Quando eu era criança, poucos dos meus colegas falavam comigo, boa parte deles dizia que andar comigo dava azar.
Não sei se existe mais algum motivo além do que parece estar estampado na minha testa, mas isso é um tanto ruim, até porque, se perguntarem por aí, eu não era uma criança feia, pelo menos é o que diriam, mas mesmo assim, tem sempre quem anota algumas reservas.
Quando eu entrei no jardim de infância me lembro de meu primeiro dia de aula. Eu estava radiante por poder brincar com outras crianças normalmente. Meus primos não chegavam muito perto de mim, na verdade, boa parte da família não fazia isso. Não que eu me importasse, eu acabei me acostumando com isso. Mas é parte da natureza humana sermos sociáveis, e no fim, isso de as pessoas ficarem longe é um pouco solitário.
E na escola tudo parecia ótimo, antes da aula as crianças estavam no playground, e todas brincavam juntas sem questões intelectuais envolvidas. Não que eu não desse de boca no chão ao tentar pular do balanço quando ele estava na parte mais alta do pêndulo, mas mesmo assim, as outras crianças só ririam e continuariam brincando comigo, no máximo pensando que eu era algum tipo de idiota, ou talvez nem mesmo isso pensassem, afinal, eram crianças.
No primeiro dia, naquelas mesinhas redondas e pequenas, com cadeiras dos nossos tamanhos, a professora entrou na sala, e nos viu sentados nelas, aguardando pelo que ela diria. Ninguém sabia muito bem o que fazer, mas nessa escola, mesmo para as crianças pequenas e mimadas, como um dos nossos colegas que estava a um canto choramingando, não era permitido que as mães frequentassem as aulas junto com os alunos, afinal, era necessário que se adaptassem a conviver com pessoas diferentes.
Nesse tempo eu já sabia que algumas pessoas não iriam com a minha cara, mas eu não pensei que fossem tantas. A professora olhou para nós e todos pareciam bem, na minha mesa havia mais três alunos, na terceira mesa havia uma menina que parecia olhar estranhamente para mim, e eu não sabia se era porque ela já tinha decidido que eu era estranho ou se era por me achar legal. Ela era bonitinha, isso eu lembro. Na quinta mesa da sala estava o menino que choramingava, por entre a armação de seus óculos, que por algum motivo parecia grande demais para o seu rosto, ou talvez fosse porque ele era magrinho, junto com ele, outro menino, bem mais gordinho, me olhava com uma cara estranha. Era de se supor que provavelmente eles já tivessem concluído o que todos concluem "eu dou azar"...
A professora fez a chamada dos alunos, e começou a aula me olhando de cara atravessada. Depois desse dia, digamos que eu adquiri um trauma maior e sempre me encolhia como se quisesse me esconder do mundo na hora da chamada. Os alunos pareciam, alguns estar curiosos, mas a maioria deles me olhava de modo similar à professora.
Realmente, eu fui agraciado com um grande problema.
No dia seguinte, antes da aula, as crianças pareciam querer ficar longe de mim no playground. Eu não esperava que isso fosse um problema grande longe da minha família, afinal, nela, todos são loucos, em um sentido, e a minha mãe, no sentido oposto. Não é que eu não goste dela, mas ela realmente tem algumas coisas que até eu que moro com ela acho estranho. Ah, sim, e o meu pai, bom, eu não perguntei ainda o que aconteceu com ele de verdade, mas eu sei que essa história de que "ele morreu em um acidente" é coisa que só uma criança pode acreditar. Aliás, do jeito que a minha mãe é, eu não duvido que ele tenha fugido dela como as pessoas fogem de mim.
Mas enfim... Voltando ao Playground, eu acho que me surpreendi quando percebi que aquele menino que estava choramingando pela mãe no dia anterior, e o gordinho do lado dele estavam brincando comigo como se eu não fosse algo problemático, mas só mais uma criança idiota. E no meio disso, aquela menina que eu achei que tinha já de antemão me achado estranho estava conosco. Não que os aparentemente amiguinhos dela tivessem gostado disso, e eles a chamavam com frequência para que ficasse com eles, mas parecia mais divertido estar ali, era o que se via pela expressão dela.
Provavelmente quem visse isso pela grade da escola, do lado da rua, só acharia normal um grupo de meninas fazendo coisas na areia, alguns meninos se pendurando em alguns brinquedos, e nós ali. Um gordinho desajeitado, um magricela que ajustava os óculos no rosto variadas vezes para que eles não caíssem, uma menina ruivinha e sardenta, com o rosto um pouco redondo demais, como se no futuro viesse a ser uma daquelas senhoras gordas e com o cabelo cacheado revolto, e um menino normal, um tanto magro, de cabelos pretos e lisos, com um corte cogumelo fora de moda, e olhos cinzentos, como o cinza do mercúrio líquido de um termômetro quase, se bem que eu acho que isso é um defeito de fabricação meu, provavelmente meus olhos deveriam ser azuis como os da minha mãe. Sim, o cara com o cabelo fora de moda sou eu. Não que eu sempre tenha tido uma aparência estranha, mas crianças não tem muita opinião nesse tipo de coisa, e menos ainda naqueles abrigos de moletom com cores berrantes que são o uniforme da escola. Alguém deve ter esquecido de dizer aos diretores que cores assim fazem os alunos deles parecerem faróis.
Mas como o uniforme é obrigatório, nesse caso, todos passávamos pela mesma situação desagradável de parecer algum tipo de material de sinalização que se mexe.
Nos dias seguintes, depois de a mãe de Marianna vir buscá-la e vê-la com um grupo esquisito como o nosso, e falar com a professora, ela não podia mais ficar perto de nós, porque a sua mãe disse que éramos má influência para ela e ela deveria ter amiguinhas meninas. Não que depois os pais do Ricardo não tivessem dito o mesmo, mas o menino de óculos continuou a ignorar isso até o fim do primário, e os pais de Luís, o menino gordinho, e permanecemos juntos até o fim do primário. Apesar de Marianna continuar na nossa turma, ela tinha amigas meninas, era normal que ela ficasse com elas, no fim das contas, embora não parecesse que ela gostasse muito de brincar de bonecas. Isso era visível quando as meninas brigavam com ela por ela destruir alguma ou quando ela tinha alguma ideia que não tinha a ver com a "casinha de bonecas" de que elas estavam brincando. E depois, os anos se passaram, e nós conversávamos, mas infelizmente, de forma distante. não fizemos trabalhos escolares juntos, a mãe dela não permitia, mas de alguma forma, conversamos mais que quando éramos pequenos, se bem que estar no fim do primário não é lá ser muito grande, só que isso nós descobriríamos só quando entrássemos no ginasial.
E ao entrar no ginásio, nossas vidas se separariam inevitavelmente, porque era muito provável que nossos pais nos colocassem em escolas diferentes. A essas alturas, depois da segunda série, eu decidi que fugiria do cabeleireiro e minha mãe não cortaria mais meu cabelo com um cogumelo ridículo que fazia com que eu parecesse estar com um capacete. O problema é que apesar das reclamações no início, ela cedeu facilmente, e eu não cortei mais o meu cabelo, o que significa que ele estava um tanto comprido agora, e que ao entrar nessa nova escola, um magrelo como eu poderia ser ridicularizado como menina. Isso já seria mais um problema, eu pensava. Mesmo assim, eu já tinha me acostumado com a parte chata de deixar o meu cabelo crescer, que era o fato de ter que cuidar dele, não que um cabelo liso desse problema, mas demorava pra secar depois do banho, e eu me recuso a usar um secador de cabelo
Estávamos na primeira semana de férias de verão. No ano seguinte começaria o colegial. Tinham decidido que todos nós ficaríamos na mesma escola, o que eu fiquei feliz de saber. Aproveitamos o sábado à tarde para irmos à sorveteria.Todos iriamos ter três meses de férias em viagem, então, até o ano seguinte, essa seria a última vez que nos veríamos.- Porque está com essa cara desanimada, Jamal? Perguntou Marianna depois de alguns minutos.- Por que... - começa ele tristemente - não tinha mais sorvete de morango! Fala ele decidido. Ah, sim, Jamal era aficcionado por bolinhos, doces, geleias e sorvetes de morango.Eu estava pensando que apesar de tudo, nos últimos trimestres nossas notas tinham melhorado consideravelmente, e os ferimentos de brigas de que não participávamos somente aumentavam. Eu estava com um cur
Vimos Mari chegando. Aparentemente os alunos novos colocaram os olhos nela avidamente demais, Luís fez uma careta para isso. Ela era realmente muito bonita, com o tempo as sardas do seu rosto ficaram mais delicadas, e ela continuava usando aquelas chiquinhas no cabelo que ficava cacheado ao redor do seu rosto, mas ele estava mais comprido e pelo peso não fazia mais com que ela parecesse uma bola de cabelos vermelhos, caindo para trás dos seus ombros. Ela foi uma das que deve ter pensado que o uniforme da escola era prático. Estava de tênis, com a blusa branca de botões e o colete preto do uniforme desleixadamente aberto, afinal, pra quê diabos o uniforme tinha que ter um colete, mas enfim... E a saia rodada do uniforme, que antes mesmo de eu comentar, Luís perguntou quando ela chegou e tomou seu lugar atrás dele.- Ei... Mari... Tu encurtou a saia do uniforme? Ele realmente não tinha vergonha de perguntar uma
Lembro-me de quando estávamos na sexta série. Tivemos o maldito dia da profissão, e a comemoração desse dia seria catastroficamente trazer nossos pais para a turma e deixar que eles falassem de suas profissões. Ah, isso foi complicado. Eu só sei que eu simplesmente “esqueci” de avisar a minha mãe. Era menos problemático assim. Foi o que pensei.O pai da Mari tinha muitas fotos bonitas de vários lugares, como piloto de avião, ele tinha chance de viajar pra vários lugares, isso era uma vida agradável, foi o que pensei. O pai do Jamal era auxiliar de alguma coisa no escritóriodiplomático de Moçambique, era uma ocupação chata, foi o que pensei, mexer com papéis sem fim e andar de uma lado a outro atendendo telefonemas. O pai e a mãe do Rick eram ahm... Bom eles disseram tantas coisas difíceis que eu nem lembro direi
Até onde eu poderia supor, o intervalo ia muito tranquilo, não esperava algo muito diferente, afinal, era o primeiro dia.Bom, até surgir a visão do inferno, no meu conceito. Não que a Júlia não seja uma menina linda, uma morena transferida de outra escola. O Jamal achou ela a coisa mais linda do mundo, e realmente, seria perfeito se tudo fosse assim, tão simples, mas a Júlia se apaixonou por outra pessoa.Nesse tempo tranquilo de primeiros dias acabamos ficando amigos da Júlia, afinal, não custa nada criar uma proximidade entre ela e o Jamal, foi o que pensamos, a princípio. E assim, como eventualmente, no antes do início da aula, vimos a Júlia chegando, e sentando-se ao lado de Jamal, lugar que eu cedi, ficando ao lado do Luís, o que não era muito espaçoso com o tamanho dos ombros dele, e eu que já não era tão pequeno como quando
Digamos também que a princípio, eu ter surtado uma vez não foi suficiente para que Rodrigo e nossos colegas achassem que as coisas tinham mudado, mas claro, eles ficaram mais prudentes um pouco, fazendo gracejos em público, pensando que assim nenhum de nós compraria encrenca.Depois de ouvir a Mari resmungando, qualquer um de nós compraria encrenca, afinal, já fomos culpados por tantas que não fazia mais diferença. E possivelmente, se eles vissem que realmente nós não nos importávamos com essas ditas encrencas, se fosse pra fazer eles calarem a boca, talvez eles parassem mesmo. Afinal, isso só se estendeu por tanto tempo por um motivo. Éramos covardes. Ou pelo menos, pacifistas que achávamos que todo mundo seria assim se fossemos.Só que, uma coisa é fato, nesse mundo, nem todas as pessoas sabem seguir o exe
- Então, graças ao Rick, não deu em nada, só uns pontinhos... Disse eu mostrando a mão com oito pontos quando estava contando para os outros sobre isso.- Mas porque tu não registrou uma queixa na polícia? Perguntou o Luís.- Não acho que isso vá ajudar em alguma coisa... O que a polícia quer com brigas de alunos do colegial? Eles têm coisas mais importantes pra fazer que ensinar crianças a se comportarem... Disse eu meio desapontado. Era verdade, ninguém poderia fazer nada.Isso que aconteceu não era necessariamente um problema, pertencia ao passado, o problema era que aquele garoto iria se irritar mais ainda com essa ocorrência. E por algum motivo estranho, ele me detestava mais que aos outros, e francamente, não me interessavam os seus motivos, eu só queria um pouco de paz, e fo
Mas, o que foi mais interessante, excluindo a mãe do Luís tentando escolher nossas roupas ou querendo ficar amiga da Mari, que por pouco não agiria com a velha do Luís como age agora com a Júlia, bom, foi realmente incrível que nós tenhamos conseguido em uma semana naquela garagem ensaiar um repertório pro show de talentos, e que o pai do Luís, apesar da cara amarrada de militar, parecia estar querendo fazer mais bagunça que a gente.Daquela vez, eu me lembro de que a coisa foi muito estranha. A Mari ficou com a bateria, o Jamal com a mixagem eletrônica, afinal ele gostava dessas coisas, então não tivemos problemas com regulagem de som ruim, como em todos os festivais da escola, o Rick tocava violoncelo, o que foi um problema, porque nós não sabíamos como regular o som daquilo de forma eletrônica direito... Francamente, eu pensei que eu era o mais antiquado ali