Capítulo 4
Marcos chegou em casa apressado. Queria ficar sozinho. Não conseguira prestar a atenção na conversa durante o jantar com Manoela, dois juízes e suas esposas, e um advogado solteiro, amigos de longa data.
─O que há com você? - perguntara Manoela intrigada.
─Por quê? Pareço ter algo errado?
─Sim. Está absorto, parece num mundo à parte.
─Cansado. - fora a resposta dele.
─Pare de pensar no trabalho. – ela ralhou.
─Tem razão. Preciso me desligar um pouco. - Se ela soubesse, pensou ele.
E tratou de fugir dela quando percebeu que Manoela queria terminar a noite em sua casa. Precisava ficar sozinho. Solene ocupara um espaço em sua cabeça naquele dia que ele jamais dera a alguém. O rosto lavado, os cabelos úmidos, o perfume dela... tinha a impressão de que ela ainda estava ali em seu apartamento.
─Arranjei um problema com você aqui. - ele riu. ─Ou quem sabe uma solução?
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Solene chegou tão cedo ao trabalho, que estava com receio de encontrá-lo em casa. Não ousou ir para o quarto. Foi para cozinha e fez um café. Uma noite mal dormida... Seria um dia longo e cansativo, mas precisava colocar mãos a obra. Enquanto a cafeteira fazia o serviço, ela encostou a testa na porta do armário e massageou-a com movimentos leves. Sentiu um arrepio. Virou-se para porta. Lá estava ele, lindo, sexy e envolvente. E para piorar a situação, de pijama.
“Oh meu Deus!”
─Bom dia, doutor...
─Bom dia. - ele foi seco, o que ela estranhou. ─Não é muito cedo para estar aqui?
Ela se ajeitou para arrumar o café dele com toda a dignidade possível, já que parecia muito claro que o homem não gostara de vê-la ali àquela hora.
─Resolvi fazer hora extra. – ela fez uma careta, e mais pareceu criança fazendo pirraça. ─Caí da cama. - mandou-o se sentar num tom seco que até ela se assustou. E ele obedeceu.
─Estranho mandá-lo sentar-se em sua própria casa.
Ele deu um meio sorriso. Sentou-se e fez sinal de que ela fizesse o mesmo.
─E como foi com seus filhos? - ele levou a xícara lentamente aos lábios.
Solene teve vontade de trocar de lugar com aquela louça. Aliás, ela queria era pedir para ele fechar aquela camisa aberta até o meio do peito. Homem tentador e perigoso!
─Todos felizes como não os via há algum tempo.
Eles riram. Ele já não parecia mais tão mal-humorado.
─Por que seu casamento não deu certo? Caso não queira responder, é so manter-se em silêncio.
Ela sabia que isso era coisa de tribunal. Via nos filmes. Marcos prendera a respiração. Não dormira quase nada pensando naquela mulher e agora... estava a um passo de cometer uma insanidade.
─Se perguntou é porque quer saber, então... Eu o conheci com dezessete anos, me apaixonei, foi meu primeiro namorado e acabei ficando grávida de Vitor. Casamo-nos. Eu acreditava em conto de fadas. Amor, sempre amor! Mas não é assim. Ele tinha uma tendência a ser agressivo e isso foi aumentando, até que ele se tornou violento, nas palavras, nas atitudes e por fim nas ações.
─Ele batia em você?
O tom duro a deixou surpresa.
─Ele praticava outro tipo de violência. Era a verbal, depois se desculpava e eu aceitava. Eu creio ser a culpada, pois acabou chegando o dia em que a violência verbal acabou e passou a ser física. Bateu umas três vezes. Duas vezes foi pouca coisa, mas na última...
─Você dizer que foi pouca coisa... não quero nem perguntar como. E o que você fez?
─Eu o denunciei.
─E depois disso, houve mais violência? Ameaçou ou tocou em você?
─Não... - ela estranhou aquele interrogatório. ─Ele ainda não aceita o fato de estarmos separados, mas está mais calmo.
─Se acontecer algo de diferente, me procure para que eu possa tomar as devidas providências.
─Desculpe..., Mas, por quê?
─Porque eu não quero que ele encoste em você novamente. Você entendeu? Mulher não foi feita para apanhar, mas para ser amada, respeitada, protegida.
Ela sentiu um arrepio pelo corpo inteiro. Havia uma sinceridade tão intensa naquelas palavras, que ela quase chorou querendo ser essa mulher na vida dele.
─Entendi, prometo. Obrigada.
Ele se levantou, foi até a porta com passos largos e se voltou para olhá-la mais uma vez. Estava numa guerra íntima. Ficar ou fugir. A segunda opção.
─Não venho almoçar. Não se preocupe com nada.
─Certo. Tenha um bom dia, Marcos.
─Você também, Sol.
Obedecer ao corpo ou a razão? Eis a questão. Dos dois!
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Solene resolveu aproveitar a manhã livre e fazer a feira. Andou, pechinchou e ainda arrumou uma briga séria com um dos feirantes que queria extorqui-la com preços abusivos, já que em outras bancas as frutas e verduras eram bem mais em conta.
─Pois então compre dos concorrentes, ora bolas! - disse o homem grandão com cara de poucos amigos. ─Não acabou de dizer que está comprando para o seu patrão?
─Sim, e daí?
─O dinheiro nem é seu para estar nessa preocupação.
─E por que não é meu vou deixar você me explorar? É pensando assim que o país se encontra nessa situação!
─Faça-me o favor, no mínimo você deve estar pechinchando para embolsar a diferença ou... virou trepada certa do patrão e cuida da...
Ele não terminou a frase, ela atacou uma das bancas dele colocando-a abaixo.
─Mulher desgraçada! Eu vou acabar com você! - ele pegou-a pelo braço com força.
Ela o empurrou junto com outra banca de frutas e ele caiu esborrachado embaixo dela. Foi um verdadeiro caos. Resultado, os dois na delegacia.
─Para quem a senhora trabalha?
─Não vem ao caso. Tenho direito de ficar calada, não é?
─Dona Solene, a senhora só sai daqui quando me disser para quem trabalha.
─Escute seu delegado, eu não roubei, não matei e não feri ninguém.
─Feriu sim! - gritou o homem da banca sentado ao lado dela na frente do delegado. ─Eu quero indenização, ela trabalha para um homem rico e ele poderá pagar pelo estrago que ela fez na minha banca.
─Calado você! Sei que tentou bater nela. Há marcas no braço dela. Mais uma vez dona Solene, para quem trabalha ou terei que detê-la por algumas horas.
Ela respirou fundo, deu o nome do zelador e o telefone do prédio.
E o sujeito a ofendia de todas as maneiras em tom baixo.
─Se você der uma saidinha comigo depois daqui eu esqueço esse processo, que tal? Garanto que será bem gostoso.
Ela o olhou com sarcasmo e caiu na gargalhada.
─Está rindo de que vagabunda?
─De você palhaço! Acha que pode comigo? Sem noção! - e ela continuou rindo.
O homem estava quase se levantando para bater nela.
─Tirem essa vagabunda de perto de mim, ou eu vou matá-la e ser preso por homicídio! - ele a olhou de novo com nojo. ─Garanto que trepa com qualquer um por alguns pobres reais para poder comer...
─Modere a língua.
O grandão olhou para trás amedrontado com o tom duro. Solene ficou rígida com receio de olhar nos olhos dele. O delegado se levantou cheio de pompa para recebê-lo.
─Como vai, doutor Marcos? Não precisava ter vindo pessoalmente. Era só confirmar com seu porteiro se ela realmente era sua funcionária. Tive que detê-la por desordem e desacato a autoridade. Ela tentou agredir um dos policiais com a sacola.
─Deter uma mulher por isso? - disse Marcos em tom zombeteiro, sabendo que poderiam ter lidado com a situação de maneira diferente.
─Quero um advogado! Se ela pode, eu também posso! Ou ela tem privilégios por que trepa com esse sujeito?
─Cale a boca agora! - disse o delegado. ─Ou a sua situação vai ficar pior!
Marcos parou ao lado dele, mandou se levantar e ficaram cara a cara.
─Quer testar o meu poder? Continue me atacando, ou a ela.
─Que poder?
─Você está perante um juiz. – respondeu o delegado. Percebeu que o sujeito se amoleceu.
─Não pode abusar de sua autoridade... sou um humilde trabalhador e...
─Quer experimentar?
O homem se sentou e ficou calado. Solene repetia em pensamento.
“Estou demitida. Estou na rua... Meu Deus, o que eu fiz?”
Depois de alguns acertos e papéis assinados, Marcos partiu da delegacia ao lado dela, muda e tão ereta que lembrava um poste.
Ao chegarem no apartamento, ela largou as compras na cozinha, pegou suas coisas e se dirigiu a sala.
─Onde pensa que vai?
─Embora... darei um jeito de pagar o que devo.
─De onde você acha que vai tirar dois mil reais para me ressarcir do prejuízo de hoje?
─Eu darei um jeito! Mas não vou ficar devendo um centavo! - ela tremia com medo, mas tinha uma coragem absurda.
─Você vai continuar aqui, trabalhando para me pagar o que deve.
─Eu vou arranjar esse dinheiro... eu prometo!
Ele foi até ela e parou a sua frente. Estava muito furioso.
─Você fica, e vai trabalhar para pagar. É o único jeito de consertar essa merda toda, e a troco de quê?
─A troco de quê? - ela repetiu desafiadora. ─Porque o dinheiro não era meu e ele queria me extorquir com preços abusivos, como ele não conseguiu, começou a insinuar que eu queria roubar você! Eu posso ter alguns desvios de caráter, mas não sou ladra, e muito menos aproveitadora.
─Isso tudo que aconteceu... foi por que estava tentando economizar meu dinheiro?
─Claro! Que outro motivo seria? Ou acha que saio por aí fazendo barraco por nada? O dinheiro não é meu, mas nem por isso vou deixar alguém meter a mão assim com a maior cara de pau. Depois ele insinuou que eu... era sua amante. O sangue me subiu a cabeça e quando eu vi tinha feito o estrago. Depois, não imaginei que fossem chamá-lo. Era para confirmar com o porteiro que eu trabalhava neste prédio, pois nem o seu nome eu dei. Sei da importância do seu trabalho e jamais diria o seu nome por bobagens!
Ele a olhava entre incrédulo e divertido. A zanga fora para o espaço.
─Se quiser me m****r embora, fique à vontade...
─Não diga asneiras! Não vou m****r embora uma pessoa que foi às últimas conseqüências para poupar meu dinheiro...
─Pois é, mas o tiro saiu pela culatra, já que você gastou uma fortuna na delegacia.
─E você acha que eu me importo? Lealdade não tem preço. - e ele a fitou mais uma vez e sorriu deixando-a zonza. ─Vamos almoçar.
─Não fiz nada, você disse que...
─Sei o que disse. Vamos almoçar fora. E pare de falar ou irá me atrasar de verdade. - ordenou calando-a antes que ela protestasse.
No restaurante simples, mas com uma comida maravilhosa, ela comeu com vontade. Estava faminta, e ele adorou poder observá-la.
─É muito bom ver que ainda há mulheres que gostam de comer. A maioria finge para manter o peso.
─Eu não preciso disso. - ela riu provando seu vinho. ─Minha mãe dizia que eu era magra de ruim. Comia muito e não engordava, e que se eu fosse modelo ia matar as moças de inveja. Você pratica esportes, não é? Dona Fabíola falou algo a respeito.
─Sim, tênis e musculação.
─Tênis, atividade de gente chique.
Ele riu divertido.
─Então, além de todas as qualidades que você me deu, também sou chique.
─Não seria diferente sendo tão rico. – ela fitou o vinho. ─Aposto que o valor desse vinho é a metade do que eu ganho.
Ele ficou sério. Havia ali muitas interpretações. Ela o olhou rapidamente entendendo o seu erro.
─Desculpe, não estou recriminando quem gasta com um bom vinho.
─Tudo bem. Não estou ofendido. Sei que são injustas tantas diferenças sociais, mas desde que o mundo é mundo, as coisas são assim e ninguém conseguiu mudá-las.
Ela suspirou e baixou os olhos. Bebeu um gole de seu vinho e escorreu uma gota no lábio inferior.
Ele passou o dedo para limpar e colocou em sua própria boca. Hipnotizada, Solene estremeceu violentamente com aquele gesto tão suave e sensual.
─Vinho a La Sol, ou Sol a La vinho, não tem preço.
Ele chamou o garçom e disse num sussurro.
─Vamos embora antes que você possa ter bons motivos para me acusar por assédio.
Ela não resistiu e soltou uma de suas gargalhadas gostosas.
─Seria muito divertido vê-lo preso por isso.
─É mesmo? - ele indagou com maldade nos olhos.
─É, mas não numa cela comum.
─Tenho privilégios.
─Com certeza.
─E onde seria essa prisão?
─Cometa assédio mais vezes e você verá!
─Não me provoque. Lembre-se que eu sou a lei.
Saíram rindo do restaurante. Ele para o trabalho, ela de táxi para o apartamento dele.
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Solene se revirava em sua cama desanimada. Ficou até tarde esperando para vê-lo, mas ele não apareceu.
“O que eu esperava? Que ele viesse correndo para mim por causa da brincadeira no restaurante? Tonta! Idiota! Para de sonhar com conto de fadas! Aquele sujeito não é para você!”
Ela virou de lado, fechou os olhos e apagou. Solene estava deitada na banheira enorme quando ele invadiu o banheiro. Despiu-se e entrou também, trazendo-a para o seu colo. Fitou os seios dela com adoração.
─São lindos, Sol!
─São seus... faça o que quiser...
Ela viu o rosto dele se aproximando de seus seios, e o som de uma batida na porta os assustou. Ele a fitou surpreso.
─Deve ser Manoela...
Solene se retesou furiosa. Queria escoar pelo ralo! Como pudera esquecer que havia Manoela? A batida ficou mais forte.
─Mãe! Acorda mãe!
Ela abriu os olhos, tonta e sem saber onde estava. A banheira, a água, Marcos... Onde... Era sonho?
─Mãe, por favor. Vitor não está bem.Ela pulou da cama e abriu a porta. Bianca estava pálida e os olhos arregalados.
─O que houve?
─Não sei. Venha ver.
No quarto, Vitor suava, tremia e havia baba no canto de sua boca como se estivesse tendo um ataque. Assustada, Solene voou para o seu quarto, colocou uma roupa qualquer gritando para que Bianca ligasse para o tele táxi.
─Chame Matilde, preciso dela!
No hospital uma fila imensa pelo SUS. Ela e Matilde apoiavam o garoto, ou ele cairia. Não reagia, não falava, e seus olhos estavam parados.
─Você não disse que nesse trabalho tinha convênio?
─Sim, mas... - ela fitou o balcão. ─Segure-o. Vou resolver isto.
Ela saiu correndo e entrou na enfermaria parando uma moça de porte alto e com crachá de chefe das enfermeiras.
─Você não pode entrar aqui assim.
─Preciso de ajuda, meu filho está morrendo...
─Você precisa esperar como todo mundo e...
Furiosa, Solene a pegou pelo braço e arrastou-a para fora da sala fazendo-a olhar para frente.
─Veja! Não posso esperar!
A enfermeira avistou o garoto e chamou mais duas enfermeiras com uma maca. Rapidamente o levaram para dentro. Solene ficou ali, abraçada a amiga chorando em desespero. Mais tarde pediu que Matilde fosse ficar com suas filhas.
─Obrigada minha amiga.
─Sabe que pode contar comigo.
Matilde sorriu e beijou-a partindo. Ela ficou sozinha a espera de notícias, sentindo um profundo medo de que algo de muito ruim acontecesse com seu filho.
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─Mãe do Vitor?
─Sou eu. - ela foi até o médico. ─O que houve com ele?
─Overdose.
─Não! Ele não usa drogas!
─Talvez não, mas ele estava drogado e por pouco não morreu.
─Não pode ser... - ela repetia sentindo o seu corpo inteiro latejar. Angústia, medo, impotência.
─Fique calma. Ele está bem. Vai ficar bem. Então, depois converse com ele e tente descobrir o que houve. Existe uma droga poderosa, e outras tantas, que se ingerida de maneira abusiva leva a morte. Seu filho pode ter sido drogado. Ele precisa ficar em observação. Se houver liberação, será à tarde. Ele vai dormir por algumas horas, se quiser vá para casa e volte mais tarde.
Ela concordou desolada e foi para casa.
─Vou deixá-las na escola e voltem com Mariana. Fiquem em casa, dentro de casa. Ficarei com ele até ser liberado.
─O que ele teve mamãe? - perguntou Michele com lágrimas nos olhos.
─Um mal-estar filha. Está fraquinho, mas vai ficar bem.
Bianca a abraçou. Sabia que era bem mais grave. Depois de deixá-las na escola, ela pegou um táxi e foi para o trabalho. Precisava pegá-lo em casa e avisá-lo. Dispensou o elevador que estava demorando e subiu as escadas. Na cozinha viu as horas. Oito horas, chegara tarde. Fez café, sentou-se a mesa, apoiou o rosto nas mãos e o choro que era baixinho se transformou em prantos. Cansada... ela deitou a cabeça nos braços sobre o tampo da mesa e adormeceu, talvez por alguns minutos. Acordou com o toque suave no ombro. Um rosto pertinho do seu.
─Solene... o que aconteceu? Por que está assim? – ele a ajudou se levantar. O abatimento dela era imenso. Os olhos vermelhos.
Ela não resistiu, o abraçou e colocou a cabeça em seu ombro. Ele envolveu-a em seus braços, roçou os lábios nos cabelos perfumados como desejava desde que a viu pela primeira vez. Era incrível como seus corpos se encaixavam perfeitamente. Como era bom sentir-se assim, protegida, aninhada, confortada nos braços de alguém. Solene sentiu uma paz, e uma vontade incrível de se entregar a um sono profundo e relaxante nos braços dele.
Marcos a afastou depois de um tempo pelos ombros e fitou-a nos olhos.
─O que houve?
─Preciso voltar ao hospital... meu filho está lá...- e rapidamente ela contou tudo o que houve.
─Ele usa drogas?
Não havia recriminação, nem menosprezo, mas interesse no olhar dele.
─Não! Tenho certeza. Mas ele anda com garotos que podem usar e são filhinhos de papai, tem dinheiro e acham que podem qualquer coisa... - ela se afastou. ─Preciso voltar. Vou ficar com ele até ser liberado. Eu sinto muito por tudo que está acontecendo. Tenho lhe dado alguns problemas sérios, e se quiser pode me m****r embora.
─Que tipo de pessoa você acha que eu sou?
─Uma pessoa maravilhosa! Mas também o meu patrão que me contratou para trabalhar, e infelizmente, não estou conseguindo cumprir minha parte...
─Você já me apresentou alguns problemas, mas não sou um monstro para mandá-la embora num momento como este. Quando eu achar que devo demiti-la não hesitarei, certo?
Ela assentiu aliviada.
─Vou deixá-la no hospital. Mais tarde quando ele for liberado, você me liga, pego vocês e levo para casa.
─Não precisa, eu...
─Precisa sim. Quero conversar com seu filho. Entendeu Sol?
─Entendi que é uma ordem.
─Exato. E não agradeça. Vou cobrar seus horários quando for preciso.
Ela sorriu intimamente com esperanças de que ele tivesse dito aquela frase com segundas intenções.
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Vitor foi liberado à tardinha, e quando Marcos apareceu no quarto, Solene observou a imponência daquele homem na atitude das pessoas. Ele parecia um rei com seus súditos em volta. Tomou conta da situação. Falou com o médico, se apresentou a Vitor sem esperar por ela que estava alienada sem acreditar em sua boa sorte.
─Sente-se melhor Vitor?
─Sim, doutor.
─Ótimo. Então vamos para casa.
Que sensação maravilhosa era aquela de ter alguém para assumir o leme do barco de sua vida de vez em quando? Ela se questionou com um sentimento de alívio tão grande que poderia voar como um pássaro. Então era assim que uma pessoa se sentia quando tinha alguém tão especial como aquele homem em sua vida. Ela o fitou por um momento, cheia de gratidão. Mais ainda ao ver os cuidados e a atenção dele com Vitor.
No trajeto não falaram nada. Vitor estava empolgado naquele carrão maravilhoso. Ela observava a cena de trás. Deu o lugar para o filho para que ele pudesse aproveitar aquele passeio. Quando chegaram, ela nem precisou convidá-lo para entrar. Ele ajudou Vitor meio cambaleante, e entraram os dois juntos. Mais uma sensação nova, acolhimento. Ela sorriu.
Michele veio correndo, com os cabelos balançando, e abraçou e beijou o irmão alegremente.
─Marcos, essa é minha filha mais nova, Michele. A nossa caçulinha.
─Oi... como devo chamar você? Moço ou senhor?
Ele sorriu e se abaixou recusando a mãozinha dela para o cumprimento.
─Pode me chamar de Marcos, senão me sinto um velho. Prefiro um beijo. Você se importa?
─Não! Velho você? Imagina o seu João da quitanda, deve fazer parte de um museu! Eu adoro um beijo estalado. - e ela o beijou de maneira afetada arrancando risadas de todos.
─Você é uma linda princesa!
─Você acha? Como a minha mãe?
─Michele! - Solene ficou sem graça, mas sorriu.
─Tão linda quanto ela.
─Viu? - Michele fitou Vitor. ─Eu falei pra você que era parecida com a minha mãe.
Vitor riu divertido.
─Bem... eu vou fazer um café...- disse ela querendo fugir do mal-estar
─Café, mamãe? Temos visitas, por favor!
Solene sacudiu a cabeça horrorizada com sua filha menor. Marcos ria divertido.
─Tem razão, temos visita, que gafe a minha.
Michele balançou a cabeça em sinal de aprovação. Solene se voltou e fitou-a.
─Por falar nisso? Onde está Bianca?
─Ela disse que precisava terminar um trabalho da escola e me mandou ficar aqui quietinha esperando vocês.
Ela assentiu zangada. Conversaria com a filha mais tarde. Deu um beijo em Vitor e sussurrou no ouvido dele.
─Que bom que está bem e em casa. Conversaremos.
E ela foi para a cozinha ouvindo:
─Senta aqui Marcos. É verdade que o seu trabalho é prender todo mundo?
E a risada gostosa dele e de seu filho. Solene sorriu numa felicidade tremenda.
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Ela serviu uma lasanha com quatro queijos e abriu um vinho que tinha guardado há algum tempo para uma ocasião especial. Não eram as marcas que ele estava acostumado, mas era o que ela tinha.
─Oferecemos o nosso melhor. - murmurou os chamando para jantar.
Bianca chegou nesse meio tempo se apresentando a Marcos com naturalidade, o deixando impressionado com a semelhança entre elas. A jovem recebeu um olhar gelado da mãe. Já sabia que a conversa mais tarde seria longa. Bianca ficou fascinada pela beleza daquele homem. Michele sorria feliz olhando a todos com atenção. Vitor estava calado, fraco, mas tranquilo e respondia a todas as perguntas. Solene não dizia nada, apenas observava aquela cena estranha, mas tão linda.
─Não vai comer? - ele perguntou em certo momento.
─Já comi.
─Nem tocou no que serviu.
─Ela é assim Marcos. Vive de vento. - disse Michele.
Todos riram da careta engraçada que ela fez.
─A lasanha estava uma delícia. Há muito tempo não comia nada igual. - disse ele a olhando com atenção.
─Obrigada.
─Minha mãe é uma fada na cozinha, sabia Marcos? - disse Michele. ─Só às vezes é meio estabanada. Pra dizer a verdade... quase sempre!
─Sei. - ele riu. ─Que tal irmos buscar a sobremesa, Vitor? - e ele não tirava os olhos dela.
“Bem que a sobremesa poderia ser você”. Pensou ele.
Ela pareceu ouvir, pois deu um sorriso encantador. Mas entendeu a jogada, ele queria ficar a sós com Vitor.
─Sorvete? - gritou Michele.
─Mousse de limão? - pediu Bianca.
─O que vocês quiserem! - ele riu divertido. ─E o que você quer Sol?
“Eu quero você banhado ao chocolate,” ela disse em pensamento. Como se tivesse lido os pensamentos dela, ele respondeu:
─O mesmo que você.
Ambos riram com cumplicidade. Quando eles saíram, as meninas atacaram.
─Você tá divorciada?
─Não, demora um pouco. Por que, Bianca?
A menina secava a louça.
─Se você quiser pode casar-se de novo... um dia...E que não demorasse tanto. Um homem como Marcos... não é todo dia que aparece na vida de uma mulher. Rico, charmoso, e tem um sorriso maravilhoso!
─Bianca!
─A Bi tem razão mamãe. Eu gostei do Marcos. Você e ele combinam.
─Vocês querem parar com isso, suas diabinhas? E outra, ele tem namorada. - ela viu a decepção nos olhos delas, riu e tratou de mudar de assunto. Também estava decepcionada. ─E mais tarde vamos conversar por ter deixado sua irmã sozinha em casa enquanto eu não estava Bianca.
─Mamãe, por favor. - disse Michele. ─Não brigue com a mana. Eu sei me cuidar. Se não percebeu, eu estou crescendo.
─Sim, está crescendo minha caçulinha, mas precisa de proteção. E cada um aqui deve proteger um ao outro.
Bianca parou de secar o prato, e beijou a irmã e por fim a mãe.
─Desculpe mãe. Você tem razão, não vai mais acontecer.
Solene assentiu séria com o coração aliviado. Sabia do amor que os filhos tinham um pelo outro, e era isso que importava.
Capítulo 5 ─Já tinha usado drogas alguma vez, Vitor? – eles estavam no caminho de volta para casa. ─Nunca! Tenho certeza de que não usei nada ontem à noite. ─E como você acha que isso aconteceu? ─Eu estava num barzinho com amigos e lembro que depois que tomei um refrigerante comecei a passar mal. ─Sabe o que aconteceu, não é? ─Desconfio. ─Alguém deve ter colocado a droga em sua bebida. ─Quando alguém conta que fazem esse tipo de coisa, a gente não leva fé. Acha que é só nos filmes
Capítulo 6 Dona Fabíola voltou de viagem, Solene se entregou de corpo e alma ao trabalho superando até mesmo suas expectativas. Trabalhou duas noites, na organização de dois jantares oferecidos para os amigos de Marcos, mas não o viu uma única vez. Ela fazia questão de evitá-lo. Tomou um choque de realidade. Aquele homem não era para ela, e ponto. Na manhã seguinte, do último jantar, ela ficou ainda mais resoluta, e profundamente magoada, ao encontrar fios de cabelos ruivos na cama. Sabia muito bem o que eles deveriam ter feito, como e quantas vezes. Ela se superava, também, em casa. O ambie
Capítulo 7 A maratona para o final de semana se iniciou com Bianca, que saiu da festinha emburrada, mas quando se deparou com Marcos encostado na lateral do carro as esperando, deu um sorriso iluminado, muito parecido com o da mãe. Era incrível a semelhança entre elas, constatou ele. Ela o abraçou e o beijou euforicamente. ─Por que não me disse que ele estava aqui, mãe? ─E perder a oportunidade de estragar a surpresa? - respondeu Marcos, rindo alegremente. Com Michele não foi diferente. Assim que o viu se atirou nos braços dele com imensa alegria. ─Nossa! Eu já estava com saudade! Por que demorou tanto? ─Alguns compromissos, pequena. – ele riu feliz com aquela recepção segurando-a em seu colo. ─Mas eu voltei. ─Antes tarde do que nunca! Fiquei com medo de que quando você volta
Capítulo 8 Naquela semana, Marcos e Solene pouco se viram. Por duas vezes, conseguiram trocar alguns beijos apaixonados, antes que ele fosse para o trabalho. Num desses momentos, Solene percebeu que Fabíola os viu. ─Não tenho nada a ver com sua vida, muito menos com a do nosso patrão. Mas tome cuidado, Sol. Gosto de você. Não quero vê-la sofrer. ─Obrigada, dona Fabíola. ─Desde que a vi pela primeira vez, eu soube que algo assim poderia acontecer. Você é bonita e atraente, mas não esqueça que existe dona Manoela. Ela é a mulher real que vive no mundo dele, e eles tem uma história muito bonita. Solene sentiu um baque no peito e olhou-a com os olhos espreitados. Por que nunca falaram sobre a história deles? Por que ela nunca perguntou sobre Manoela para ele? ─É mesmo? Pode me contar? A velha senhora res
Capítulo 9 No sábado em seguida do meio-dia, Solene voltou ao trabalho, tinha um jantar para organizar e queria tudo impecável. Com alguns livros em mãos, ela passou a tarde cozinhando, e analisando decorações de mesa. Fabíola a olhava atentamente, e a ajudava ao lado de uma assistente. ─Não coloque o uniforme, ordem do doutor Marcos. - ela sorriu. Solene não deu importância. Já estava com tudo calculado em sua cabeça. Na hora de servir estava tudo tão certo que causou até suspiros. O jantar maravilhoso! Ela usando o mesmo uniforme preto para afrontá-lo. Afinal, ele não fez nada quando deveria. Marcos detestou, e de quebra, lhe lançou um olhar de pura indignação.
Capítulo 10 Marcos estava saindo quando recebeu uma visita inusitada. Sua mãe. Beatriz era uma mulher elegante, sofisticada e de “linhagem” como ela gostava de dizer. Aos sessenta anos, era bonita, corpo magro, cabelos grisalhos bem cuidados, rosto recauchutado, sem exageros, a ponto de passar por no máximo cinquenta anos. Era uma advogada ainda em exercício da profissão, fria, rude e competente. Tinha orgulho dos filhos, um médico trabalhando fora do país, e Marcos o juiz que ela sempre sonhou. Ela entrou sem esperar o convite. ─A que devo a honra, dona Beatriz? ─Sem ironias, meu querido. - ela o beijou de maneira formal e avançou pela casa como se procurasse alguma coisa.
Capítulo 11 ─Como? – perguntou ela chateada olhando para dona Fabíola que acabava de lhe contar algo bem desagradável. ─Luiza que cuida das funcionárias da limpeza no prédio onde fica a firma de doutor Marcos, disse que dona Manoela tem ido todos os dias por lá, e passa horas trabalhando ao lado dele.Solene respirou fundo. Como lutar contra essa afinidade profissional tão grande?Comentou com Matilde à noite, sentadas à mesa do bar tomando uma cerveja. ─O que eu faço, Tilda? Tomo um banho de loja? Curso direito? Grudo nele como um carrapato? Diabos! Nunca pensei que
Capítulo 12 Sentadas à mesa no barzinho, Matilde e Solene conversavam num tom confidente às duas horas da manhã, bebendo uma cerveja gelada. Solene chegara ali chorando muito, fora um custo acalmá-la. ─Sabe o que eu mais admiro em você? ─Você vive falando no meu cabelo.Elas riram. ─Na tua humildade. Faz seis meses que você está arrebentando com sua cozinha, e continua encontrando tempo para visitar as amigas e não as abandonar. ─Eu jamais abandonarei quem esteve comigo em qualquer situaçã