2. 8 anos após

Oito anos se passou...

O cheiro do hambúrguer impregnou minhas narinas como todas as manhãs assim que entrei na hamburgueria que eu mesma trabalhava. Na entrada da loja, sou tomada pelo meu reflexo no espelho e sem conseguir evitar toquei meus cabelos pretos com muita raiva. Sempre tenho um sentimento controverso contra meu próprio reflexo após tanto tempo que passei em toda minha infância e adolescência restringida quanto a me olhar no espelho. Por muito tempo pensei que a cor dos meus cabelos representasse uma característica ruim que eu devia extinguir ou deixado de existir. Meus cabelos sempre são mantidos presos, já que evito chamar a atenção de todos que tentavam chegar a mim, muito desnecessário.

Chamar a atenção nunca resultou em algo benéfico isso eu aprendi nos primeiros anos após a minha fuga.

"Maya" não existia mais.

Uma careta se formou em meu rosto eu conseguia senti-la ao desviar o olhar do espelho. Tentei sorrir como fazia todas as manhãs para a dona da hamburgueria que havia me aceitado mesmo que eu não tivesse entregado nenhum documento que tivesse o meu nome ou minha identidade. Todos os meus pagamentos eram feitos em dinheiro ao final de cada semana. Aquela senhora pra ser sincera foi minha salvação.

Bom dia... a saudou sorrindo como sempre fazia por mais que eu odisseia as pessoas, eu gostava muito dela. Ela sempre havia sido gentil com todos que a procurassem. O hambúrguer na qual ela me ensinou a fazer parecia ainda mais gostoso do que ontem. O mesmo comentário sempre a fazia sorrir e por mais falso que pudesse ser, eu gostava de vê-la sorrir.

Querida, devo fazer um lanche para você? Sorri concordando. O gosto do hambúrguer sempre era muito bom e ligeiramente delicioso, não importasse a quantidade de molhos disponível ou tempero que era colocado. Sempre sentia o mesmo sabor.

Talvez eu estivesse quebrada de alguma forma.

A observei preparar o meu hambúrguer com bastante atenção e curiosidade, não demorando para ela me estender o prato com meu lanche finalizado. A peguei sempre sorrindo... algo que sempre fazia em sua presença... E comi como se não houvesse amanhã.

O mesmo gosto de sempre.

Está delicioso, agradeci com a voz baixa. Alguns hábitos são difíceis de mudar , percebi isso. Vou começar a arrumar tudo... a vi concordar e ir para os fundos, me dando privacidade para limpar algumas mesas antes de abrir. A hamburgueria ficava situada em uma área mais afastada do centro da cidade, algo que eu gostava por me dar mais liberdade e menos pessoa para precisar observar.

O problema em ser uma fugitiva é a paranoia que nunca sai da nossa mente. A todo momento penso que estou sendo seguida ou vigiada.

Não que eu seja louca, talvez paranoica, mas uma vez li que toda paranoia é um simbolismo de loucura. Se eu for louca, não será algo ruim já que isso poderá impedi-los me caçar.

Querida, está na hora de abrir... a voz agradável dela me fez assentir ao ir para a porta, destrancando-a e colocando o aviso de aberto. Segui para o caixa onde continuo até os clientes aparecerem com seus pedidos. As horas se tornam longas quando não há o que fazer. Suspiro ao me lembrar que esqueci de pegar o livro que comecei a ler na última semana. Um livro que falava sobre policial que caçava um assassino. Está tudo bem?

Sim. O movimento está fraco hoje... digo sorrindo polidamente como devo fazer. Regras sempre existem a diferença é o que fazermos com elas. Do local onde escapei as regras existem para fazer com que as mulheres sofram e fora de lá as regras existem para manter todos em uma convivência amigável.

Já trabalha comigo tem quase 1 ano e meio e não sei quando é seu aniversário. Já passou? A estranha pergunta dela me faz dar de ombros. Aniversários não eram celebrados de onde eu vim. Deveria lhe contar isso? Não, ela acharia triste e insistiria para que eu contasse mais sobre mim.

Vivo sozinha a muito tempo. Não costumo celebrar aniversários.

E por isso não tem amigos?

Como eu poderia? Não tenho amigos ou família desde que reneguei a todos para fugir daquele destino a mim que foi predestinado.

Não sou muito sociável, eu acho.

Eu a acho você muito amigável... falou bastante seria ao me encarar. Talvez esteja pensando em pessoas que possam ser parecidas comigo ou ter a minha idade... meu sobrinho é um pouco mais novo que você, mas é um ótimo rapaz. Gostaria de conhecê-lo?

Um bolor se forma em minha garganta instantaneamente, enquanto tento controlar os tremores por todo meu corpo. Meu coração dispara freneticamente ao mesmo tempo em que sinto minha respiração aumentar consideravelmente.

Muito gentil, mas acho que melhor não... não tento sorrir por saber que não vou conseguir. E antes que eu precisasse falar algo, a porta da hamburgueria é aberta. O homem possuía ombros extremamente largos, braços fortes assim como suas pernas. Seu rosto não expressava emoção alguma ao andar em minha direção. Sua blusa azul social destacava o seu corpo maia do que eu gostaria de ver. Seu cavanhaque dava impressão de ser um tipo de hippie...

Bom dia, o que gostaria de pedir? Falo sendo educada sorrindo prestando atenção em seus cabelos que estava presos em algum tipo de penteado. Ele deve possuir cabelos macios.

Um hambúrguer mais simples ... seu pedido é feito com uma voz demasiada grossa e levemente rouca. Por favor... acrescentou sem jeito ao olhar para o lado antes de me entregar o dinheiro. Ele parecia ser o tipo de pessoa que mandava nas outras com facilidade.

Para viagem?

Comerei aqui.

Assenti ao terminar o seu pedido e olhar para trás. A senhora "Castro" já estava prestes a terminar o seu pedido.

Já irei servi-lo... sorri mais uma vez, contudo no momento em que ele me deu as costas percebi um volume em suas costas próximo ao cinto de sua calça. Um volume que parecia ser uma arma.

O ser humano é realmente deplorável.

Aqui está... a senhora "Castro" me diz ansiosa. Imagino o que anda se passando pela sua mente. Toda vez em que entra algum cliente e ele me olha por mãos de quatro segundos a vejo agitada. Ela acha que eu sou uma mulher normal com um futuro perfeito pela frente, onde poderia me casar e ter filhos.

Em um mundo diferente, poderia ser de verdade.

Obrigada... Pisco para ela ao pegar o prato com o lanche e levar até o cliente. No momento em que olho em sua direção percebo que ele está me encarando com extrema intensidade. Eu devia fugir dele, mas se for um deles seria melhor acabar com tudo logo já que estou um pouco cansada de fugir. Caminho em sua direção tentando não demonstrar o medo que eu sinto ou ansiedade pelo final já esperado... aqui está... coloco o prato em sua frente e meus olhos vão em direção às mãos dele. Mãos grande e fortes... Posso ajudá-lo em algo mais? Vejo que ele está prestes a falar algo quando escuto o seu celular tocar.

Fala... a sua voz soou mais grossa do que antes... já estou indo para aí... o vejo desligar o celular e me olhar antes de suspirar... voltarei depois... o café, obrigado... o seu agradecimento soou vazio e o seu cheiro me deixou levemente entorpecida quando passou por mim.

Ele cheira realmente bem.

Foi o meu pensamento antes de servir os próximos clientes.

"Duhan Parker"

Um impropério me veio na cabeça sempre que o celular toca e vejo o número da delegacia. Trabalhar como advogado ao mesmo tempo sempre foi o meu desejo, mas sempre há momentos em que a interrupção é a última coisa que quero. Olhei pela vidraça da hamburgueria assim que entrei no carro dando partida em seguida. Acelerei o máximo que posso enquanto desviar dos outros veículos. Chegar no local é a minha prioridade no momento.

Mas por mais que eu tente não consigo tirar o semblante dela de minhas memórias, pois a cada dia que eu a vejo esta mais entristecida.

Tentei esquecê-la ao ajustar a sinalizou ao pegar a primeira saída após a entrada, o que não se tornou uma tarefa impossível diante da confusão a frente, já que como um advogado e detetive nas horas vagas não poderia deixar nada escapar de minha investigação. Não demorei para ver as luzes piscando em meio a vegetação seca características da época. A faixa amarelo já está demarcando o território e por enquanto só enxerguei carros da polícia no local. Não iria demorar para que os jornalistas aparecerem tirando fotos de tido e contaminando todo o local do crime. Levo a mão e minha cabeça, bagunçado os meus cabelos um pouco ao ultrapassar as faixas assim que me identifico aos polícias da patrulha. Eles deveriam ser novos para não saber quem sou ou me reconhecer. A cada passo que dói em direção ao corpo estendido no chão sinto o cheiro forte impregnar o local. Um cheiro da morte que seria forte e amargo que consegue penetraram em todo meu corpo.

Me aproximei do corpo tentando encontrar qualquer traço que possa ajudar na investigação. O corpo da mulher encontra-se azulado quase roxo. Não havia mais sangue circulando em seu corpo. Seus pés estão amarrados atrás do seu corpo assim como de suas mãos. Ela havia sido completamente imobilizada. Suas roupas brancas estavam toda manchadas de sangue e terra. A face, escondida pelos cabelos claros da mulher mantinha-se encostada na terra. Olhei o mais friamente afim de entender o pensamento da pessoa que fizera algo como aquilo, tinha que ter um sangue muito frio.

O cheiro de terra molhada havia misturado como o de morte. Um cheiro inesquecível e tentador.

Detetive... sou cumprimentado por dois homens da perícia... não encontramos identificação.

Vasculharam a área ao redor? Mesmo que ele não a tenha matado aqui pode ter jogado suas coisas após se desfazer do corpo... o modo frio como relatei o que vinha a mente fez os homens me encarar sem jeito. O problema dos novatos da perícia era achar que todas as hipóteses criadas pelos polícias eram bobagens imaginativas... veja bem... apontei para o local onde o corpo estava... a terra está um pouco remetida mostrando que algo foi puxado naquela direção e não consigo enxergar sinais de luta ou sangue. Ela não foi morta aqui...

Foi premeditado? Ele perguntou realmente interessado após a minha explicação, mas como poderia falar a ele que um assassinato nem sempre poderia ser resolvido ao analisar o local do crime?

Não tem como saber ainda.

O vi se afastar contrariando. Ele deve assistir muitas séries criminais ao achar que eu poderia resolver o caso em poucos segundos após ver apenas o corpo. Analisar assassinatos sempre me deixavam animado, pois eram poucas vezes em que poderia extravasar o que eu sentia nos bandidos. Traficantes eram muitas vezes mortos nos confrontos, mas assassinos eram pelos e torturados.

Chefe, vejo que veio bem rápido dessa vez... me virei para ver o dono da voz, assentimos assim que vi o detetive "Gonzaga". "Gonzaga" sempre se manteve próximo a mim desde que entrará para homicídios. Ele era sem sombra de dúvidas, o mais competente detetive que eu possuía na minha divisão... o legista já deve estar chegando. O que achou?

Não é como se eu já tivesse visto isso antes. Não devemos abaixar a guarda. Coloque os cachorros farejadores na área. Precisamos ter certeza que ela é a única e encontrar algo que a identifique.

Certo, não vai ser um problema... murmurou incerto ao olhar em volta. A área em que o corpo havia sido desolado era demasiadamente grande e deserta. O local perfeito para aquele tipo de serviço. Não iria ficar surpreso se encontrassem mais corpos de assassinos diferentes. Aquela investigação se tornou mais problemática do que poderia ter imaginado. Tem o caso de roubo da joalheria ainda... me relembrou com um sorriso na face... Gonzaga gostava de ver todos trabalhando em casos como aquele.

Já tenho um pessoa cuidando... menti assim que chegasse a delegacia iria selecionar uma equipe tarefa para solucionar o caso ou enviar um ou mais dois detetives. A minha prioridade era encontrar a pessoa responsável pelo corpo a minha frente.

Isso é bom, já que esse assassinato deve tirar a atenção de todos.

Concordei ao olhar em volta. O legista logo chegaria e poderia tirar as dúvidas que pairavam em minha mente, como a causa da morte, a origem do sangue em suas roupas e se ela havia sofrido algum tipo de tortura ou ferimentos antes e após a sua morte. Eu precisava saber com quem de fato eu estava lidando.

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