Estávamos na primeira semana de férias de verão. No ano seguinte começaria o colegial. Tinham decidido que todos nós ficaríamos na mesma escola, o que eu fiquei feliz de saber. Aproveitamos o sábado à tarde para irmos à sorveteria.
Todos iriamos ter três meses de férias em viagem, então, até o ano seguinte, essa seria a última vez que nos veríamos.
- Porque está com essa cara desanimada, Jamal? Perguntou Marianna depois de alguns minutos.
- Por que... - começa ele tristemente - não tinha mais sorvete de morango! Fala ele decidido. Ah, sim, Jamal era aficcionado por bolinhos, doces, geleias e sorvetes de morango.
Eu estava pensando que apesar de tudo, nos últimos trimestres nossas notas tinham melhorado consideravelmente, e os ferimentos de brigas de que não participávamos somente aumentavam. Eu estava com um curativo no rosto, Ricardo com uma cara mau humorada por não conseguir jogar seu Nintendo DS com um braço quebrado e com mais fita adesiva no óculos que de costume, e Jamal com uma tala na perna por ter tropeçado, se bem que isso não tem a ver com a briga, afinal ele tropeçou em mim depois da briga. Eu falei que eu dava azar... No fim, Marianna e Luís não ficaram sabendo do que realmente aconteceu por terem chegado atrasados, o que foi bom, eu não quereria ver mais gente remendada nesse sábado. Isso foi a uma semana do término de aulas, um presente dos nossos colegas.
- Apesar de todos estarmos na mesma escola, é deprimente termos que fugir de todo mundo como se fossemos estranhos... Comenta Luís.
- Desculpe, eu... Eu sabia que parte dos problemas deles era minha culpa, e não entendia porque ainda assim eles andavam comigo.
- Tu, cala a boca! Começa Marianna um tanto impositiva, como sempre.
- Existe uma razão muito lógica para que andemos contigo, Dullius - quando Ricardo finalmente falou e desistiu de jogar o videogame, concentrando-se em transformar em um grude o sorvete semiderretido com a calda e as balinhas e cerejas nele eu pensei que ele explicaria algo científico e complicado como sempre - tu é nosso amigo.
Foi bem menos complicado que eu esperava, eu diria. Isso me deixava um tanto feliz, afinal, quem poderia ter amigos tão confiáveis assim com uma sociedade cinzenta em que todos devem ser iguais para serem aceitos?
- Exato e bem dito. Completa Luís.
- E se você está falando de estranho, bom... Eu sou um cara que tem uma aparência estranha para vocês no geral, tenho sotaque moçambicano e costumes de lá, a Mari tinha uma mãe que acreditava em superstições irlandesas e tem um pai que virou xintoísta, seja lá o que diabos for isso, o Ricardo é um maluco que não acredita em nada além de tecnologia, o Luís é assinante de uma revista dobre Ufos e você, bom... Você só tem um nome estranho mesmo. Fala Jamal me colocando como inferior no nível de estranhices.
- Então, eu acho que simplesmente não precisamos continuar sendo os idiotas que estamos sendo.
- O que quer dizer com isso, Mari? Pergunta Luís.
- Evidentemente que, se não perceberam, nós só nos machucamos porque simplesmente nos recusamos e entrar em brigas e apanhamos sem nos defender. É uma questão lógica, se nós conseguimos ter resistência física para nem mesmo quebrar ossos na maioria das vezes, e temos conhecimento de defesa, é idiota que não nos defendamos, é isso que a Mari quer dizer. Fala Ricardo ainda viajando com o grude de seu sorvete.
- Considerando que sempre somos culpados mesmo... Não faz muita diferença. Comenta Jamal concordando.
- Aí se vão as minhas boas notas... Falo eu com um suspiro.
- Isso não vai mudar muito a sua vida, exceto pelo fato que teremos menos gastos médicos, tu nunca foi muito inteligente mesmo... Fala Ricardo me menosprezando. Provavelmente ele tenha razão mesmo, eu sempre fui um aluno mediano, tinha melhorado consideravelmente, mas isso era provavelmente pelo fato de eu não sair muito de casa pra evitar problemas, e sem o que fazer, eu acabava estudando pra matar o tempo.
Depois de conversarmos mais um pouco, eu e todos fomos para nossas viagens de verão. Não que eu gostasse muito de viajar com a minha mãe, e ver o resto da família na praia parecia estranho. Mas ela geralmente não ficava muito tempo com eles, ela tinha seus costumes estranhos no ano novo, e em datas estranhas do ano. Provavelmente os outros estavam se divertindo, enquanto eu passaria o ano novo dormindo, de novo.
E nesse novo ano começaria o colegial. Provavelmente teríamos colegas diferentes, já que muitos escolhem escolas que tenham cursos em turno integral ou simplesmente se mudam, ou trocam de turma, existem várias turmas na escola, e nos anos de ginásio tínhamos eventualmente colegas diferentes em anos diferentes, mas tivemos a sorte de nunca ficarmos sozinhos em turmas separadas. Embora isso seja um problema, porque mais alunos nos conheciam e não gostavam, teríamos colegas diferentes também, vários deles, então não nos preocupamos muito a princípio.
Eu me surpreendi ao procurar em casa meu uniforme para o primeiro dia de aula.
- Ei, mãe, onde está meu uniforme da escola?
- Ah, eu não comprei todo ele esse ano... Disseram naquele bilhete que era obrigatório o uso de pelo menos uma peça do uniforme, então comprei só a jaqueta de moletom mesmo.
- Ah... Ah, que ótimo, agora eu teria que escolher uma das minhas roupas normais...
Não que eu tivesse coisas muito diferentes pra escolher, eu tinha uma pilha de calças jeans, a maior parte delas com rasgos ou desbotadas, camisetas comuns, e tênis. Puxei a primeira roupa da pilha e vesti, um jeans rasgado, meus tênis, uma camiseta branca e o moletom da escola. E fui de qualquer jeito mesmo. Ah, sim... Agora provavelmente meu cabelo está quase na altura da cintura, preso na nuca, isto é, quando o elástico não começa a querer escapar porque o meu cabelo é desgraçadamente liso demais, eu continuo não cortando ele desde aquela época. E nas férias a minha mãe achou que deveria por bem fazer um diabo de sei lá o que pra me dar boa sorte... E agora eu tenho uma tatuagem, não que eu me importe com essas coisas, afinal, a minha mãe poderia ter colocado ela na minha testa que não faria a mínima diferença, eu já tenho escrito na testa algo como "esquisito" ou "amaldiçoado" mesmo, então, que uma parte de uma tatuagem de um círculo de proteção de cabala ou algum tipo de alquimia estranha esteja aparecendo no lado esquerdo do meu pescoço não faz diferença. Provavelmente aquela bruxa velha escolheu esse lugar pra que eu não seja decapitado por engano se o gancho de um guindaste estiver perto quando eu estiver andando na rua.
Ah sim, e os uniformes novos da escola são pretos, bom, pelo menos os do colegial, os do ginásio continuam com aquela cor cinza rato ridícula.
Eu procurei pela minha sala no quadro mural, e fui para lá, isso era um costume, quanto menos eu andasse pelos corredores da escola, menos chances de me meter em problemas. A primeira pessoa que eu vi de longe, magro e alto, foi Jamal. Seu cabelo continuava pouco abaixo dos ombros, e as trancinhas com contas coloridas nas pontas também.
Ele estava com uma blusa de mangas longas, excessivamente colorida para o meu gosto, e com a calça de abrigo do uniforme. Duvido muito que alguém usaria todo o uniforme da escola, mas tem louco pra tudo. Eu seria um desses, é mais fácil ter um uniforme obrigatório que escolher roupas todo dia.
Luís estava conversando com Jamal e me chamou. Ele tinha raspado a cabeça inteira, provavelmente esses surtos eram porque o seu cabelo ficava espetado e ele não gostava de parecer um alfineteiro, se bem que com o tamanho que ele tinha agora, eu teria medo de discordar dele, aparentemente ser um fã de boxe era algo assustador.
- Yo, Dullius, como foram as férias? Falou ele acenando para que eu fosse ao fundo da sala onde eles já tinham escolhido lugares.
Como nos últimos anos, apesar de não ser mais o aluno gordinho, Luís tinha ficado consideravelmente maior, ele sentava sozinho. Atrás dele, ficavam Ricardo e Mari, e na frente, eu e Jamal. Isso tinha se consagrado por um costume histórico depois de um tempo.
Vimos Mari chegando. Aparentemente os alunos novos colocaram os olhos nela avidamente demais, Luís fez uma careta para isso. Ela era realmente muito bonita, com o tempo as sardas do seu rosto ficaram mais delicadas, e ela continuava usando aquelas chiquinhas no cabelo que ficava cacheado ao redor do seu rosto, mas ele estava mais comprido e pelo peso não fazia mais com que ela parecesse uma bola de cabelos vermelhos, caindo para trás dos seus ombros. Ela foi uma das que deve ter pensado que o uniforme da escola era prático. Estava de tênis, com a blusa branca de botões e o colete preto do uniforme desleixadamente aberto, afinal, pra quê diabos o uniforme tinha que ter um colete, mas enfim... E a saia rodada do uniforme, que antes mesmo de eu comentar, Luís perguntou quando ela chegou e tomou seu lugar atrás dele.- Ei... Mari... Tu encurtou a saia do uniforme? Ele realmente não tinha vergonha de perguntar uma
Lembro-me de quando estávamos na sexta série. Tivemos o maldito dia da profissão, e a comemoração desse dia seria catastroficamente trazer nossos pais para a turma e deixar que eles falassem de suas profissões. Ah, isso foi complicado. Eu só sei que eu simplesmente “esqueci” de avisar a minha mãe. Era menos problemático assim. Foi o que pensei.O pai da Mari tinha muitas fotos bonitas de vários lugares, como piloto de avião, ele tinha chance de viajar pra vários lugares, isso era uma vida agradável, foi o que pensei. O pai do Jamal era auxiliar de alguma coisa no escritóriodiplomático de Moçambique, era uma ocupação chata, foi o que pensei, mexer com papéis sem fim e andar de uma lado a outro atendendo telefonemas. O pai e a mãe do Rick eram ahm... Bom eles disseram tantas coisas difíceis que eu nem lembro direi
Até onde eu poderia supor, o intervalo ia muito tranquilo, não esperava algo muito diferente, afinal, era o primeiro dia.Bom, até surgir a visão do inferno, no meu conceito. Não que a Júlia não seja uma menina linda, uma morena transferida de outra escola. O Jamal achou ela a coisa mais linda do mundo, e realmente, seria perfeito se tudo fosse assim, tão simples, mas a Júlia se apaixonou por outra pessoa.Nesse tempo tranquilo de primeiros dias acabamos ficando amigos da Júlia, afinal, não custa nada criar uma proximidade entre ela e o Jamal, foi o que pensamos, a princípio. E assim, como eventualmente, no antes do início da aula, vimos a Júlia chegando, e sentando-se ao lado de Jamal, lugar que eu cedi, ficando ao lado do Luís, o que não era muito espaçoso com o tamanho dos ombros dele, e eu que já não era tão pequeno como quando
Digamos também que a princípio, eu ter surtado uma vez não foi suficiente para que Rodrigo e nossos colegas achassem que as coisas tinham mudado, mas claro, eles ficaram mais prudentes um pouco, fazendo gracejos em público, pensando que assim nenhum de nós compraria encrenca.Depois de ouvir a Mari resmungando, qualquer um de nós compraria encrenca, afinal, já fomos culpados por tantas que não fazia mais diferença. E possivelmente, se eles vissem que realmente nós não nos importávamos com essas ditas encrencas, se fosse pra fazer eles calarem a boca, talvez eles parassem mesmo. Afinal, isso só se estendeu por tanto tempo por um motivo. Éramos covardes. Ou pelo menos, pacifistas que achávamos que todo mundo seria assim se fossemos.Só que, uma coisa é fato, nesse mundo, nem todas as pessoas sabem seguir o exe
- Então, graças ao Rick, não deu em nada, só uns pontinhos... Disse eu mostrando a mão com oito pontos quando estava contando para os outros sobre isso.- Mas porque tu não registrou uma queixa na polícia? Perguntou o Luís.- Não acho que isso vá ajudar em alguma coisa... O que a polícia quer com brigas de alunos do colegial? Eles têm coisas mais importantes pra fazer que ensinar crianças a se comportarem... Disse eu meio desapontado. Era verdade, ninguém poderia fazer nada.Isso que aconteceu não era necessariamente um problema, pertencia ao passado, o problema era que aquele garoto iria se irritar mais ainda com essa ocorrência. E por algum motivo estranho, ele me detestava mais que aos outros, e francamente, não me interessavam os seus motivos, eu só queria um pouco de paz, e fo
Mas, o que foi mais interessante, excluindo a mãe do Luís tentando escolher nossas roupas ou querendo ficar amiga da Mari, que por pouco não agiria com a velha do Luís como age agora com a Júlia, bom, foi realmente incrível que nós tenhamos conseguido em uma semana naquela garagem ensaiar um repertório pro show de talentos, e que o pai do Luís, apesar da cara amarrada de militar, parecia estar querendo fazer mais bagunça que a gente.Daquela vez, eu me lembro de que a coisa foi muito estranha. A Mari ficou com a bateria, o Jamal com a mixagem eletrônica, afinal ele gostava dessas coisas, então não tivemos problemas com regulagem de som ruim, como em todos os festivais da escola, o Rick tocava violoncelo, o que foi um problema, porque nós não sabíamos como regular o som daquilo de forma eletrônica direito... Francamente, eu pensei que eu era o mais antiquado ali
Vamos dizer assim... A minha mãe provavelmente não gostou da minha cara quando eu nasci. Ou talvez, talvez ela tenha ... ela realmente tem um gosto estranho mesmo. Bom, vamos deixar essa coisa de nome por enquanto...Eu sou um estudante até o momento, terminarei meu ensino médio e começarei uma universidade que não sei por que escolhi. Talvez pensar que não posso ficar um dia inteiro preso dentro de um escritório reduza aumente meus problemas, só que, eu aprendi a lidar com problemas, é isso que eu tenho que fazer. Apesar de que contabilidade é a coisa mais chata do mundo provavelmente eu serei outro tipo de doutor, e isso vai ser um tanto aventureiro pra um cara como eu... A minha mãe queria que eu fosse "doutor" e fizesse medicina. Eu não poderia me sentir mais desconfortável na vida que com uma profissão em que eu teria que lidar incessantemente com público.
Porque eu demorei tanto tempo para perceber que eu sou uma pessoa abençoada por ter amigos como esses? Esse pensamento demorou tanto para aparecer por quê? Estávamos há alguns meses já no ensino médio, logo o primeiro ano se partiria, e todos iriamos passar algum tempo separados. Embora dessa vez, não fôssemos passar tanto tempo assim longe, não ao ponto de não nos reconhecermos, porque tínhamos duas semanas de praia juntos depois do ano novo, na casa de praia dos pais do Jamal.Bom, eu pelo menos me sinto feliz que lá podemos fazer quanto barulho quisermos tocando com a banda de garagem, e graças aos céus que a Mari sabe cozinhar, porque se dependêssemos da culinária suspeita da mãe do Jamal eu iria emagrecer um quilo por dia lá.Não que eu não saiba cozinhar, mas eu tenho uma preguiça colossal pra fazer esse tipo de coisa. Mu