Na manhã seguinte levantei e fui diretamente ao quarto de Anya. Já passava das 10 horas e ela ainda estava deitada e roncava feito um trator.- Anya? – Chamei com tom de voz alto e ela sequer deu sinal de vida.Abaixei-me e a empurrei com força, movendo-a de um lado para o outro. Anya abriu os olhos e logo os fechou novamente, o odor de álcool chegando até mim.Vi a garrafa vazia ao seu lado e não era de uísque. Vodca, pura, provavelmente tomada no gargalo. Como ela conseguia, no auge dos seus mais de 70 anos ou quase isso?Como aquela mulher bebia tudo aquilo e seguia ali, viva, enquanto meu pai esperava na fila de transplante por um rim?Eu precisava saber sobre o bebê que Salma teve. O que ela havia feito do filho ou filha? Teria deixado num orfanato? Dado para alguém criá-lo com dignidade, longe dos Hernandez ou teria entregue a criança à Anya, a mulher que destruiu a vida de todos os filhos?Afinal, teria Salma realmente tido a criança?Se Salma tivesse dado a luz a um filho e en
- Qual o seu nome, bebê?Ele me olhou e continuou chorando. Comecei a balançá-lo e perguntar em ritmo musical:- Qual seu nome, bebê?Ele começou a rir, ainda com as lágrimas escorrendo pelo rosto, incerto sobre como reagir. Passei a rir também e pular com ele pela casa, pegando a mãozinha pequena e macia, cantarolando as possibilidades de nome que ele poderia ter.Depois de uns quinze minutos dançando feito uma doida, fui procurar algo para lhe dar de comer. Dentre as poucas coisas que havia na despensa, optei pelo leite.Eu era uma babá de graça para Daltro, que trabalhava enquanto eu cuidava da criança que era sua responsabilidade.Suspirei e toquei o rosto, ainda ardido da bofetada. Ele pagaria pelo que fez. E o preço seria caro. Ficou nítido que ele sabia que eu estava ali somente para infernizá-los. E não estava disposta a voltar para casa. Já havia aguentado um bom tempo. Agora era só esperar o “grand finale”: pegar meu dinheiro de volta, já que ninguém o havia gastado, saber a
Despertei com a porta do quarto abrindo, arrastando no chão desnivelado, fazendo um som infernal. Abri os olhos com dificuldade, ainda sonolenta. Sentei rapidamente ao ver o rosto de Daltro.Ele pôs o bebê sobre a minha cama e disse, com a voz aterrorizante e que me amedrontava sempre:- Cuide do bebê. Preciso trabalhar.- Que horas você volta?- Tem compromisso? – perguntou ironicamente – Voltar para seu castelo encantado com um carro cor de rosa na garagem?- Aqui é o meu castelo. – Debochei.- O que quer, afinal?- Quero saber o que foi feito do dinheiro que lhes dei.- Não é problema seu.- Quero saber onde está o seu irmão caçula, filho de Breno.- Não lhe diz respeito.- Quero saber quem é a família do bebê.- Ouvi dizer que ele tem o mesmo sangue que você. E que corre o risco de ser sua única herança Hernandez depois da morte da “vovó Anya”. – Debochou.- Me diga a verdade.- Você daria uma boa detetive. Pena que é idiota... E mulher.- Não sua concepção machista, mulheres não
- Bebê? – Gritei, em pânico, mas ele não dava nenhum sinal.O coraçãozinho batia acelerado. A respiração começava a ficar ainda mais ofegante. E as pálpebras se fecharam por completo.Saí correndo pelo corredor estreito, passando pela sala, abrindo a porta, sem tempo sequer de fechá-la. Corri pela rua e olhei a casa de Daltro ao final da rua. Já havia anoitecido. Certamente ele já tinha voltado da Delegacia.Segui com a criança nua nos braços, não conseguindo conter o choro, até chegar na residência. Abri o portão pequeno, que rangeu e adentrei na pequena varanda, com o chão de madeira grossa, nobre, brilhante de cera vermelha, talvez passada há pouco tempo, pois ainda tinha cheiro. O teto era muito alto, certamente o pé direito na parte de dentro da casa era duplo, devido ao telhado em formato triangular, com telhas individuais, escuras, de bom gosto, não destoando com a estética da casa.As paredes eram em madeira firme e lisa e estavam pregadas na horizontal. Embora a pintura não e
- Sinceramente, esperava que você fosse um pouco mais fácil.- De ser enrolada?- De se entregar a mim... De corpo... E alma. – Riu debochadamente.Engoli em seco e sentei-me no sofá branco claríssimo, sem nenhuma mancha ou vestígio de sujeira.- O que houve com Zeus? – Maíra retornou, vindo do andar de baixo, que ficava oculto para quem via a casa de fora. Trazia no colo a criança.- Zeus? – Olhei-a, confusa.- Meu filho.- Zeus? Ele é só uma criança! Como fizeram isso com ele? – Perguntei, incrédula.Quem tinha coragem de botar o nome de um recém-nascido de Zeus? Era preferível que tivessem o chamado simplesmente “Bebê” pela vida inteira.- O que houve com meu filho? O que você fez com ele?- O que “eu” fiz com ele? Você... Deixou seu filho naquela casa horrível, aos cuidados de qualquer pessoa... – Observei a criança no colo dela, parecendo melhor – Eu nunca cuidei de um bebê na vida. Como pôde fazer isso com seu próprio filho, um bebê?Ela tocou a testa da criança, que ainda se re
- Expliquei que ela me mantinha prisioneira. Havia me dado um tiro no pé e cegado meu olho com um pedrada. Mostrei o que fez com meus cabelos... E expus a forma como me tratava, enchendo-me de remédios e bebidas para amenizar a dor... Como pôde, filha de Salma? Minha neta, sangue do meu sangue... – ela começou a chorar – Tratar sua própria avó, idosa, deste jeito!- Você... É louca... Doente. – Não me contive.Ela riu:- Acreditaram em mim. Não sou convincente? – Olhou para Daltro.- Quem são vocês? – Perguntei, sentando-me no sofá, deixando meu corpo praticamente cair, incapaz de dar um passo sequer, de tanto que minhas pernas tremiam.- Foi Theo quem denunciou. – Hades afirmou – Ele deve saber tudo que acontece com a irmã amante aqui neste lugar. – Me olhou, querendo uma resposta.- E não foi no meu distrito. Fez a denúncia em outro.- Assim como fizeram a denúncia de maus-tratos contra as pestinhas. – Anya me olhou, tentando chegar na sala, a bengala deslizando no chão, fazendo um
Demorei a sair, encurtando os passos, esperando ouvir a resposta que ela daria.- Foda-se! Vocês são um bando de filhos da puta! – Foi o que ela disse.Era suficiente para mim. Ficar mais um minuto sequer dentro daquela casa me deixaria doente. Bati a porta e me fui pela estrada, em direção à “casa monstro”, incerta sobre o que fazer primeiro.Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e não sabia se era por tristeza de tudo que Anya foi capaz de fazer com a própria família ou felicidade por aquilo estar encerrado e eu poder finalmente voltar para casa e ver meus pais.Não importava quanto tempo eu passasse ali. Eu não era uma Hernandez. E jamais seria.Assim que me aproximei da casa, avistei o Tesla de Theo estacionado em frente. Comecei a correr, entrando no quintal sem me preocupar com o matagal que machucava minhas pernas.Lá estava ele, parado na varanda, em frente à porta. Assim que me avistou, correu na minha direção, o nosso encontro ocorrendo no meio do caminho.O abracei co
- Está nos sequestrando? – Perguntei, aturdida.- Por que não? – Riu, com escárnio.- Hades, você não faria isso. – Theo arriscou.Hades retirou uma arma detrás da cintura e olhou-a, despreocupadamente:- Sabia que Maria Lua me beijou?Theo me encarou, tentando falar de forma tranquila:- Se foi naquela vez... Ela me contou.- Eu poderia ter dormido com ela, como qualquer outro.- Mas não dormiu. – Theo afirmou.- Sempre foi uma vagabunda, como a mãe. – Hades me olhou.- Salma tentou ajudá-los... Da forma como pôde. Anya não deixou o dinheiro chegar a todos. Mas você foi um privilegiado, pelo que percebi. E tudo por conta da sua irmã.- Isso é loucura! – Theo pôs as mãos na cabeça – Precisamos encerrar isto de uma vez por todas, por favor. Eu sei que... Vocês não pensam em atirar em nenhum de nós, não é mesmo? – Puxou-me em sua direção, pondo-me para trás, tentando me proteger com o próprio corpo.Talvez eu devesse ter medo de Hades e Daltro. Mas eu não tinha. Não que duvidasse do que