Parte 3...
Ok, isso era até um certo preconceito de sua parte, mas é o que geralmente se via. Não esperava que Camila Becker fosse uma garota assim, com esse rosto perfeito, olhos brilhantes e um sorriso suave que fez seu coração bater mais forte.
E ele sabia que tinha um corpo bonito também, deu para perceber suas curvas na roupa folgada. E suas pernas torneadas lhe chamavam atenção o tempo todo, mas segurava o olhar em seu rosto ou ficaria estranho esse comportamento em uma entrevista de emprego. Então ela levantou e ele saiu de seu pensamento.
— Bem, agora eu vou embora - alisou o vestido e sorriu, inclinando um pouco a cabeça de lado — D-deu pra notar... Que aqui é bem agi...tado e que o senhor pre-precisa de alguém diferente - ajeitou a bolsa no ombro.
— O que? - ele franziu a testa — Não vai fazer a entrevista?
Ela puxou o ar o encarando com um sorriso delicado.
— O senhor sabe que eu... Eu tenho um proble...ma sério? - ele fez que sim com a cabeça — Então sabe que não posso ajudar a-aqui.
— E porque não pode? - levantou também.
Ela olhou de um lado para outro, pensando.
— Você gosta de animais? - ela assentiu — Tem medo de ver sangue ou coisas assim?
— Hum... - ela fez um bico pensativa — E-eu acho que não.
Mike não sabia bem o motivo, mas queria que ela ficasse na clínica e continuou a questionar.
— Apenas pessoas especializadas podem lidar com situações de emergência, então será difícil que você tenha contato com alguma situação mais grave aqui dentro - mexeu o ombro — Seria mais para uma ajuda com o pessoal, pois estamos em crescimento e precisamos de mais mão de obra. E é necessário que a pessoa seja calma e goste de animais.
— Bom, eu sou calma - mexeu a cabeça de leve — E gosto muito de animais, especialmente cachorros e pássaros.
— E de gatos? - ergueu uma sobrancelha.
— Também - deu uma risadinha baixa.
— Pois então, aqui temos uma grande variedade de bichos. De pequenos animais a grande porte. Temos uma área para cavalos lá atrás.
— E o que seria o traba...lho?
— Basicamente cuidar do canil e gatil. Os bichos que ficam internados por algum motivo só são levados para a sala de cuidados depois de receberem o atendimento, é difícil que algo de ruim venha a acontecer lá dentro - cruzou o braços e sorriu — O pior que pode acontecer é perder a audição quando eles começam a latir e miar ao mesmo tempo - riu.
— Eles fazem isso para chamar atenção - riu também — Não podem falar com a gen...te. Nós não os entendemos.
Ele riu com a resposta. Estava se sentindo bem ao lado dela.
— Realmente, você tem razão.
— Eu não posso me res...ponsa...bilizar por-por dar remédios ou outro ti-tipo de coisas assim - abriu as mãos.
— Não se preocupe. Apenas os funcionários habilitados para tanto podem ter essa responsabilidade.
Ela mexeu no cabelo, colocando uma mecha atrás da orelha. Ele notou o gesto lento e o cabelo liso que deslizava por seus dedos. Ela mordeu de leve o lábio e ele continuou.
— Minha mãe me disse que você é muito tranquila, que gosta de ajudar, sabe fazer muitas coisas e que é ótima com os cães - sorriu — Isso são boas qualidades para se trabalhar em uma clínica veterinária.
Ela sorriu grande de novo e ele sentiu um calor gostoso percorrer seu corpo. Balançou o corpo de leve, olhando para as mãos. Ele achou isso muito fofo.
— Eu já era, mas depois de m-meu acidente eu tive que a-aprender a ficar mais calma ain...da - explicou — E-eu passeio com os cães porque eles não se importam com o meu defeito de fala e n-nem com minha perna lenta - deu de ombros — Eles não me julgam.
Ele também não se importou com isso. Pelo contrário, estava mesmo querendo que ela ficasse com o emprego. Sabia que deveria fazer uma entrevista mais detalhada, mas contava com sua primeira boa impressão e também com a aopinião de seus pais, que conheciam a garota melhor do que ele e sabiam se seria uma boa pessoa ou não.
— Eu gostaria muito de saber mais sobre você. Por favor, não saia ainda. Ou minha mãe vai me arrancar a cabeça fora.
Ela deu uma risada engraçada e jogou a cabeça para trás. Ele achou esse gesto muito bonito. Ela era toda bonita.
— Não se preocupe - balançou a cabeça — Sua mãe é uma pes-soa maravilhosa e não vai se a-aborrecer se o senhor não... Não me der o emprego. Sei que ela vai entender.
— Ainda assim, por favor - uniu as mãos e ela sorriu.
Camila voltou a sentar se apoiando no encosto novamente e ajeitou a bolsa no colo. Mike sentou na cadeira e inclinou o corpo para a frente, apoiando os cotovelos nas pernas.
— O trabalho pode ser um pouco chato - começou a explicar de modo resumido — E pode ser barulhento também - ela sorriu — Tem que fazer a limpeza das gaiolas, das cacas, trocar suas vasilhas com comida e água, verificar se a sala está bem fechada, na temperatura certa para não ficar muito frio ou quente para eles... Esse tipo de coisa.
— Não sei se sou a pessoa certa para isso - ela apertou os lábios e meneou a cabeça — Sua mãe lhe disse que tenho lesões de um acidente e que fiquei debilitada em várias ações?
— Sim, ela me disse - foi honesto — E eu acho que você deveria ao menos tentar. Não vai saber se é capaz ou não desistindo logo de início.
— Eu também p-penso assim, mas não quero causar prejuízo a ninguém - explicou.
— Seria um tempo de avaliação - espalmou as mãos — Você teria uma pessoa supervisionando seu trabalho até acabar o período e após isso, aí sim veremos se pode ou não continuar.
— E de quanto tempo é essa avaliação?
— Quinze dias. O que me diz?
— Eu tenho afasia - puxou o ar fundo e liberou devagar — Minha perna direita é um pouco lenta, por isso ando devagar - decidiu abrir logo o jogo com ele — Às vezes eu falo bem, mas no geral eu travo em algumas frases ou pareço gaga, mas isso é por con...ta - soltou um risinho — De minha afasia. E tem dias q-que estou muito bem, outros dias não.
Mike sabia um pouco sobre lesões no cérebro e já tinha lido artigos sobre afasia, que era uma consequência de um trauma no lado esquerdo do cérebro. Alguns medicamentos até serviam para certos problemas animais.
— Mas até que você fala bem para quem tem esse problema.
Ela balançou o corpo de um lado para outro devagar.
— Hoje em dia sim, mas já fiquei meses sem proferir uma única palavra, logo no começo. Ainda faço tratamento, mas hoje me sinto muito melhor - apertou os dedos no colo — Às vezes posso esquecer até mesmo o meu nome, o seu... - deu de ombro — Isso depende. E se fico muito agitada ou com fortes emoções, posso travar de vez. Depende. Cada dia eu tenho que entender o que se passa co-comigo.
— Sinto muito. Isso deve ser difícil.
— É sim, mas já, já... Foi pior.
Ele entendia bem porque seus pais tinham tomado a defesa dela, lhe pedindo que a ajudasse. Era ainda nova demais para um fardo desses. Muito bonita, gentil e se via inteligente também. Não são todos que conseguem aceitar limitações e viver dentro do que podem e ainda serem calmos.
— O que você fazia antes do acidente, Camila?
— Eu trabalhava em um escritório de arquitetura.
Que coisa. Como não ter o coração atingido por alguém cheia de vida e capacidade, que agora se sujeitava a um trabalho inferior às suas capacidades, apenas para poder se manter ativa e ainda mais para ter como pagar por suas obrigações e tratamento.
Era algo muito tocante realmente. Por isso seus pais falavam de modo terno e ao mesmo sério sobre ela. Agora compreendia. Ninguém ali na clínica iria querer nem mesmo perder tempo em fazer uma entrevista com ela e sendo bem honesto, nem ele teria antes. Agora tinha uma outra visão.
Parte 4...E isso o fez se sentir mal, pequeno até. Assim como ela, quantas outras pessoas não viviam por ái, espalhadas pelo mundo, sendo esquecidas pelas autoridades que não lhes dava oportunidades e mais ainda pelas pessoas comuns que se preocupavam apenas com seu próprio umbigo.Quantas outras Camila deveriam estar por aí agora, tentando sobreviver por terem a má sorte de sofrerem de alguma lesão, algum problema que as impedisse de participar de modo ativo da sociedade. Muitas com certeza eram abandonadas.— Desculpe perguntar coisas assim, mas preciso saber um pouco mais sobre você - sentiu vergonha de incomodá-la.— Não tem proble...ma. Fique à vontade. E-eu prefiro até.— Quando fica nervosa você tem uma reação mais forte, não é assim? - ela assentiu — E você consegue ler, escrever... Pegar recados... - se sentiu mal por essas perguntas ridículas.— S-sim - ajeitou a bolsa no colo — É um pouco com...plicado quando estou em... Em um dia ruim - gesticulou tentando explicar — Mi-m
Parte 5...— Amanhã quando vier, quero que traga seus documentos - ele pegou um bloco atrás de si e uma caneta — Vou escrever para você em letra de forma porque minha letra é péssima.— Isso é normal em um médico - ela brincou.— É verdade - ele sorriu apontado para ela — Eu acho que você vai poder ficar com a gente. Gostei de seu jeito honesto e de seu modo de expôr seu problema tão natural.— É que depois de tanto tempo, aca...bei compreendendo que não, não... - ela fez um som de impotência e ele esperou — Que minha vida é assim agora e, e... Pronto - gesticulou.Ele puxou a folha e entregou a ela com um sorriso. Ela estava lutando e isso era muito bonito. E quanto ela vinha tentando ter sucesso durante esses anos todos? Era uma pessoa de valor e ainda mantinha o pensamento positivo. Gostava disso.— Faremos assim - levantou e foi até a mesa — Vou deixar esse formulário para ser preenchido amanhã com calma - mostrou um papel a ela e prendeu com uma pirâmide de cristal ao lado do not
Parte 1...O dia prometia mais chuva. Quando Camila entrou no táxi em direção à clínica, ansiosa e um pouco nervosa pelo começo de seu emprego fixo, o primeiro depois de anos, ela ia forçando a mente a não esquecer de falar sobre sua dificuldade para a moça que iria fiscalizar seu trabalho.Não queria pena, mas tinha que deixar claro o que poderia ou não fazer, para evitar problemas de ambos os lados.Desceu do carro e agradeceu. Era o mesmo motorista de outras vezes. Até já sabia que ela tinha esse problema e falava com ela devagar, para que compreendesse sua fala. Olhou para o céu. Estava cinza e vinha uma nuvem mais escura ainda pouco adiante. O vento soprava frio. Puxou a gola do casaco marrom para cima, enfiou as mãos nos bolsos e foi andando devagar até a entrada da clínica. Já estava para abrir a grande porta de vidro quando seu celular tocou e ela parou, ficando de lado para ver quem era.— Bom dia, querida.— Bom dia, tia. Ligou cedo.Ela viu que uma senhora toda de uniforme
Parte 2...A vergonha se abateu sobre ela. Não era orgulhosa, mas ser feita de burra aí já era demais. Não aceitaria.— Tia, tenho que des-desligar agora. Beijo.Ela desligou e respirou fundo. Se aproximou da mesa e explicou para a moça que não poderia ficar para o início do teste. Gaguejando tensa e nervosamente, ela se desculpou muito e disse que iria embora. Pediu que avisasse a Mike e agradecesse a oportunidade, mas ela tinha mudado de ideia. É claro que a atendente ficou sem saber o que houve, já que estava presente ali, mas não entrou em detalhes, apenas perguntou se precisava de algo. Ela disse que não e saiu por onde entrou, de cabeça baixa.*************************Mike estava separando um arquivo que levaria para imprimir quando chegasse na clínica, quando seu celular tocou. Ficou preocupado por ver que era a atendente do dia.— Bom dia, Mara. Está tudo bem?— Sim e não.— Explique, por favor - largou o pendrive na mesa.— Aqui está tudo bem na clínica, mas aquela garota
Parte 1...Infelizmente ele teria que chegar atrasado na clínica, mas pelo menos dessa vez eles não tinham recebido nenhum animal com problemas sérios e seu irmão e os outros funcionários poderiam resolver.Antes ele tinha que acertar as coisas com Camila.Parou o carro em frente da casa dela. Era uma casinha pequena e antiga. Tinha um pequeno portão na frente de madeira, já precisando de uma pintura. Ele abriu e entrou, atravessando o curto espaço até a porta. Alguns vasinhos com flores coloridas estavam espalhados pela varanda, cercada com uma proteção de madeira, também precisando de pintura. Estava desgastada pelo tempo.Sua mãe tinha dito que a casa era alugada. Como os valores andavam muito altos em imóveis, com certeza ali era o que ela podia pagar com sua baixa pensão por invalidez.Era até estranho pensar que uma pessoa tão jovem fosse aposentada por invalidez. Camila não tinha a aparência que se espera de uma pessoa classificada como inválida. E ela não era isso. Era um modo
Parte 2...Ela deu um risinho tímido e olhou para baixo. De certo tinha vergonha de sua condição. Mas ele não era uma pessoa que olhava esse lado. Quando se interessava por uma garota, era pelo que ela lhe passava, lhe mostrava de bom em seu caráter. Aparência engana e muito.Claro, se fosse um flerte comum essas coisas entrariam na lista do que gostava ou não, dependendo do que buscava em um relacionamento. Se seria passageiro ou mais duradouro.— Acho que eu devo ter algo de errado, só pode - fez uma careta — Minha mãe vive fazendo isso comigo. É vergonhoso.Do nada ela deu uma gargalhada.— Você não tem nada de errado, Mike - mexeu o ombro — É só coisa de mãe. Ela quer te ver feliz.Ele tão pouco via algo de errado nela. Camila era muito bonita e tinha um sorriso encantador. Seu problema de afasia era algo muito sério mesmo, mas isso não era motivo para um homem não ter interesse nela. Tinha outras qualidades acima disso.— Eu sou feliz com o meu trabalho.— É, mas ela deve t-ter a
Parte 1...Na manhã seguinte Camila chegou para o trabalho. Enquanto ia caminhando em direção à entrada, ia repassando suas ideias.Depois que Mike saiu de sua casa ela ficou um tempo ainda encantada com sua presença ali. Mas sabia que de nada adiantava ficar encantada pelo seu novo chefe. Ela não era uma garota comum e tinha noção disso.Apesar de ser sempre positiva, uma coisa que tinha certeza é de que um relacionamento para ela, seria algo quase impossível. Para que tal coisa acontecesse ela teria que encontrar alguém que visse seu lado ruim, seus problemas e dificuldades e fosse capaz de não se importar com isso.Nem todo mundo era capaz de conviver com uma pessoa que tinha certas limitações. Por um tempo isso a incomodou e entristeceu, mas depois compreendeu que a vida dava lições a cada acontecimento. Ela tinha sido forçada a aprender novas coisas após seu acidente e uma boa coisa disso foi que ficou mais serena. Ainda que fosse um tanto ansiosa, ela sabia se controlar para nã
Parte 2...A mulher franziu a testa, pegou a pasta e leu o documento preso nela. Depois voltou a olhar para ela e seu rosto mudou de expressão.— Oh, meu Deus - levou a mão à boca — Me desculpe, fiquei preocupada que pudesse ser mordida. Você é a sobrinha da Henrieta, não é? - ela fez que sim com a cabeça e sorriu de leve — Meu Deus, eu me lembro do acidente - segurou seu braço — Menina, você é um milagre. Desculpe ter sido rude, mas já tivemos pessoas mordidas aqui e não quero que se repita.— Não tem problema. E-eu entendo.— Olha, o serviço aqui é chato, não vou mentir. Muita gente desiste porque não gosta ou não tem estômago para lidar com porcarias de animais doentes - ergueu a mão — Sou honesta com você. Tem certeza de que quer e pode fazer esse serviço? Alguns dias é leve, mas em outros é um inferno, acontece muita coisa.— Bem, penso que pos-so fazer e creio que os di-dias de teste irão me mostr... Mostrar, se sou a pessoa cer-cer-certa pra isso.Ela não entendeu bem a express