A escuridão da noite havia se estabelecido completamente quando Clarck chegou à casa que compartilhava com Clarice. O caminho estava envolto em sombras dançantes projetadas pela luz da lua, e o som distante de corujas era o único som a quebrar o silêncio. Ele abriu a porta com cuidado, tentando não fazer barulho, mas não precisou procurar por Clarice. Ela estava sentada no sofá da sala, as mãos unidas no colo, o rosto marcado por preocupação.— Você demorou, — disse ela, levantando-se rapidamente. Seus olhos vasculharam o rosto dele, procurando sinais de ferimentos ou algo que pudesse indicar que algo havia dado errado.Clarck deu um suspiro pesado, tirando a jaqueta antes de se aproximar. — Foi um dia longo, Clarice. Tivemos que tomar algumas decisões difíceis. Precisamos conversar.Ela gesticulou para que ele se sentasse, mas Clarck permaneceu de pé, como se as próprias notícias o impedissem de relaxar. Ele esfregou a nuca, uma tentativa de organizar os pensamentos antes de contin
A manhã chegou trazendo um peso sob a alcatéia, todos estavam em alerta, cada grupo treinando e orquestrando sua própria estratégia. Clarice se apressou até a casa principal, onde Edla estava sob os cuidados de algumas das mulheres mais velhas. Desde que a encontraram no dia anterior, a menina parecia mais calma, mas sua desconfiança ainda era evidente.Assim que Clarice entrou no grande salão da casa, seus olhos encontraram os de Edla. A menina, que não devia ter mais do que oito anos, estava sentada no sofá, abraçada a um cobertor grosso. Parecia tensa, mas um pouco mais confortável do que antes, segurando uma caneca de chocolate quente nas mãos. Quando viu Clarice, seus olhos brilharam com uma mistura de alívio e algo que parecia... esperança.— Olá, pequena — disse Clarice, ajoelhando-se para ficar na mesma altura da menina. — Dormiu bem?Edla assentiu, mas não falou de imediato.— Sonhei com minha mãe... — murmurou, sua voz quase inaudível.Clarice sorriu gentilmente, colocando
— Ela parece mais tranquila — comentou Sarah, cruzando os braços enquanto observava as crianças. — Você leva jeito com crianças. — Sim, mas ainda está assustada. Vai levar um tempo até que ela se sinta completamente segura. — Clarice suspirou. — Acho que levar as crianças para o esconderijo será o melhor. Não podemos correr riscos.Sarah assentiu.— Celeste me contou sobre o plano, eu vou com vocês. Sirius vai levar a gente. — Você e Sirius parecem bem próximos, hm? — a pergunta de Clarice foi um pouco maliciosa. Sarah ficou vermelha, dando um riso nervoso antes de responder:— Não é nada demais, não me olha assim. Vamos falar sobre o que é importante, esse bicho que está vindo atrás da gente. Clarice olhou para Sarah com seriedade.— Precisamos estar prontas. Não podemos permitir que ninguém seja deixado para trás.Sarah colocou a mão no ombro de Clarice, como se quisesse transmitir um pouco de força.— Não vamos falhar. Estamos juntas nessa.***Depois de se despedir de Sarah, C
O retorno de Lunna à alcatéia foi marcado pelo silêncio reverente. Lobos, tanto em forma humana quanto transformados, pararam o que estavam fazendo e se curvaram quando a viram passar. Era um gesto instintivo, um respeito que transcendia hierarquias. Era raro, quase impossível, ver uma loba mãe caminhando entre eles, e a presença de Lunna era um lembrete vivo da força que guiava o destino da alcatéia.Lunna manteve a cabeça erguida, os olhos fixos à frente, mas em seu interior, Clarice podia sentir o peso das emoções.“Ainda parece surreal, não é?”, disse Clarice, mentalmente.“Eles veem mais do que nós mesmas às vezes, Clarice. Para eles, somos um símbolo… Mas nós sabemos que somos carne e osso, que nos machucamos e morremos”, respondeu Lunna.Poucos minutos depois, Clarck apareceu. Ele vinha de uma reunião com Sirius e Jhon, ainda carregando o ar sério e tenso de um líder em constante alerta. Estava em forma humana, vestindo uma camisa preta simples e calças de tecido grosso, mas su
“Mãe… Mãe, por favor! Acorda, mãe!”Clarice abriu os olhos, apoiando a mão no peito, ofegante. O quarto ainda estava escuro, uma leve luz entrava pelas cortinas, a luz prateada da lua cheia. A madrugada ia alta e ela deveria estar descansando para pegar seu voo para Pinewood cedo no dia seguinte, mas fazia muito tempo que não conseguia dormir bem.Ela se levantou, os pés descalços tocando o chão frio. Suas cisas já estavam encaixotadas, não pretendia levar muito para sua nova “antiga” casa, apenas o essencial. A única coisa que ainda estava fora das poucas caixas era o porta-retrato que estava repousando ao lado do seu travesseiro. Uma foto da sua mãe, Elaina.As memórias do acidente que havia acontecido há somente um mês a assombravam todos os dias, e a culpa também. As últimas palavras de sua mãe para ela ainda estavam martelando em sua cabeça, ela jamais esqueceria e jamais deixaria de se culpar, afinal, Clarice quem estava na direção, ela quem perdeu o controle do carro. Em teor
A viagem de carro foi, de fasto, muito mais rápida. No caminho, Clarice descobriu que o nome do senhor era Jorge, e soube ainda que ele conhecia sua mãe desde que ela era uma pré-adolescente. Jorge ficou sentido pela notícia do falecimento de Elaina e afirmou que ele e sua esposa estariam disponíveis para ajudá-la na adaptação, já que a casa onde Clarice ficaria era bem afastada da zona principal da cidade. Levaram cerca de duas horas para chegar até Pinewood, e, assim que cruzaram a única avenida do lugar, Clarice notou como a cidade ainda era exatamente a mesma. Algumas lojas com fachada reformada, uma e outra lojinha mais recende, mas quase nada havia mudado, ainda era o mesmo lugarzinho frio e meio vazio de sempre, mas com pessoas acolhedoras. Seguiram pela avenida até cruzar a cidade, saindo da zona mais populada até a estrada que lavava a grande indústria de tecnologia e sustentabilidade que empregava boa parte das pessoas da região. Mas não chegaram tão perto dela, pararam v
O som dos móveis sendo arrastados ecoava pela casa, misturado ao ritmo suave da música que tocava do celular de Clarice. Ela havia aberto todas as janelas, permitindo que o ar fresco e o cheiro úmido da floresta entrassem, e a luz do fim da tarde iluminasse o ambiente.— Pronto — suspirou, limpando uma gota de suor da testa. — Último móvel.O cansaço começava a pesar em seus ombros, mas Clarice sabia que a sensação de estar naquela casa era tudo o que precisava para continuar. Já fazia horas que estava de pé, limpando cada canto, cada móvel coberto de poeira. Colocar tudo em ordem era a forma dela de lidar com as memórias e a saudade. O sofá da sala, onde ela e sua mãe costumavam passar as noites juntas assistindo séries de TV, estava agora limpo e convidativo. As cortinas brancas balançavam suavemente ao vento, trazendo uma sensação de paz que ela não sentia há muito tempo.“Parece que estou mais perto de você agora, mãe”, pensou, sentindo uma pontada de tristeza no peito. A música
No dia seguinte, Clarice despertou com o som suave do vento balançando as cortinas do quarto. O sol mal havia nascido, e os primeiros raios de luz invadiam o ambiente com delicadeza. Ela se espreguiçou, sentindo o corpo um pouco dolorido por ter dormido no quintal.— Que ideia foi essa de dormir lá fora? — reclamou para si mesma, enquanto se levantava da cama. Caminhou até a cozinha, ligando a cafeteira. Precisava de um café forte para começar o dia. Hoje seria o dia de encontrar o local perfeito para a floricultura, não podia demorar, precisava pegar a boa estação para garantir que as flores cresceriam bem quando ela plantasse. Até que pudesse cuidar da própria produção, enquanto as suas flores não cresciam, ela precisaria de um fornecedor, mas já tinha um em mente, a mesma pessoa que lhe forneceria as sementes para que ela começasse a plantar suas flores em seu grande quintal. Clarice tinha várias ideias em mente, e a ansiedade por começar logo era quase palpável.Enquanto espe