Parte 2...
Não iria se sentir culpado por não ter sentido algo a mais por ela, por não ter corrido aquele arrepio gostoso na pele quando se tem uma conexão com outra pessoa. Não era um homem que embarcava em algo apenas pelo desejo momentâneo.
E a clínica que só crescia lhe tomava bastante tempo de sua vida e tanto ele quanto o irmão estavam mais presos ao pensamento de fazer com que tudo corresse bem e a ideia de ambos era que se transformasse em uma referência na região e para isso eles trabalhavam muito e investiam também.
Deixou a sala e foi até seu escritório para pegar a pasta de tarefas. Ele sempre revisava tudo que tinha feito antes de ir embora, para ter um arquivo de tudo o que era realizado durante o dia. Isso o ajudava a manter sua organização pessoal.
Quando abriu a porta de seu escritório estancou no lugar, ao ver que havia uma garota sentada em seu sofá. Ela estava com as pernas cruzadas. Os sapatos pareciam de bonecas, em um tom leve de verde, assim como seu vestido florido que parecia mais esses vestidos de bonecas feitas de pano. Ele sorriu de leve. Entrou e fechou a porta e então ela se virou devagar para ele.
Pareceu se espantar com sua entrada e levantou depressa, quase que caindo novamente sentada e segurou no encosto de braço do sofá, olhando-o com surpresa.
E ele sentiu um arrepio passar por sua coluna. De pé a via melhor. Era magra, pernas bem torneadas. Mesmo com aquele vestido um pouco folgado dava para perceber que tinha curvas por baixo.
Achou engraçado pois ela lhe passou a ideia de ser mesmo uma boneca dessas de porcelana. Parecia muito delicada e que a qualquer momento fosse quebrar. Foi diferente o modo como sua energia a sentiu.
Ela parecia um pouco envergonhada. Se adiantou até ela e lhe estendeu a mão, que ela levou alguns segundos para olhar e devagar estendeu a mão e segurou a sua, sem muita força.
— Desculpe... Eu não sabia que tinha alguém aqui - franziu a testa — Por acaso está esperando a liberação de algum animal? Minha secretária não está - olhou o relógio no pulso — Oh... Claro que não - mexeu a cabeça de um lado para outro — Já são quase seis horas.
— Tudo bem - respondeu calma tentando se expressar — Eu... S-sei que estava ocupado... Com u-um ga-gatinho.
Ele achou que ela estivesse preocupada ou nervosa. Talvez estivesse com algum animal em cirurgia ou em recuperação. Falava lenta.
— Se me disser o nome do animal eu posso buscar uma informação precisa em meu registro - andou até a mesa — Me desculpe, o dia hoje foi bem corrido - ligou o notebook que estava suspenso — E minha secretária pelo jeito esqueceu de me passar a informação que uma cliente me aguardava.
Voltou a olhar para ela. E que rosto ela tinha. O cabelo era castanho bem escuro, quase que um vermelho e os olhos eram de um castanho com toques de verde. Seu nariz pequeno era arrebitado e tinha uma covinha no queixo. De repente ele sentiu seu coração bater forte.
Ele tinha certeza de nunca ter visto a garota antes. Não ali na clínica. Por certo era uma cliente nova que deve ter trazido seu bichinho de estimação. Ele lembraria se tivesse conhecido alguém assim antes.
Ela pareceu um pouco confusa. Viu que mexeu as sobrancelhas, olhando para baixo e depois de volta para ele. Talvez tivesse feito confusão.
— Hã... Me desculpe... Você é quem mesmo?
Ela respirou fundo. Apertou os dedos das mãos em uma crescente aflição e ele não entendia o motivo. Pensou que talvez estivesse com algum animal machucado internado na clínica.
— Eu... Meu n-nome é... - abriu bem os olhos, respirando fundo e soltando o ar devagar. Fechou os olhos e tentou de novo — Meu nome... É Camila Becker - soltou de vez.
Ele então teve a lembrança. Tinha se distraído tanto com a cirurgia e depois com a reabilitação dos animais na parte dos fundos da clínica que tinha esquecido do encontro. Apertou os lábios em uma linha fina, se sentindo um completo imbecil. Sua mãe tinha acertado tudo.
Ele tinha dito a Suzy que deixasse a garota entrar e esperar em seu escritório que ele faria a entrevista para o emprego. Que merda! O horário marcado tinha passado e muito. Que burrice de sua parte. Olhou para o relógio de novo e viu que tinha sido de uma grande irresponsabilidade para com ela e tinha que se desculpar. Nem acreditava que ainda estava ali esperando.
— Nossa, eu realmente lhe peço perdão por isso - passou os dedos pelo cabelo — Foi uma falha minha.
— N-não tem problema - disse suave — Eu sabia...Que o se-senhor estava ocupado... Com os animais.
Sua mãe tinha lhe dito. Lesão cerebral. Era por isso que ela falava lento assim e também seu modo um tanto aflito de se portar. Seguro estava nervosa por sua demora e ele ainda a assustou, entrando de vez. E foi mal educado em esquecer que estaria ali para uma entrevista.
— Foi um erro, peço que me perdoe, mas realmente tivemos uma emergência hoje e também tive que verificar o estado de uma gatinha após a cirurgia ainda recente. Eu deveria ter vindo falar com você antes, mas fiquei distraído por ela estar se recuperando bem e em breve poderá ir embora - indicou o sofá de novo — Por favor, sente-se.
Ela fez um gesto pequeno com a cabeça, olhou para trás e sentou devagar, ajeitando o vestido. Ele entendeu muito nesse pequeno gesto dela e por sua reação ao saber que estava ajudando a gatinha. Sua feição mudou e ela pareceu aliviada em saber.
Ele puxou a cadeira e sentou em frente.
— Peço perdão de novo, geralmente eu não sou assim distraído.
— Nã-o se pre...ocupe com isso - sorriu de leve — S-seu trabalho é mais importante. Eu posso esperar. Os animais são ma...is valiosos.
Ele sentiu algo diferente com aquele pequeno sorriso. Lhe pareceu que estava sendo sincera com sua preocupação. O modo como ela dividia as palavras lhe mostrava a dificuldade de sua lesão. Ele se sentiu mal educado por não ter enviado alguém para avisar que iria demorar mais.
— Eu estava certo de que seria um dia normal - sorriu abrindo as mãos — Agradeço que tenha ficado - inclinou a cabeça.
— Eu gostei de ficar esperan...do - sorriu mais — Fiquei observando o movimento lá fora - apontou pela janela — E vi que tem m-muita gente aqui. N-não sabi...a que era tão movimentado dessa for...ma.
Ele sentiu um baque com aquele sorriso. Foi algo tão forte que ele sentiu como se uma lufada de vento fresco tivesse atingido seu rosto e seu coração se aqueceu. Sentiu até suas mãos formigarem um instante e não conseguiu desviar o olhar daquela boca levemente rosada.
Quando sua mãe lhe pediu que aceitasse fazer uma entrevista com ela, não pensou que seria assim. Ao ouvir a explicação de seu pai sobre sua lesão, chegou a pensar que seria uma pessoa apática, com olhar perdido, talvez um pouco travada e até mesmo torta de lado.
Ninha Cardoso
Parte 3...Ok, isso era até um certo preconceito de sua parte, mas é o que geralmente se via. Não esperava que Camila Becker fosse uma garota assim, com esse rosto perfeito, olhos brilhantes e um sorriso suave que fez seu coração bater mais forte. E ele sabia que tinha um corpo bonito também, deu para perceber suas curvas na roupa folgada. E suas pernas torneadas lhe chamavam atenção o tempo todo, mas segurava o olhar em seu rosto ou ficaria estranho esse comportamento em uma entrevista de emprego. Então ela levantou e ele saiu de seu pensamento.— Bem, agora eu vou embora - alisou o vestido e sorriu, inclinando um pouco a cabeça de lado — D-deu pra notar... Que aqui é bem agi...tado e que o senhor pre-precisa de alguém diferente - ajeitou a bolsa no ombro.— O que? - ele franziu a testa — Não vai fazer a entrevista?Ela puxou o ar o encarando com um sorriso delicado.— O senhor sabe que eu... Eu tenho um proble...ma sério? - ele fez que sim com a cabeça — Então sabe que não posso aj
Parte 4...E isso o fez se sentir mal, pequeno até. Assim como ela, quantas outras pessoas não viviam por ái, espalhadas pelo mundo, sendo esquecidas pelas autoridades que não lhes dava oportunidades e mais ainda pelas pessoas comuns que se preocupavam apenas com seu próprio umbigo.Quantas outras Camila deveriam estar por aí agora, tentando sobreviver por terem a má sorte de sofrerem de alguma lesão, algum problema que as impedisse de participar de modo ativo da sociedade. Muitas com certeza eram abandonadas.— Desculpe perguntar coisas assim, mas preciso saber um pouco mais sobre você - sentiu vergonha de incomodá-la.— Não tem proble...ma. Fique à vontade. E-eu prefiro até.— Quando fica nervosa você tem uma reação mais forte, não é assim? - ela assentiu — E você consegue ler, escrever... Pegar recados... - se sentiu mal por essas perguntas ridículas.— S-sim - ajeitou a bolsa no colo — É um pouco com...plicado quando estou em... Em um dia ruim - gesticulou tentando explicar — Mi-m
Parte 5...— Amanhã quando vier, quero que traga seus documentos - ele pegou um bloco atrás de si e uma caneta — Vou escrever para você em letra de forma porque minha letra é péssima.— Isso é normal em um médico - ela brincou.— É verdade - ele sorriu apontado para ela — Eu acho que você vai poder ficar com a gente. Gostei de seu jeito honesto e de seu modo de expôr seu problema tão natural.— É que depois de tanto tempo, aca...bei compreendendo que não, não... - ela fez um som de impotência e ele esperou — Que minha vida é assim agora e, e... Pronto - gesticulou.Ele puxou a folha e entregou a ela com um sorriso. Ela estava lutando e isso era muito bonito. E quanto ela vinha tentando ter sucesso durante esses anos todos? Era uma pessoa de valor e ainda mantinha o pensamento positivo. Gostava disso.— Faremos assim - levantou e foi até a mesa — Vou deixar esse formulário para ser preenchido amanhã com calma - mostrou um papel a ela e prendeu com uma pirâmide de cristal ao lado do not
Parte 1...O dia prometia mais chuva. Quando Camila entrou no táxi em direção à clínica, ansiosa e um pouco nervosa pelo começo de seu emprego fixo, o primeiro depois de anos, ela ia forçando a mente a não esquecer de falar sobre sua dificuldade para a moça que iria fiscalizar seu trabalho.Não queria pena, mas tinha que deixar claro o que poderia ou não fazer, para evitar problemas de ambos os lados.Desceu do carro e agradeceu. Era o mesmo motorista de outras vezes. Até já sabia que ela tinha esse problema e falava com ela devagar, para que compreendesse sua fala. Olhou para o céu. Estava cinza e vinha uma nuvem mais escura ainda pouco adiante. O vento soprava frio. Puxou a gola do casaco marrom para cima, enfiou as mãos nos bolsos e foi andando devagar até a entrada da clínica. Já estava para abrir a grande porta de vidro quando seu celular tocou e ela parou, ficando de lado para ver quem era.— Bom dia, querida.— Bom dia, tia. Ligou cedo.Ela viu que uma senhora toda de uniforme
Parte 2...A vergonha se abateu sobre ela. Não era orgulhosa, mas ser feita de burra aí já era demais. Não aceitaria.— Tia, tenho que des-desligar agora. Beijo.Ela desligou e respirou fundo. Se aproximou da mesa e explicou para a moça que não poderia ficar para o início do teste. Gaguejando tensa e nervosamente, ela se desculpou muito e disse que iria embora. Pediu que avisasse a Mike e agradecesse a oportunidade, mas ela tinha mudado de ideia. É claro que a atendente ficou sem saber o que houve, já que estava presente ali, mas não entrou em detalhes, apenas perguntou se precisava de algo. Ela disse que não e saiu por onde entrou, de cabeça baixa.*************************Mike estava separando um arquivo que levaria para imprimir quando chegasse na clínica, quando seu celular tocou. Ficou preocupado por ver que era a atendente do dia.— Bom dia, Mara. Está tudo bem?— Sim e não.— Explique, por favor - largou o pendrive na mesa.— Aqui está tudo bem na clínica, mas aquela garota
Parte 1...Infelizmente ele teria que chegar atrasado na clínica, mas pelo menos dessa vez eles não tinham recebido nenhum animal com problemas sérios e seu irmão e os outros funcionários poderiam resolver.Antes ele tinha que acertar as coisas com Camila.Parou o carro em frente da casa dela. Era uma casinha pequena e antiga. Tinha um pequeno portão na frente de madeira, já precisando de uma pintura. Ele abriu e entrou, atravessando o curto espaço até a porta. Alguns vasinhos com flores coloridas estavam espalhados pela varanda, cercada com uma proteção de madeira, também precisando de pintura. Estava desgastada pelo tempo.Sua mãe tinha dito que a casa era alugada. Como os valores andavam muito altos em imóveis, com certeza ali era o que ela podia pagar com sua baixa pensão por invalidez.Era até estranho pensar que uma pessoa tão jovem fosse aposentada por invalidez. Camila não tinha a aparência que se espera de uma pessoa classificada como inválida. E ela não era isso. Era um modo
Parte 2...Ela deu um risinho tímido e olhou para baixo. De certo tinha vergonha de sua condição. Mas ele não era uma pessoa que olhava esse lado. Quando se interessava por uma garota, era pelo que ela lhe passava, lhe mostrava de bom em seu caráter. Aparência engana e muito.Claro, se fosse um flerte comum essas coisas entrariam na lista do que gostava ou não, dependendo do que buscava em um relacionamento. Se seria passageiro ou mais duradouro.— Acho que eu devo ter algo de errado, só pode - fez uma careta — Minha mãe vive fazendo isso comigo. É vergonhoso.Do nada ela deu uma gargalhada.— Você não tem nada de errado, Mike - mexeu o ombro — É só coisa de mãe. Ela quer te ver feliz.Ele tão pouco via algo de errado nela. Camila era muito bonita e tinha um sorriso encantador. Seu problema de afasia era algo muito sério mesmo, mas isso não era motivo para um homem não ter interesse nela. Tinha outras qualidades acima disso.— Eu sou feliz com o meu trabalho.— É, mas ela deve t-ter a
Parte 1...Na manhã seguinte Camila chegou para o trabalho. Enquanto ia caminhando em direção à entrada, ia repassando suas ideias.Depois que Mike saiu de sua casa ela ficou um tempo ainda encantada com sua presença ali. Mas sabia que de nada adiantava ficar encantada pelo seu novo chefe. Ela não era uma garota comum e tinha noção disso.Apesar de ser sempre positiva, uma coisa que tinha certeza é de que um relacionamento para ela, seria algo quase impossível. Para que tal coisa acontecesse ela teria que encontrar alguém que visse seu lado ruim, seus problemas e dificuldades e fosse capaz de não se importar com isso.Nem todo mundo era capaz de conviver com uma pessoa que tinha certas limitações. Por um tempo isso a incomodou e entristeceu, mas depois compreendeu que a vida dava lições a cada acontecimento. Ela tinha sido forçada a aprender novas coisas após seu acidente e uma boa coisa disso foi que ficou mais serena. Ainda que fosse um tanto ansiosa, ela sabia se controlar para nã