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6. A Primeira Discussão

Narrador

Shimin acordou sentindo o cheiro de ovos. Ele jamais imaginou que seu irmão prepararia uma saborosa refeição assim tão cedo, Tae tomava café na cafeteria apenas. Porém, quando chegou à cozinha, viu que Tae lia o jornal pacificamente enquanto a luz dourada da manhã entrava pela janela. Uma xícara de café liberava uma fumaça quentinha da caneca de Tae.

— Você contratou outra empregada, Tae? — Shimin perguntou, vendo alguém no fogão, e sua voz fez Diana olhar para trás. As olheiras intensas de Diana fizeram Shimin dar quatro passos para trás — V... Você? O que Diana está fazendo no nosso apartamento a essa hora?

— De onde a conhece? — Indagou Tae, levantando uma sobrancelha, indignado.

— Ela é nossa vizinha. — Shimin apontou para o apartamento ao lado.

— Eu sei disso, mas como você sabe disso? — Tae não gostou.

— Como eu não saberia? — Shimin achou melhor se sentar e tomar um gole de café enquanto lhe explicavam a atual conjuntura. — Foi muita bondade sua fazer nosso café da manhã, Di...

— Sem conversinhas. — Disse Tae, sem desgrudar os olhos do jornal. Todo dia aprendia palavras novas por meio das notícias. — Diana agora é minha namorada e somente eu posso falar com ela.

— Isso é ridículo. — Shimin quase deu dois mortais para trás. — Só porque ela é sua namorada ninguém pode falar com ela?

— É. — Tae falou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

— Diana, você concorda com isso? — Shimin perguntou, metendo o dedo indicador na mesa.

— Sim. — Diana se virou, respondeu mecanicamente e finalmente colocou os pratos na mesa. Ovos com gema mole. Tae abriu um lindo sorriso, da mais pura alegria, enquanto Shimin parecia estar vendo uma fratura exposta.

— Isso é inconcebível! — disse Shimin, em coreano. — Sua mãe vai saber disso!

— Não se meta. — Tae respondeu em coreano, levantou-se da cadeira e colocou seus jornais sobre a mesa, mostrando que a discussão chegou a um novo nível.

— Essa situação já passou dos limites, Kim Tae! Você está doente e precisa se tratar.

— Está com inveja de mim porque eu tenho uma namorada.

Shimin colou o rosto ao de Tae, que permanecia impassível e arrogante, erguendo uma sobrancelha.

Vai se foder! — Shimin virou as costas e foi embora. Apesar de muito amoroso e atencioso, o mais velho tinha muito firme sua noção de certo e errado e lutava pelas suas certezas até o fim. Ele era incorruptível.

— O que discutiram? — Perguntou Diana, tirando o avental.

— Besteiras. — Tae murmurou e sentou-se à mesa novamente. — Sente-se e coma comigo.

Diana assentiu. Estava seguindo a cartilha corretamente porque queria ver como seria o dia seguinte. Só de pensar em parar com o bullying já lhe dava alegria de viver.

Narração Diana

Eu me sentei à mesa.

Até agora foi simples: lavar a louça e fazer ovos fritos e café. Se fosse sempre assim eu estava no lucro, dependendo da performance dele. Eu estava cumprindo minha parte e esperava que Tae fizesse a dele.

Porém, infelizmente eu vou passar o dia todo com ele na faculdade, o que vai permitir que ele me faça um zilhão de pedidos toda vez que ficarmos a sós.

Ignorei completamente a discussão dele com Shimin, porque não entendi nada. Tae pegou seu jornal e voltou a lê-lo, desprezando o surto do irmão, também.

Eu bugava algumas vezes, tentando entender o esquema de Tae. Peguei o garfo e olhei para ele, esperando sua aprovação. Ele assentiu e eu comi os ovos. Coloquei a mão na xícara de café e ele assentiu novamente. Daí eu bebi.

— Isso é muito chato. — Falei. — Não é possível que eu tenha que pedir permissão para tudo.

— Tem razão. — Ele murmurou, colocando o jornal ao lado — Se continuar assim, vou me apaixonar por você rápido demais.

Eu me engasguei com o café naquele momento. Então era isso? Ele queria ser idolatrado, mesmo?

— Eu já fiz três coisas por você. — Falei ao me restabelecer do engasgamento, enquanto Tae nem tirou o rosto da xícara me ouvindo morrer ali. — E você só fez uma por mim.

— Que três coisas você fez? — Ele perguntou, indignado.

— Beijei sua mão... Fui dormir na hora que você mandou... E vim fazer seus ovos.

— Foi dormir na hora que eu mandei? — Tae riu, sarcasticamente. — Você foi dormir 1:06 da manhã de acordo com sua última visualização no WhatsApp. Eu te mandei dormir meia noite e dez. Você não me obedeceu. — Ele estava irritado.

— Então são duas coisas. E você só fez uma por mim.

— Que valem por 10. Tive que falar que você é minha namorada na frente da faculdade inteira. Você me deve o ano inteiro de cafés da manhã.

— Sou assim tão feia e desengonçada a ponto de isso ser um sacrifício para você?

Ele voltou a ler o jornal, ignorando minha reivindicação.

— Já chega. — Eu me levantei da cadeira e joguei o guardanapo na mesa. — Esqueça o acordo.

Peguei minha mochila e abri a porta do apartamento dele. Não ligo para mais nada.

— Diana, volte aqui imediatamente! Eu não permito que você saia! — Tae apontava para o chão, como um dono quando ordena ao cachorro que fique junto. — Todos vão saber a verdade!

— Assim você me poupa o trabalho. — Falei enquanto fechava a porta.

Por que eu passei o caminho todo me sentindo a errada da história toda? Eu queria tanto me amar mais. Fui de ônibus para a faculdade. Claro que quando eu cheguei lá, Tae já havia chegado, afinal ele tinha um Fiat Toro. Mas, ele dormia no fundo da sala, para variar. Ignorante.

Nosso trato estava acabado e, para mim, podia cair um raio na cabeça coreana dele.

Fiquei o dia inteiro focada nos estudos. Na hora do almoço, as líderes de torcida me chamaram para comer, o que era estranho. Ninguém me chamava para comer.

Amanda, Hannah, e outras loiras que pareciam as paquitas tinham muita vontade de comer comigo e me perguntar tudo sobre Tae. No começo, foram bem simpáticas.

— Achei linda a declaração dele. — Disse Mel, referindo-se ao dia em que Tae falou do nosso namoro no meio da festa.

— Eu também. Acho que estaria morrendo de amores até agora. — Disse Luana.

— Desculpe ter parado de ir te ver na sua sala. — Disse Amanda, sorrindo amigavelmente. — Irei lá mais vezes.

— Estou tão feliz que vocês estão namorando, vocês combinam tanto! — Disse Hannah. — Desculpe ter te tratado mal todo esse tempo. Você nunca me fez nada, eu que fui rancorosa.

A igreja aplaude de pé. Um milagre aconteceu e Deus tocou no coração de Hannah. Vou até jogar na Mega Sena, pois estou com sorte hoje.

— Tudo bem. — Falei. Não, não estava nada bem, mas eu que não ia bancar a rancorosa. Almoçamos na cantina. As meninas comiam somente alface, e eu, tonta, para bancar a fina, comi só alface também.

Não deu dez minutos depois disso e eu já estava matando cachorro a gritos de tanta fome. Voltei para a minha sala. Aula de Álgebra Linear. Tae estava na porta da classe, como um vigia, com cara de poucos amigos, como sempre. Passei direto.

— Não ouse. — Ele falou, segurando a minha mão.

Olhei para ele como se fosse uma sujeira em meu sapato.

— Pensei que ia falar a verdade para todo mundo. Por que não o fez? — Perguntei, já com as ferraduras alinhadas.

— Eu perdoo sua rebeldia.— Ele disse. — Mas, você vai lavar minhas roupas com Vanish Crystal White.

— Eu já falei que não! — Minha voz saiu um pouco mais alta e Tae ficou inconformado com minha rebeldia.

— Então é assim? Você me usa dessa forma e agora quer cair fora? — Tae murmurou baixo e ameaçadoramente.

— Eu te usei? — Coloquei as mãos nas cadeiras. — Já chega, isso vai acabar. Escutem, todos! — Comecei a chamar a atenção de qualquer alma viva que passasse pelo corredor. — Vocês precisam saber! Tae e eu, na verdade....

Tae ficou sem reação. No impulso, para me calar, segurou meu rosto e selou meus lábios com um beijo de final de filme. Tenho certeza que as folhas das árvores rodopiaram ao nosso redor nesse momento e que tudo passava acelerado enquanto nós estávamos em câmera lenta. As pessoas ficaram olhando, extasiadas.

Até que o professor passou e viu a cena.

— Vocês vão ganhar falta. — Murmurou ele e entrou na sala, sendo seguido pelos alunos. Mas, o burburinho não acabou.

Nossos lábios se separaram, e foi doloroso para mim. Os lábios dele eram tão doces e macios, tão lisos que eu continuei com os meus entreabertos depois que nos afastamos. Fiquei muda, inconsolável.

Só se falava do beijo, e isso me despertou do transe.

— Você viu? Tae está completamente apaixonado pela Diana. — As pessoas comentavam.

— É verdade que eles vão se casar?

— Ela está grávida?

Tae não estava nem um pouco orgulhoso da atitude que tomou. Eu fiquei sem fôlego. Não foi meu primeiro beijo, mas com certeza foi o melhor de todos. Sim, já fui iludida no passado outras vezes, mas agora eu estava completamente prostrada por aquela pessoa.

Meu coração ficou quente e gelado ao mesmo tempo. As mãos dele seguraram meus ombros.

— Vai continuar tentando nos sabotar? — Ele perguntou. Eu estava sem reação, sem argumentos. — Não quer mais meus beijos? Nunca mais?

Eu precisava urgentemente organizar as minhas ideias. O beijo dele foi tão bom e me deixou tão extasiada e enlouquecida de amor que eu esqueci o motivo pelo qual desisti do plano.

— Que casal lindo. — Disseram. Quem via pensava mesmo que estávamos trocando carinhos.

— Ai, como eu queria ser amada assim! — Disseram. Diziam muitas coisas.

E eu estava adorando ser considerada a namorada dele. Eu não queria perder isso.

Eu aceito.

Aceito as migalhas.

Aceito ser a cachorrinha dele. Por quanto eu puder beijá-lo... e ficar perto dele...

Naquele momento estava decidido que eu faria qualquer coisa por aqueles lábios, até abrir mão do meu amor próprio e das minhas vontades.

Ainda que ele não sinta nem uma gota de sentimento por mim.

Ainda que ele me beije e não sinta nada.

Ainda que eu seja só um capricho.

Eu preciso de você, Tae.

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