu vou embora - alisou o vestido e sorriu, inclinando um pouco a cabeça de lado — D-deu pra notar... Que aqui é bem agi...tado e que o senhor pre-precisa de alguém diferente - ajeitou a bolsa no ombro.— O que? - ele franziu a testa — Não vai fazer a entrevista?Ela puxou o ar o encarando com um sorriso delicado.— O senhor sabe que eu... Eu tenho um proble...ma sério? - ele fez que sim com a cabeça — Então sabe que não posso aj
Parte 4...E isso o fez se sentir mal, pequeno até. Assim como ela, quantas outras pessoas não viviam por ái, espalhadas pelo mundo, sendo esquecidas pelas autoridades que não lhes dava oportunidades e mais ainda pelas pessoas comuns que se preocupavam apenas com seu próprio umbigo.Quantas outras Camila deveriam estar por aí agora, tentando sobreviver por terem a má sorte de sofrerem de alguma lesão, algum problema que as impedisse de participar de modo ativo da sociedade. Muitas com certeza eram abandonadas.— Desculpe perguntar coisas assim, mas preciso saber um pouco mais sobre você - sentiu vergonha de incomodá-la.— Não tem proble...ma. Fique à vontade. E-eu prefiro até.— Quando fica nervosa você tem uma reação mais forte, não é assim? - ela assentiu — E você consegue ler, escrever... Pegar recados... - se sentiu mal por essas perguntas ridículas.— S-sim - ajeitou a bolsa no colo — É um pouco com...plicado quando estou em... Em um dia ruim - gesticulou tentando explicar — Mi-m
Parte 5...— Amanhã quando vier, quero que traga seus documentos - ele pegou um bloco atrás de si e uma caneta — Vou escrever para você em letra de forma porque minha letra é péssima.— Isso é normal em um médico - ela brincou.— É verdade - ele sorriu apontado para ela — Eu acho que você vai poder ficar com a gente. Gostei de seu jeito honesto e de seu modo de expôr seu problema tão natural.— É que depois de tanto tempo, aca...bei compreendendo que não, não... - ela fez um som de impotência e ele esperou — Que minha vida é assim agora e, e... Pronto - gesticulou.Ele puxou a folha e entregou a ela com um sorriso. Ela estava lutando e isso era muito bonito. E quanto ela vinha tentando ter sucesso durante esses anos todos? Era uma pessoa de valor e ainda mantinha o pensamento positivo. Gostava disso.— Faremos assim - levantou e foi até a mesa — Vou deixar esse formulário para ser preenchido amanhã com calma - mostrou um papel a ela e prendeu com uma pirâmide de cristal ao lado do not
Parte 1...O dia prometia mais chuva. Quando Camila entrou no táxi em direção à clínica, ansiosa e um pouco nervosa pelo começo de seu emprego fixo, o primeiro depois de anos, ela ia forçando a mente a não esquecer de falar sobre sua dificuldade para a moça que iria fiscalizar seu trabalho.Não queria pena, mas tinha que deixar claro o que poderia ou não fazer, para evitar problemas de ambos os lados.Desceu do carro e agradeceu. Era o mesmo motorista de outras vezes. Até já sabia que ela tinha esse problema e falava com ela devagar, para que compreendesse sua fala. Olhou para o céu. Estava cinza e vinha uma nuvem mais escura ainda pouco adiante. O vento soprava frio. Puxou a gola do casaco marrom para cima, enfiou as mãos nos bolsos e foi andando devagar até a entrada da clínica. Já estava para abrir a grande porta de vidro quando seu celular tocou e ela parou, ficando de lado para ver quem era.— Bom dia, querida.— Bom dia, tia. Ligou cedo.Ela viu que uma senhora toda de uniforme
Parte 2...A vergonha se abateu sobre ela. Não era orgulhosa, mas ser feita de burra aí já era demais. Não aceitaria.— Tia, tenho que des-desligar agora. Beijo.Ela desligou e respirou fundo. Se aproximou da mesa e explicou para a moça que não poderia ficar para o início do teste. Gaguejando tensa e nervosamente, ela se desculpou muito e disse que iria embora. Pediu que avisasse a Mike e agradecesse a oportunidade, mas ela tinha mudado de ideia. É claro que a atendente ficou sem saber o que houve, já que estava presente ali, mas não entrou em detalhes, apenas perguntou se precisava de algo. Ela disse que não e saiu por onde entrou, de cabeça baixa.*************************Mike estava separando um arquivo que levaria para imprimir quando chegasse na clínica, quando seu celular tocou. Ficou preocupado por ver que era a atendente do dia.— Bom dia, Mara. Está tudo bem?— Sim e não.— Explique, por favor - largou o pendrive na mesa.— Aqui está tudo bem na clínica, mas aquela garota
Parte 1...Infelizmente ele teria que chegar atrasado na clínica, mas pelo menos dessa vez eles não tinham recebido nenhum animal com problemas sérios e seu irmão e os outros funcionários poderiam resolver.Antes ele tinha que acertar as coisas com Camila.Parou o carro em frente da casa dela. Era uma casinha pequena e antiga. Tinha um pequeno portão na frente de madeira, já precisando de uma pintura. Ele abriu e entrou, atravessando o curto espaço até a porta. Alguns vasinhos com flores coloridas estavam espalhados pela varanda, cercada com uma proteção de madeira, também precisando de pintura. Estava desgastada pelo tempo.Sua mãe tinha dito que a casa era alugada. Como os valores andavam muito altos em imóveis, com certeza ali era o que ela podia pagar com sua baixa pensão por invalidez.Era até estranho pensar que uma pessoa tão jovem fosse aposentada por invalidez. Camila não tinha a aparência que se espera de uma pessoa classificada como inválida. E ela não era isso. Era um modo
Parte 2...Ela deu um risinho tímido e olhou para baixo. De certo tinha vergonha de sua condição. Mas ele não era uma pessoa que olhava esse lado. Quando se interessava por uma garota, era pelo que ela lhe passava, lhe mostrava de bom em seu caráter. Aparência engana e muito.Claro, se fosse um flerte comum essas coisas entrariam na lista do que gostava ou não, dependendo do que buscava em um relacionamento. Se seria passageiro ou mais duradouro.— Acho que eu devo ter algo de errado, só pode - fez uma careta — Minha mãe vive fazendo isso comigo. É vergonhoso.Do nada ela deu uma gargalhada.— Você não tem nada de errado, Mike - mexeu o ombro — É só coisa de mãe. Ela quer te ver feliz.Ele tão pouco via algo de errado nela. Camila era muito bonita e tinha um sorriso encantador. Seu problema de afasia era algo muito sério mesmo, mas isso não era motivo para um homem não ter interesse nela. Tinha outras qualidades acima disso.— Eu sou feliz com o meu trabalho.— É, mas ela deve t-ter a