Os pontos luminosos piscavam em cores. À minha frente, na superfície interativa de led, os pixels se reacomodavam quando eu os tocava. A mesa em formato de arco havia sido designada especialmente para mim, abraçava meu entorno, permitindo que eu me dedicasse a mais de uma tarefa por vez.
Não havia ninguém no meu escritório além de mim, portanto me permiti recostar, deselegante, em minha cadeira. Geralmente, desfazer-me da costumeira compostura me deixava mais tensa do que permanecer numa posição circunspecta, mas, por ordens médicas, eu fazia um esforço para relaxar.
Às vezes é preciso ceder à pressão, eu mantinha em mente. Seguir o fluxo também é diligenciar.
Ao menos era o que meu clínico dizia, e por mais que eu achasse isso uma tolice, tentava me fazer convencida. "Clínico", pois a palavra "t
— Você está bem?A mera intenção de me mover provocava pontadas doloridas.— Não sei ainda — resmungou Benjamin.Ao menos ele estava consciente e capaz de falar. O rapaz tateou o cinto à altura da coxa e da cintura, tentando se soltar. Tive que auxiliá-lo, pois que ele mal virava o pescoço para ver o que estava fazendo. Uma vez livre das amarras, Benjamin se pôs a engatinhar, testando seus movimentos.— Conseguimos! — comemorou. — Não acredito que conseguimos! — Tentei fazer o mesmo que ele e, assim que me coloquei sentado, senti uma dor aguda no ombro. — Seu braço… está sangrando.O ferimento não parecia grave, mas manchava de vermelho minha camisa e a alça da mochila.Tudo com o que eu me importava agora era em me manter longe dos guardas. Naquela cidade onde tudo era monitorado, Delos com c
Eu já não conseguia mais sentir como se estivesse perdendo o controle da situação. Não vinha tendo controle sobre nada há algum tempo. A sensação que perdurava era de tragédia inelutável.Alve resmungou algumas palavras de indulgência, o que não me ajudaria a combater o sorrateiro sentimento de culpa que provavelmente adviria assim que eu conseguisse assimilar com clareza tudo o que acabara de acontecer.Agora éramos nós três no abrigo. Ao que parecia, tudo o que nos restava era — mais uma vez — as incertezas do que poderia ocorrer em seguida. Esse tipo de transtorno já era tão familiar que começava a parecer imponderável.Pensando bem, um elemento havia sido adicionado a essa equação. Sofrêramos uma perda que não podia ser revertida, e isso causava impacto na maneira como eu lidava com toda a s
Passar a noite num abrigo subterrâneo era uma experiência única. A ausência de janelas e de incidência de luz solar fazia com que os dias parecessem intermináveis. Por conta disso, fiquei mais tempo que o habitual na cama, tentando convencer meu corpo de que já era hora de se levantar. Olhava para o teto liso buscando uma velha e conhecida mancha, a mariposa pintada com giz de cera no cal, sabendo que ela nunca estaria lá.Havia, contudo, o que eu poderia chamar de borboletas no meu estômago. Talvez fosse fome, ou efeito da conversa da noite passada; ou, ainda, a lembrança sempre insistente do que havia acontecido naquele terraço.Alve, que já tinha se levantado há algum tempo, deu duas batidas na porta e meteu a cabeça para dentro do quarto. Disse, de boca cheia, que havia posto a mesa para o café da manhã. Concordei em acompanhá-lo, aproveitando o incenti
Voltei a descer as escadas, um degrau por vez, enquanto o alçapão se fechava sobre minha cabeça. Benjamin retornava da cozinha, e Alve estava ajoelhado no chão diante da caixa enquanto a abria. Os dois me olharam inquisitivamente. Meu semblante já transmitia por si só que alguma coisa bem ruim acabara de ocorrer. Emendei um breve instante de silêncio com a declaração mais honesta que eu poderia fazer nesse momento:— Não podemos confiar nela.Benjamin cruzou os braços.— Isso tem alguma coisa a ver com aquela cara de assustada que ela fez quando comentamos sobre Delos? — ele quis saber.Sacudi a cabeça.— Você percebeu também?— Foi impossível não perceber — disse Alve, voltando a mexer na caixa.— O que foi mesmo que aquele sujeito disse a você, Simas?Suspirei, esfregand
Com um último sopro de prazer, deixamos nossos corpos tombarem pesados sobre o colchão. As cobertas desarrumadas se entrelaçavam por nossas pernas e braços. Era êxtase novamente, mais um de nossos encontros no fim do expediente. O ambiente cheirava a suor e incenso.Não era surpresa para ninguém o quanto eu admirava a Magister, motivos para isso não faltavam. De quando em quando, gostávamos que nossa relação fosse mais do que profissional. Todos precisávamos de alguma satisfação na vida, e Scylla definitivamente não pensava como os radicais, que se privavam de sexo fácil por razões esdrúxulas.É claro que eu não era o único. Sabia que ela só me dera uma chance, anos atrás, por eu ser o jovem mais solícito. Em nossos momentos mais íntimos, eu gostava de imaginar que meu fascínio por ela era r
— Essa imagem deve ser falsa! É possível falsificar uma foto, não é?Primeiro pensei que aquela mulher na fotografia pudesse ser apenas alguém muito parecido com minha mãe, mas seu nome estava escrito em caixa-alta na margem inferior da tela: Ágda Margon; essa era a razão por que Benjamin vinha hesitando tanto.— Posso estudar a imagem para tentar descobrir se foi alterada, mas… Simas, se for verdadeira…— Não pode ser — interpelou Alve. Ele estava tão surpreso quanto eu. — A mãe do Simas nunca esteve no Núcleo.Eu mal conseguia desviar a atenção da tela. Apesar das inconsistências, aquela era sem dúvida minha mãe. Estava um pouco diferente, mais magra e com a pele bem cuidada — ou talvez seu rosto apenas se iluminasse com aquele sorriso; seus olhos quase fechados e o queixo levemente ergui
A surpresa veio logo pela manhã. Acordei com alguém sacudindo meu ombro. Meu coração disparou com o susto.— Simas, desculpe acordá-lo assim outra vez — disse Benjamin. Ele tentava manter o tom de voz baixo, mas falava com urgência. Sacudi a cabeça, desorientado, e consegui apenas identificar o semblante aturdido em seu rosto. — Acordei cedo para voltar a procurar no computador…— Descobriu mais alguma coisa? — perguntei, despertando instantaneamente.— Acho… acho que sim.O abrigo continuava gelado, Benjamin devia ter desligado o aquecedor de novo. Coloquei-me de pé, levando apenas um instante para me equilibrar, e segui Benjamin a passos largos até a sala. O cômodo estava bem mais iluminado do que na noite passada.Alve também parecia ter acabado de despertar, tinha uma das coxas envolvida pelo cobertor, os cabelos ruivos c
Lágrimas se formaram nos meus olhos, mas se mantiveram lá sem cair. Alve e Benjamin continuavam falando, fazendo conjecturas, tentando chegar a uma conclusão. Mas eu já entendia tudo: toda minha família estava em perigo. Ou pelo menos o que havia restado dela.A confirmação veio de um modo que eu jamais teria esperado. Uma música orquestral começou a tocar na sala do abrigo, vindo das caixas de som no teto; seu volume subiu num crescendo, provocando um efeito arrebatador. Parecia um hino. Na tela circular, um modelo 3D do símbolo da Colmeia girava e piscava em cores chamativas.— O que está acontecendo?Benjamin levantou a sobrancelha, tão surpreso quanto eu:— É um pronunciamento público…Ele levantou a mão no ar, pensando duas vezes antes de apontar para o símbolo na tela. O hino foi reduzido até se tornar um s