Narrador
— O que disse? — O diretor do instituto de tecnologia arregalou os olhos. Era um homem de 50 e poucos anos, doutor, vasta experiência acadêmica. Nunca viu um aluno tão abusado e corajoso.
Não tinha tempo para besteiras.
— Precisa de um cotonete? — Tae perguntou ao diretor. — Veio até aqui me confessar que agrediu um aluno?
— Estou falando com as paredes aqui? — Tae estendeu os braços.
— Bem, você quer uma suspensão? Pois, tome. — O diretor pegou um papel, carimbou e entregou a Tae. Depois, foi embora, perguntando-se se tinha errado de endereço e em vez entrar na Real Academia tinha entrado num manicômio.
Tae olhou o papel. Era um panfleto de venda de imóveis com carimbo da diretoria.
— Bando de incompetentes... — Tae murmurou. Queria ter sido suspenso, seria uma grande conquista para contar quando voltasse à Coreia.
O retorno para a aula não foi como esperado. Tae levantou uma sobrancelha ao ver um idiota qualquer vindo em direção à Diana na saída da sala e jogando os cadernos dela no chão.
— Onde estão as fotos do Tae? — O garoto zombou enquanto Diana se agachou e pegou seu caderno, humilhada. Tae espremeu os olhos. Estavam falando dele. Intuitivamente, reparou em Diana naquele momento. Tão introspectiva, tão submissa, tão passiva frente às risadas. Ele nunca havia notado essas características nela, nunca prestou atenção. Ainda que morassem praticamente um do lado do outro.
Narração Diana
Eles me humilharam.
De novo.
Agora na frente do próprio Tae.
Agachei e recolhi meu caderno. Sequei meu rosto. Eu não aguento mais tanta humilhação.
Saí correndo de novo. Eu só sabia correr.
Enquanto me afastava, eu vi Tae me olhando friamente, acompanhando meu trajeto enquanto eu fugia. Ele me julgava? Ele me achava estúpida por stalkeá-lo? Ele tinha pena de mim? Não sei. Ele me olhou com cara de poucos amigos.
Fui até o banheiro e me tranquei numa das cabines para chorar tão alto que eu soluçava. Eu não tenho culpa, eu não consigo deixar de admirar Tae. Ele é tão bom no basquete, tão lindo, tão sexy. E, para completar, eu o vejo todo dia no condomínio. Sei que vou esquecê-lo com o tempo, mas o que estão fazendo comigo é absurdo. A essa altura todos na faculdade já sabem como sou iludida e idiota.
Tive vontade de correr para minha casa e enfiar a cabeça embaixo do travesseiro e chorar até desmaiar, mas infelizmente tenho que assistir aulas até as 17h. E ainda são 10h da manhã e já tivemos uma briga na classe e bullying. Não posso ir para casa, tenho que assistir às aulas se eu quiser entrar para a equipe de monitoras do basquete.
Eu juro que tive vontade de fazer alguma besteira, mas respirei fundo. A quem quero enganar? Eu sou totalmente incapaz de guiar meu destino. Saí do banheiro e deixei que cada olhar, cada comentário, cada sussurro me atingisse em cheio.
Eu absorvi tudo.
Fui até a sala, sentei na minha cadeira e implorei que a próxima aula começasse logo. De repente, por algum motivo, olhei para trás contra minha vontade.
Tae me olhava com curiosidade. Olhos fixos. Parecia estar fazendo contas mentais. Esperei dois minutos e olhei de novo. Lá estava ele, olhando para mim ainda.
Definitivamente, eu estava encrencada. Ele sabe que estou apaixonada por ele. Vai querer quebrar meu celular dessa vez.
A minha razão me diz para correr, trancar a faculdade e ir para a casa dos meus pais.
Algo me diz que ele está se divertindo com a minha humilhação.
Será que estou fazendo certo em lutar tanto para entrar para a equipe de basquete? Todos os meus sentidos gritam que não. Que eu deveria aprender a desistir. Por que não consigo? Por que sou tão insistente? Eu vou sofrer.
Eu saí da aula dez minutos antes de todo mundo. Não queria encontrar-me com todos e ouvir suas zombarias no corredor. Eu me adiantei e ouvi meu celular tocando. Era Mari.
— Ei, doida, está na faculdade ainda? — Ela perguntou. Já estava bêbada.
— Sim. — Olhei em volta enquanto me afastava do prédio.
— Está vindo para a ECA? — Ela se referia à Escola de Comunicação e Artes.
— Não, eu não vou à festa. — Reivindiquei.
— Nada disso, mocinha, você vem, sim! O que seu irmão diria se você perdesse a festa da equipe mais importante da faculdade? Além disso, hoje tem a apresentação do time de Pinheiros antes do começo dos treinos do torneio.
Quem ela pensa que é para usar a memória do meu irmão e meus sentimentos por ele para me arrastar para essas festas? Maldita Mari!
A verdade é que eu sou um lixo por não saber dizer não a ninguém. Qualquer um me pisa. E, se eu não aceitar ir, ela vai jogar na minha cara por dias que estou perdendo minha vida, minha juventude e "n" outras coisas que ela sabe que me martirizam.
Oh, céus. Eu preciso ter mais força de vontade.
Eu preciso ligar menos para o que pensam de mim. E é por isso que eu tenho que ir a esse inferno de festa: para que vejam que não me destruíram, que estou bem.
Fui andando até a maldita festa no gramado da ECA. Tocava uma música com letra tão profana que até Deus duvidava. Tinha bebida alcoólica espalhada pelo chão, um palco com luzes psicodélicas que se intensificavam conforme ia escurecendo, afinal a festa era à céu aberto.
Meu corpo é um templo. Mentira, eu já me perdi na bebida muitas vezes, por isso evitava me expor. Mesmo assim, fiquei horrorizada com o estado caótico ao qual chega o ser humano quando vi um rapaz caindo em cima de um cocô de cachorro.
Mari era uma garota bonita de longos cabelos ondulados e cheios que nunca usava calça comprida, somente saias e vestidos. Eu a admirava. Mas, ela me criticou por não estar usando uma saia curta e por ter vindo com mochila e com estojo na mão. Eu não sei por que Maria insistia tanto pela minha presença ali, devia achar que ia levantar minha moral me tirar do apartamento um pouco. Ou queria alguém que cuidasse dela quando estivesse caindo de bêbada.
O grupo de amigas de Mari não era tão tóxico, mas Amanda era um dos apêndices de alguma das amigas de Mari e acabou ressuscitando o assunto, dirigindo-se a mim no meio da roda.
— É sério que você foi esculachada pelo Tae? — Amanda indagou, já constatando.
— Não, amiga. — Respondi, já de braços cruzados, alfinetando-a por fingir amizade comigo. — Eu nunca me declarei para ele.
— Hannah está dizendo que Tae te deu um fora.
— Hannah nem estava lá... E, além disso, ela me odeia. — Murmurei. De fato, Hannah me odiava. Sempre achou que a morte do meu irmão tinha sido minha culpa, ela era namorada dele à época. — Não aconteceu nada disso que Hannah falou.
— Será mesmo? — Amanda debochou.
— Minha amiga não mente — Disse Mari. Pelo menos para isso a minha colega de apartamento servia.
Eu detestei aquele assunto jogado na roda, e revirei os olhos pelo fato de minha palavra não ser suficiente para convencê-las.
Quando olhei para o lado, vi a equipe de basquete chegando em direção ao palco onde outrora o DJ colocou uns funks para ouvirmos.
Euforia.
Esse era o momento pelo qual os rapazes treinavam todo o tempo: status. Os garotos da mulherada. Tae sabia que enlouquecia a multidão e ainda dava piscadinhas enquanto andava para deixar as meninas mais loucas. Se é que era possível.
Eles subiram no palco e a gritaria se estabeleceu.
O capitão da equipe, Matias, foi apresentando um a um os novos membros. Quando falaram o nome de Tae, as meninas começaram a gritar. Deixaram bem claro quem era o popular e queridinho do time.
Tae deu um leve sorriso e mordiscou o lábio, dando um tchauzinho em agradecimento à euforia das moças.
Matias continuou falando frases de motivação sobre como eles venceriam todos os campeonatos naquele ano e como tudo seria lindo. Um a um, todos falaram um pouco, até que Tae pegou o microfone.
— Queria agradecer a todos pela recepção incrível que tive, tanto na equipe quanto na universidade. Teremos grandes conquistas esse ano.
Mal se ouvia a voz dele no meio de tanta gritaria.
O mais ousado na plateia interrompeu o discurso:
— Tae, me deflore!
Houve risadas.
Tae não entendeu essa expressão, iria procurar no Google, mas riu e continuou:
— Eu não queria falar assim publicamente, mas, devido a alguns acontecimentos, não me resta escolha.
Tinha umas duzentas pessoas na festa. Quatrocentos ouvidos ficaram completamente grudados nas palavras de Tae naquele momento, inclusive os meus. Até desligaram a música.
— Queria dizer a todos que no começo da semana eu pedi uma garota em namoro... e ela aceitou.
Tae pegou uma das lanternas do palco e apontou-a na minha direção. Meu corpo se iluminou completamente.
— Diana é minha namorada.
Narração DianaTae entregou o microfone a alguém, reposicionou o holofote ao seu local de origem e desceu do palco. É claro que ninguém desgrudou os olhos dele. Eu estava completamente em choque depois de sentir aquela luz e todas as atenções sobre mim. Não movi um dedo, nem conseguia respirar. Ele veio andando em minha direção, cada passo dele provocava mil palpitações em meu peito. Tae pegou educadamente a minha mão e a beijou.Não se ouvia uma cigarra naquele momento.Seus olhos reluziram um brilho inexpressivo por baixo daqueles cabelos pretos.Tae sorriu. Tinha algo em seu doce sorriso que me fez duvidar de sua inocência. Não sei exatamente o que era. Não, n
NarradorShimin acordou sentindo o cheiro de ovos. Ele jamais imaginou que seu irmão prepararia uma saborosa refeição assim tão cedo, Tae tomava café na cafeteria apenas. Porém, quando chegou à cozinha, viu que Tae lia o jornal pacificamente enquanto a luz dourada da manhã entrava pela janela. Uma xícara de café liberava uma fumaça quentinha da caneca de Tae.— Você contratou outra empregada, Tae? — Shimin perguntou, vendo alguém no fogão, e sua voz fez Diana olhar para trás. As olheiras intensas de Diana fizeram Shimin dar quatro passos para trás — V... Você? O que Diana está fazendo no nosso apartamento a essa hora?— De onde a conhece? — Indagou Tae, levantando uma sobr
Narração DianaVoltamos à sala.Quando fui sentar em minha cadeira, Tae apontou com o indicador o espaço ao seu lado.Não. Ele não ia me fazer arrastar cadeira no meio da aula.Fingi que não entendi e virei para o quadro. O professor explicava a matéria sem nenhuma vontade de viver, assim como eu.Recebi uma mensagem no WhatsApp e já sabia quem era.Deus, faz ele parar.“senta aqui” Tae disse.“depois dessa aula eu troco a cadeira de lugar, por favor”
Narração DianaAssim que chegamos ao estacionamento do prédio, toda vez que alguém passava perto da gente no percurso até o apartamento dele, Tae segurava minha mão. Mas, era só ficarmos sozinhos que ele se afastava de mim e andava à frente.Tentei dar uma de maluca e escapar para meu apartamento quando chegamos ao nosso andar, o sétimo, mas Tae me puxou para o seu pelo braço.Quando entrei lá, vi que o apartamento estava impecavelmente organizado e limpo. Ele aparentemente tinha chamado a empregada ultimamente. Então, o que ele queria comigo?— Tire meu casaco. — Ele falou, seco, assim que fechou a porta. Bem, se eu não reivindicasse muito, talvez ele parasse de ter ideias mir
Narração DianaSim, eu agora sou parte da equipe.Sou eu quem apita o início do treinamento e o fim. Claro que não é toda vez, e que trabalho com as assistentes mais velhas, de outros anos. Todas são de cursos diferentes, e são as maiores fãs da equipe. Dizem que as assistentes têm mais amor à camisa que os jogadores.Fiz amizade com Julieta, uma garota fofa, baixinha e simpática que me ensinou tudo, inclusive procedimentos básicos de massagem e todas passamos por um cursinho de primeiros-socorros. As listas de telefones estavam sempre disponíveis e fomos instruídas sobre como e quando ligar para a polícia, SAMU, dedetização e etc.O treinamento de combate a inc&
Shimin deu um pulo de dois metros depois de derramar o chá quente em sua próprioa perna, e eu peguei um pano para ajudá-lo a limpar e minimizar as dores.— Soobin está aqui? — Shimin murmurou, ignorando a dor da queimadura, enquanto eu pressionava o pano de prato insistentemente contra sua perna.— Sim. Eles discutiram no vestiário, eu soube. — Claro que eu não diria que ouvi tudo de fofoqueira que sou.— Sabe, ele é um primo de Tae. Eles eram muito próximos quando eram mais novos, mas... Por algum motivo se estranharam depois de adultos.Como assim por algum motivo? Esclareça melhor isso aí.— Sinto muito. — Falei,
NarradorTae ficou no corredor por um bom tempo, pensando. Diana estava muito esguia, provavelmente ficou bem magoada com ele.Todas as vezes em que ele fazia algo que a magoava, sentia-se momentaneamente saciado, e péssimo no segundo seguinte.E não mudava de atitude.O celular dele apitou. Mensagem de um número desconhecido em coreano: só podia ser Soobin.Certeza."Que saudades, primo. Estou grato à minha tia por me dar seu número. Vamos combinar de sair. Mande um abraço para Shimin."Tae entrou em seu apartamento e fechou a porta com tanta força que a janela tremeu. Bufava.
Narração DianaSoobin não me respondia desde o fora federal que dei nele ontem. Ficou dois dias sem aparecer no treino e eu fiquei preocupada com isso.Peso na consciência.Eu não podia dissolver a equipe assim. Meu trabalho era fortalecer os laços deles e contribuir para que a equipe ficasse mais unida.Sou uma péssima assistente.Mais uma vez olhei a nossa conversa e fiquei péssima. Talvez eu devesse ter abordado a situação de outra forma. Quer dizer, o que ele estava fazendo era errado. Mas, talvez, eu devesse neutralizá-lo em vez de agredi-lo com palavras, não sei.Estávamos na aula de desenho ge