O refúgio, silencioso, mergulhava no calor abafado da noite. No canto mais afastado da caverna iluminada por lamparinas de óleo, Duncan folheava um tomo antigo, os olhos atentos examinando cada linha, cada símbolo gravado na página amarelada pelo tempo. As palavras sussurravam segredos esquecidos, fragmentos de um conhecimento que poucos ousavam estudar.Kaena e Hei, a alguns metros dali, estavam absortos em seu próprio mundo — um instante roubado em meio à guerra iminente. Mãos se tocavam, olhares se encontravam, promessas mudas trocadas. Duncan entendia que aqueles momentos eram raros e preciosos, mas ele não se permitia tal luxo. Não agora.Ele virou outra página, absorvendo os ensinamentos ali descritos. As Tradições Espirituais e Marciais — assim Nagato as chamava. O elo entre o corpo, a mente e a essência do mundo.Duncan fechou os olhos por um instante, deixando-se lembrar.Nagato, com sua postura ereta e olhar sereno, passava os dedos sobre uma mesa de madeira envelhecida, ond
O vento cortava a noite como lâminas invisíveis, arrastando folhas secas e poeira pelo caminho irregular da floresta. Tupã era um borrão, um espectro em alta velocidade, seu corpo biônico impulsionado por uma força que não era apenas física, mas espiritual, sua mente tomada por um único objetivo, uma única obsessão: Yara.Cada passo reverberava como um trovão no solo, mas não eram apenas seus pés metálicos que ecoavam na noite. Havia algo mais. Algo dentro dele.Uma presença que rastejava pelas bordas de sua consciência.Naaldlooyee.A risada do bruxo serpenteava entre seus pensamentos, tão clara quanto se o maldito estivesse sussurrando diretamente em seu ouvido.— Ela está perdida, Gavião Tempestuoso. — A voz de Naaldlooyee se arrastava como um veneno derramado. — Enquanto você se debate inutilmente, ela está nas minhas mãos. Chamando por você. Suplicando. E o que você faz? Corre, tropeça... fraco e inútil."BWAHAHAHAHAHA!"Tupã cerrou os dentes.Ele não podia se deixar levar por il
A noite esquentava na tenda de Donaldo.A luz das lamparinas dançava sobre os tecidos finos que pendiam do teto, criando sombras ondulantes que pareciam se mover ao ritmo dos corpos entrelaçados sobre a ampla cama adornada com sedas e peles. O cheiro de incenso amadeirado misturava-se ao perfume adocicado da mulher que ofegava sob Donaldo, suas unhas arranhando suavemente as costas musculosas do explorador conforme ele se perdia nos prazeres que tanto apreciava.— Ahh... meu senhor... — a voz dela era um gemido lânguido, as palavras se dissolvendo em suspiros.Donaldo, suado e completamente entregue ao momento, sorriu satisfeito. Seu corpo estava mais vivo do que nunca desde que aceitara o sombrio pacto de Naaldlooyee. O vigor que lhe fora roubado no passado agora pulsava em suas veias, e ele se regozijava disso como um rei sobre seu trono de desejo.Até que uma voz cortou a atmosfera íntima.— Lamento a interrupção.O frio penetrou na tenda como uma lâmina invisível.A ruiva soltou u
O ar ali dentro era quente e gracioso. Não pelo calor da terra ou das tochas fracas presas às paredes rochosas, mas pelo desejo que pairava no espaço estreito entre Hei e Kaena.Lá fora, o inimigo se movia como uma serpente na noite. Mas ali, nas profundezas do refúgio subterrâneo, Hei e Kaena não eram guerreiros, apenas dois corpos que se reconheciam pelo toque, pelo gosto, pela ânsia de se entregarem um ao outro.Kaena deslizou os dedos pelo peito nu de Hei, sentindo a firmeza de seus músculos, cada cicatriz uma história sussurrada no escuro. Seu coração pulsava acelerado, mas não por medo – havia algo em Hei que a fazia querer esquecer o mundo lá fora, nem que fosse por um instante fugaz.Hei segurou o rosto dela entre as mãos, os olhos ardendo como brasas na penumbra.— Você tem certeza? — a voz dele veio rouca, carregada de desejo, mas também de respeito.Kaena não respondeu com palavras. Seus lábios encontraram os dele em um beijo voraz, e foi o bastante.A respiração entrecorta
A tenda de Donaldo era um santuário de excessos. O aroma doce do incenso misturava-se ao cheiro de vinho derramado e suor, formando uma atmosfera sufocante de prazer e embriaguez. Almofadas de veludo estavam espalhadas pelo chão, cortinas pesadas ondulavam sob a brisa noturna e os corpos das concubinas enroscavam-se em volta do explorador como serpentes preguiçosas, satisfeitas após um banquete.Donaldo, largado sobre um leito de peles macias, sorria preguiçosamente conforme deslizava os dedos pela pele morena e sedosa de uma das mulheres, seu corpo ainda vibrando com o frenesi do prazer, sua mente embotada pelo álcool e pela luxúria.— Hmmm… essa foi uma noite digna de um rei. — murmurou, sua voz carregada de satisfação.A concubina de cabelos dourados ao seu lado riu baixinho, brincando com uma mecha de seus próprios cabelos.— E um rei merece ainda mais, senhor. — Ela se inclinou, deslizando os lábios pelo peito dele.Donaldo riu, segurando seu queixo com firmeza.— Ah, minha bela
A escuridão em volta era viva.As sombras sussurravam, deslizando e ondulando pelas paredes como serpentes etéreas. O espaço onde Yara se encontrava não era físico — era algo entre um sonho e um delírio, um cárcere construído com as fibras da noite e o sopro do medo.Ela estava deitada sobre uma superfície que não conseguia ver, mas sentia o peso das trevas sobre seu corpo. Frio. Suave. Quase um amante.Um som longínquo percorreu o ambiente. Passos.Lentos. Contidos. Calculados.A escuridão pareceu encolher em volta de Yara, como se tivesse medo do que se aproximava.Então, ele surgiu.Tupã.Os olhos dela se arregalaram, ao que um soluço escapou de seus lábios secos.— Tupã!Ele estava ali, em pé à sua frente, seu corpo forte e ágil como ela se lembrava. A pele morena reluzia sob a tênue luz azulada que emergia de lugar algum, e seus olhos — oh, seus olhos! — eram profundos como o oceano antes da tempestade.Ela quis se levantar, correr para ele, mas seu corpo não respondeu. O que era
A floresta tremia com uma presença sutil, mas inegável.Duncan se mantinha afastado da aldeia, seu olhar perdido na escuridão, sentindo um sussurro invisível. Os exorcistas da Irmandade da Aurora eram treinados para perceber distorções no fluxo natural das energias, e algo estava errado.O vento sibilava entre as árvores, assobiando melodias que soavam antigas demais para serem apenas obra do acaso. Pequenas folhas e poeira dançavam em espirais pelo ar. Duncan soube, antes mesmo de ver, que alguém se aproximava.Foi então que o redemoinho tomou forma.Uma risada travessa, um giro ágil no vento, e ali estava ele:Os olhos do garoto brilhavam como um par de estrelas infantis, o sorriso tão travesso quanto sempre fora – mas havia algo diferente nele agora. Ele não era apenas um menino fugindo dos horrores do mundo. Ele era algo além.Duncan estreitou os olhos.— Andou aprendendo novos truques, garoto?Saci Tumbleweed riu, sua voz se misturando ao vento que o trouxera.— Ou talvez sempre
Hei esboçou um sorriso surpreso, seus olhos encontrando um pitinho na boca do garoto.— Então… você se tornou um saci!Kaena piscou, o coração aliviando-se por vê-lo de pé e bem. — Mas como? Como...?Tumbleweed deu de ombros, puxando a carapuça sobre a cabeça, seus olhos brilhando travessos.— Digamos que a mata viu potencial em mim.Kaena se aproximou um passo, tocando o ombro do menino como se para se certificar de que era real. Mas algo na postura de Duncan e na espectral presença de Nagato a fez lembrar que aquele momento de surpresa e alívio não duraria muito.— Duncan. Nagato. O que está acontecendo? — a voz dela saiu grave, já preparando-se para o pior.Duncan lançou um olhar para a figura do xamã. Nagato, com seus olhos sempre enigmáticos, respirou fundo antes de falar.— A guerra se aproxima.Hei e Kaena trocaram olhares.Nagato continuou, sua voz ecoando como um trovão distante:— Donaldo... Seu exército marchará contra as tribos ao amanhecer. Uma de nossas agentes consegui