Capítulo 2
─Que novidade boa é essa para tanta gritaria, mãe? - perguntou Bianca alegremente.
─Ganhou na loteria, mamãe? - riu Michele.
Solene fitou as filhas com carinho. Não existia amor maior do que de mãe, hoje ela tinha certeza disso.
─Muito melhor, caçulinha. - ela fez um suspense, sentada no sofá com Michele no seu colo e Bianca ajoelhada aos seus pés. ─Arranjei um emprego!
A gritaria foi tremenda, entre pulos e beijos. É, pensou ela, precisaria ralar muito para alimentar aquela alegria em sua casa.
─Você vai poder me dar àquela fantasia de abelhinha para a peça da escola? - perguntou a menor.
─Sem dúvida!
─E aquele skate que eu quero tanto, mãe?
─Desde que você não se quebre, minha skatista maluquinha.
A conversa foi longe. Solene tentava prestar a atenção nelas, mas seu pensamento estava em Vitor que saiu do castigo por conta própria, e naquele homem maravilhoso, o seu novo patrão. O cheiro dele estava em suas narinas. O toque dele permanecia em sua pele. O formigamento pelo corpo que sentira com o olhar dele sobre ela transitava por partes proibidas.
Isso não vai dar certo..., ela pensou angustiada.
Quando Vitor chegou foi direto para o quarto, e dessa vez ela estava deitada na cama dele o esperando.
─Estratégia nova?
─É, era isso ou arrancava a fechadura da porta, coisa que não devo ou terei que pagar.
─O que você quer?
Ela se levantou da cama. Realmente, era muita alta. O filho ficava pequeno perto dela como se fosse um bebê.
Ela suspirou e começou devagar.
─Talvez eu não seja o que você espera ou deseja, mas juro; estou tentando ser o melhor que eu posso. Sei o quanto é cansativo ser pobre, sonhar com coisas que não podemos ter. Eu também já tive sua idade, e ainda hoje, sinto o mesmo Vitor. Mas eu arranjei um emprego, vou ganhar bem e poder...
─Como empregada doméstica? - ele zombou.
─O que você tem contra ser empregada doméstica? Porque a mãe de um de seus amigos é médica ou advogada, não quer dizer que elas sejam melhores do que as mulheres que limpam e cuidam de suas casas. Será que você entende isso? Creio que sim, não é? Porque de agressões, entende muito bem! - ela andou pelo pequeno quarto tomando conta do espaço. Ele se sentou na beira da cama com cara de poucos amigos. ─Droga Vitor! Aceitei o emprego pensando em vocês! Para dar o melhor pra vocês! Eu vou ganhar bem. E vou precisar de sua ajuda, principalmente com as suas irmãs. Será que vou poder contar com o senhor rebelde? Você não pode esquecer-se de Michele na escola, você vai precisar ficar de olho em Bianca! Eu não vou ter tempo... Vou poder contar com você?
Ele esperou um pouco para responder.
─Vou ajudar...
─Repete. - ela pediu num tom suave.
─Não. Você não é surda!
─Mas eu quero que você repita para que fique muito bem registrado esse acordo entre nós. E Vitor, é uma ordem!
Ele soletrou em protesto.
─Eu disse que vou ajudar. Satisfeita?
Ela respirou aliviada e foi até a porta.
─Mesmo que você tenha suas dúvidas, não esqueça que eu te amo.
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Marcos acordou e ficou observando Manoela dormir enrolada num lençol com os cabelos ruivos espalhados pelo travesseiro e o rosto sereno. Tiveram momentos e tantos naquela noite. Ela era uma parceira completa. Pelo menos ele a via assim. Até aquele dia. Levantou-se da cama sem fazer barulho e foi até o escritório. Ao sentar-se em sua cadeira, foi impossível não relembrar cada momento passado ao lado de Solene. O perfume dela parecia estar pelo local. Tinha dúvidas se fizera a coisa certa. Ela não parecia ser o tipo de profissional competente que ele precisava para a função de cuidar de sua casa. Mas por que então a contratou?
Porque se sentira atraído e por solidariedade. Pôde perceber no olhar dela a angústia e a tristeza por sua situação. Não poderia, jamais, misturar as coisas. Aliás, ele jamais fazia isso, mas como diziam por aí, sempre havia uma primeira vez.
Não poderia esquecer-se da sua sólida carreira, do compromisso com Manoela, e principalmente de que aquela moça precisava do trabalho como ninguém.
Mas que, Solene era um pedaço de mau caminho, e seria uma tentação em sua casa, ele não tinha dúvidas. Para abafar seus pensamentos, pegou a pasta de um processo imenso e passou a lê-lo com cuidado. Uma ação indenizatória em favor de um rapaz que foi prejudicado numa cirurgia dos rins com a perda total de um deles. Três médicos estavam sendo processados pelo dano físico. Precisava pensar e muito bem em seu veredicto. À hora passou, e ele só percebeu, com a entrada de Manoela usando uma de suas camisas com aquele sorriso sedutor. Ela tinha trinta anos, mas conservava aquele rostinho de menina que o encantava. Os olhos azuis brilhavam de zanga.
─Quer dizer que esta pasta fria e cheia de detalhes sórdidos e tristes é muito mais interessante do que eu?
Ele sorriu, fechou a pasta e foi até ela. Beijou-a possessivamente ajudando a se acavalar em seu quadril. Ela continuava nua por baixo de sua camisa.
─Preciso dizer mais alguma coisa?
─Não! Como sempre, você é justo até nestes momentos. - e ela gemeu com a arremetida dentro dela. Colocou-a em cima de sua mesa e descia os lábios para o seio alvo e convidativo, quando ouviu a gargalhada gostosa de Solene. Chegou a levantar a cabeça e olhar para os lados.
Era só o que me faltava, pensou ele aturdido.
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Mari, a secretária mion, sorriu ao ver Solene com os documentos em mãos.
─Fico muito feliz que tenha conseguido a vaga, Solene.
─E eu mais ainda!
Ela estava perturbada. Olhava para os lados na esperança de poder encontrá-lo. Mas foi em vão. Ele era um homem de muitos compromissos e não deveria parar muito tempo em algum lugar.
─A vida do doutor Marcos é muito corrida. - explicou Mari como se lesse seus pensamentos. ─Você vai vê-lo muito pouco. Então não se preocupe que dará tempo de uma boa adaptação entre você e a casa dele. Fabíola vai explicar todas as suas tarefas no primeiro dia de trabalho. Certo?
─Certíssimo! – ela disfarçou um instante e perguntou. ─Doutor Marcos nasceu rico ou ele se fez rico?
Mari levantou os olhos dos papéis de contratação de Solene e a fitou com atenção. Ela tinha um porte de rainha, mas podia se perceber sua origem humilde.
─Ele é de uma família muito rica. Mãe advogada, pai juiz, avô juiz... Enfim.
─Uma família rica e unida trabalhando pela justiça.
Mari sorriu.
─Exato Solene.
E então ela divagou: Como seria a sua vida se tivesse nascido com muito dinheiro? Qual seria a sensação de ter várias pessoas para tomarem conta de sua vida? Desde sua casa, até as questões de trabalho? Como seria se pudesse ir ao salão de beleza e ficar maravilhosa como aquelas mulheres quase perfeitas a sua volta, sem se preocupar com o valor final, ou se ia faltar grana para o mercado da semana? Como seria se pudesse usar aquelas roupas formais e de grife? Como seria não se preocupar com sua geladeira, porque como mágica, ela sempre estaria lá em sua cozinha, a sua disposição farta, por alguém responsável por ela, e para todos da sua família a hora em que sentissem fome?
─Solene?
Ela balançou a cabeça e fitou Mari. Deu um sorriso triste.
─Algum problema?
─Oh, não. Está tudo certo. Tudo mesmo.
Pobre na fila dos pobres, e ricos na fila dos ricos. Uns com tantos, e outros sem nada. Mas é preciso, os que têm tanto precisam dos que tem nada. Pelo menos nisso, o pobre se encontra em vantagem, ele é necessário para manter os ricos mais ricos, ela completou em pensamento.
Capítulo 3 A semana custou a passar. Ela lavou, passou, limpou, cozinhou, brigou várias vezes com Vitor, mas estava satisfeita. Ele estava cumprindo com a tarefa de pegar as irmãs na escola no horário combinado. Já era alguma coisa. O traste de seu ex aparecera e deixara uma grana que a ajudou a manter a casa até ali. Agora, no ônibus a caminho do seu primeiro dia de trabalho, sentia o nervosismo e o coração alterado. Precisava fazer tudo certo. Olhou através da janela. A imagem do rosto de Marcos veio a sua mente, mas era uma imagem borrada. Uma semana que o vira, por alguns momentos. Lembrava do cheiro, mas seu rosto já estava su
Capítulo 4 Marcos chegou em casa apressado. Queria ficar sozinho. Não conseguira prestar a atenção na conversa durante o jantar com Manoela, dois juízes e suas esposas, e um advogado solteiro, amigos de longa data. ─O que há com você? - perguntara Manoela intrigada. ─Por quê? Pareço ter algo errado? ─Sim. Está absorto, parece num mundo à parte. ─Cansado. - fora a resposta dele. ─Pare de pensar no trabalho. – ela ralhou. ─Tem razão. Preciso me desligar um pouco. - Se ela soubesse, pensou ele.E tratou de fugir
Capítulo 5 ─Já tinha usado drogas alguma vez, Vitor? – eles estavam no caminho de volta para casa. ─Nunca! Tenho certeza de que não usei nada ontem à noite. ─E como você acha que isso aconteceu? ─Eu estava num barzinho com amigos e lembro que depois que tomei um refrigerante comecei a passar mal. ─Sabe o que aconteceu, não é? ─Desconfio. ─Alguém deve ter colocado a droga em sua bebida. ─Quando alguém conta que fazem esse tipo de coisa, a gente não leva fé. Acha que é só nos filmes
Capítulo 6 Dona Fabíola voltou de viagem, Solene se entregou de corpo e alma ao trabalho superando até mesmo suas expectativas. Trabalhou duas noites, na organização de dois jantares oferecidos para os amigos de Marcos, mas não o viu uma única vez. Ela fazia questão de evitá-lo. Tomou um choque de realidade. Aquele homem não era para ela, e ponto. Na manhã seguinte, do último jantar, ela ficou ainda mais resoluta, e profundamente magoada, ao encontrar fios de cabelos ruivos na cama. Sabia muito bem o que eles deveriam ter feito, como e quantas vezes. Ela se superava, também, em casa. O ambie
Capítulo 7 A maratona para o final de semana se iniciou com Bianca, que saiu da festinha emburrada, mas quando se deparou com Marcos encostado na lateral do carro as esperando, deu um sorriso iluminado, muito parecido com o da mãe. Era incrível a semelhança entre elas, constatou ele. Ela o abraçou e o beijou euforicamente. ─Por que não me disse que ele estava aqui, mãe? ─E perder a oportunidade de estragar a surpresa? - respondeu Marcos, rindo alegremente. Com Michele não foi diferente. Assim que o viu se atirou nos braços dele com imensa alegria. ─Nossa! Eu já estava com saudade! Por que demorou tanto? ─Alguns compromissos, pequena. – ele riu feliz com aquela recepção segurando-a em seu colo. ─Mas eu voltei. ─Antes tarde do que nunca! Fiquei com medo de que quando você volta
Capítulo 8 Naquela semana, Marcos e Solene pouco se viram. Por duas vezes, conseguiram trocar alguns beijos apaixonados, antes que ele fosse para o trabalho. Num desses momentos, Solene percebeu que Fabíola os viu. ─Não tenho nada a ver com sua vida, muito menos com a do nosso patrão. Mas tome cuidado, Sol. Gosto de você. Não quero vê-la sofrer. ─Obrigada, dona Fabíola. ─Desde que a vi pela primeira vez, eu soube que algo assim poderia acontecer. Você é bonita e atraente, mas não esqueça que existe dona Manoela. Ela é a mulher real que vive no mundo dele, e eles tem uma história muito bonita. Solene sentiu um baque no peito e olhou-a com os olhos espreitados. Por que nunca falaram sobre a história deles? Por que ela nunca perguntou sobre Manoela para ele? ─É mesmo? Pode me contar? A velha senhora res
Capítulo 9 No sábado em seguida do meio-dia, Solene voltou ao trabalho, tinha um jantar para organizar e queria tudo impecável. Com alguns livros em mãos, ela passou a tarde cozinhando, e analisando decorações de mesa. Fabíola a olhava atentamente, e a ajudava ao lado de uma assistente. ─Não coloque o uniforme, ordem do doutor Marcos. - ela sorriu. Solene não deu importância. Já estava com tudo calculado em sua cabeça. Na hora de servir estava tudo tão certo que causou até suspiros. O jantar maravilhoso! Ela usando o mesmo uniforme preto para afrontá-lo. Afinal, ele não fez nada quando deveria. Marcos detestou, e de quebra, lhe lançou um olhar de pura indignação.
Capítulo 10 Marcos estava saindo quando recebeu uma visita inusitada. Sua mãe. Beatriz era uma mulher elegante, sofisticada e de “linhagem” como ela gostava de dizer. Aos sessenta anos, era bonita, corpo magro, cabelos grisalhos bem cuidados, rosto recauchutado, sem exageros, a ponto de passar por no máximo cinquenta anos. Era uma advogada ainda em exercício da profissão, fria, rude e competente. Tinha orgulho dos filhos, um médico trabalhando fora do país, e Marcos o juiz que ela sempre sonhou. Ela entrou sem esperar o convite. ─A que devo a honra, dona Beatriz? ─Sem ironias, meu querido. - ela o beijou de maneira formal e avançou pela casa como se procurasse alguma coisa.