No dia seguinte, liguei para meu pai. Precisava ouvir a voz dele e Babi ou não aguentaria mais. Ficar ali somente com Anya e sem as meninas era entediante. Sem contar que em nada me ajudava no plano, já que a matriarca não era a cabeça dos Hernandez, pelo visto.Não tinha o que fazer a não ser esperar e esperar. E o tempo passava, e eu a maior parte dele lendo os diários e descobrindo quem foi Salma Hernandez, praticamente trancada dia e noite no quarto.- Oi, pai.- Tentei ligar para você inúmeras vezes. E não atendeu.- Não recebi as chamadas, pai. – Achei estranho.- Já faz um tempo que partiu. Quando pretende vir nos visitar?- Em breve, juro.- E será uma visita ou posso esperar seu retorno oficial para casa?Mordi o lábio, confusa:- Eu... Estou estudando, pai.Ouvi o suspiro dele do outro lado da linha:- Sabe que amo você, não é mesmo?- Sim.- E que nada, repito: “nada” do que fizer, poderá esconder de mim.Meu coração acelerou e senti um frio na barriga:- Não sei... Do que
Assim que encerrei a ligação, fiquei incerta sobre o que sabiam ou não. Passei toda minha vida ao lado deles. Mal saía para viajar sozinha, só se fossem lugares próximos, que não exigiam muito tempo longe. Sequer tive coragem de morar no apartamento que me deram, para não deixá-los. Claro que eu dependia muito mais deles emocionalmente do que eles de mim. Por isso a decisão de ir morar em Noriah Sul por um tempo me abriu a possibilidade de independência, mesmo que tivesse Theo. Aliás, só aceitei ir porque ele me acolheria. Porque eu era dependente e viciada nos Casanova.Ou seja, eles me conheciam perfeitamente, talvez mais do que eu conhecia a mim mesma.Voltei para os diários, que relatavam abuso sexual e psicológico de Breno contra Salma Hernandez. Na primeira vez ela tinha de 13 para 14 anos e foi em sua cama, no mesmo quarto onde ela dormia junto dos irmãos. Ele a havia tocado sob as cobertas, tapando sua boca, impedindo-a de gritar ou pedir por ajuda.Depois disso houveram outra
Na manhã seguinte levantei e fui diretamente ao quarto de Anya. Já passava das 10 horas e ela ainda estava deitada e roncava feito um trator.- Anya? – Chamei com tom de voz alto e ela sequer deu sinal de vida.Abaixei-me e a empurrei com força, movendo-a de um lado para o outro. Anya abriu os olhos e logo os fechou novamente, o odor de álcool chegando até mim.Vi a garrafa vazia ao seu lado e não era de uísque. Vodca, pura, provavelmente tomada no gargalo. Como ela conseguia, no auge dos seus mais de 70 anos ou quase isso?Como aquela mulher bebia tudo aquilo e seguia ali, viva, enquanto meu pai esperava na fila de transplante por um rim?Eu precisava saber sobre o bebê que Salma teve. O que ela havia feito do filho ou filha? Teria deixado num orfanato? Dado para alguém criá-lo com dignidade, longe dos Hernandez ou teria entregue a criança à Anya, a mulher que destruiu a vida de todos os filhos?Afinal, teria Salma realmente tido a criança?Se Salma tivesse dado a luz a um filho e en
- Qual o seu nome, bebê?Ele me olhou e continuou chorando. Comecei a balançá-lo e perguntar em ritmo musical:- Qual seu nome, bebê?Ele começou a rir, ainda com as lágrimas escorrendo pelo rosto, incerto sobre como reagir. Passei a rir também e pular com ele pela casa, pegando a mãozinha pequena e macia, cantarolando as possibilidades de nome que ele poderia ter.Depois de uns quinze minutos dançando feito uma doida, fui procurar algo para lhe dar de comer. Dentre as poucas coisas que havia na despensa, optei pelo leite.Eu era uma babá de graça para Daltro, que trabalhava enquanto eu cuidava da criança que era sua responsabilidade.Suspirei e toquei o rosto, ainda ardido da bofetada. Ele pagaria pelo que fez. E o preço seria caro. Ficou nítido que ele sabia que eu estava ali somente para infernizá-los. E não estava disposta a voltar para casa. Já havia aguentado um bom tempo. Agora era só esperar o “grand finale”: pegar meu dinheiro de volta, já que ninguém o havia gastado, saber a
Despertei com a porta do quarto abrindo, arrastando no chão desnivelado, fazendo um som infernal. Abri os olhos com dificuldade, ainda sonolenta. Sentei rapidamente ao ver o rosto de Daltro.Ele pôs o bebê sobre a minha cama e disse, com a voz aterrorizante e que me amedrontava sempre:- Cuide do bebê. Preciso trabalhar.- Que horas você volta?- Tem compromisso? – perguntou ironicamente – Voltar para seu castelo encantado com um carro cor de rosa na garagem?- Aqui é o meu castelo. – Debochei.- O que quer, afinal?- Quero saber o que foi feito do dinheiro que lhes dei.- Não é problema seu.- Quero saber onde está o seu irmão caçula, filho de Breno.- Não lhe diz respeito.- Quero saber quem é a família do bebê.- Ouvi dizer que ele tem o mesmo sangue que você. E que corre o risco de ser sua única herança Hernandez depois da morte da “vovó Anya”. – Debochou.- Me diga a verdade.- Você daria uma boa detetive. Pena que é idiota... E mulher.- Não sua concepção machista, mulheres não
- Bebê? – Gritei, em pânico, mas ele não dava nenhum sinal.O coraçãozinho batia acelerado. A respiração começava a ficar ainda mais ofegante. E as pálpebras se fecharam por completo.Saí correndo pelo corredor estreito, passando pela sala, abrindo a porta, sem tempo sequer de fechá-la. Corri pela rua e olhei a casa de Daltro ao final da rua. Já havia anoitecido. Certamente ele já tinha voltado da Delegacia.Segui com a criança nua nos braços, não conseguindo conter o choro, até chegar na residência. Abri o portão pequeno, que rangeu e adentrei na pequena varanda, com o chão de madeira grossa, nobre, brilhante de cera vermelha, talvez passada há pouco tempo, pois ainda tinha cheiro. O teto era muito alto, certamente o pé direito na parte de dentro da casa era duplo, devido ao telhado em formato triangular, com telhas individuais, escuras, de bom gosto, não destoando com a estética da casa.As paredes eram em madeira firme e lisa e estavam pregadas na horizontal. Embora a pintura não e
- Sinceramente, esperava que você fosse um pouco mais fácil.- De ser enrolada?- De se entregar a mim... De corpo... E alma. – Riu debochadamente.Engoli em seco e sentei-me no sofá branco claríssimo, sem nenhuma mancha ou vestígio de sujeira.- O que houve com Zeus? – Maíra retornou, vindo do andar de baixo, que ficava oculto para quem via a casa de fora. Trazia no colo a criança.- Zeus? – Olhei-a, confusa.- Meu filho.- Zeus? Ele é só uma criança! Como fizeram isso com ele? – Perguntei, incrédula.Quem tinha coragem de botar o nome de um recém-nascido de Zeus? Era preferível que tivessem o chamado simplesmente “Bebê” pela vida inteira.- O que houve com meu filho? O que você fez com ele?- O que “eu” fiz com ele? Você... Deixou seu filho naquela casa horrível, aos cuidados de qualquer pessoa... – Observei a criança no colo dela, parecendo melhor – Eu nunca cuidei de um bebê na vida. Como pôde fazer isso com seu próprio filho, um bebê?Ela tocou a testa da criança, que ainda se re
- Expliquei que ela me mantinha prisioneira. Havia me dado um tiro no pé e cegado meu olho com um pedrada. Mostrei o que fez com meus cabelos... E expus a forma como me tratava, enchendo-me de remédios e bebidas para amenizar a dor... Como pôde, filha de Salma? Minha neta, sangue do meu sangue... – ela começou a chorar – Tratar sua própria avó, idosa, deste jeito!- Você... É louca... Doente. – Não me contive.Ela riu:- Acreditaram em mim. Não sou convincente? – Olhou para Daltro.- Quem são vocês? – Perguntei, sentando-me no sofá, deixando meu corpo praticamente cair, incapaz de dar um passo sequer, de tanto que minhas pernas tremiam.- Foi Theo quem denunciou. – Hades afirmou – Ele deve saber tudo que acontece com a irmã amante aqui neste lugar. – Me olhou, querendo uma resposta.- E não foi no meu distrito. Fez a denúncia em outro.- Assim como fizeram a denúncia de maus-tratos contra as pestinhas. – Anya me olhou, tentando chegar na sala, a bengala deslizando no chão, fazendo um