Minha Empregada é do Barulho
Minha Empregada é do Barulho
Por: Emíliana Vaz
Capítulo 1

                                  Capítulo 1

      Solene se sentou na cadeira, colocou os cotovelos sobre a mesinha de bar na calçada e fitou o vazio. Nesse instante, Matilde, amiga desde a infância e dona do barzinho que ficava perto de sua casa, se aproximou.

   ─Que cara é essa, Sol?

   ─Cara de quem comeu e não gostou, ou cara de quem não foi comida?

As duas riram. Matilde se sentou e pediu ao seu garçom que trouxesse uma cerveja para elas.

   ─A vida está difícil minha amiga. - Solene suspirou.

   ─E fica mais difícil ainda quando a gente desanima.

   ─E você quer que eu me sinta animada como, com aluguel atrasado, sem trabalho, traste do Wilson que não paga a pensão e meu filho, meu inimigo número um? Sabe da última? Vítor disse que tem vergonha de mim! Você acredita nisso?

   Matilde balançou a cabeça irritada. Analisou a amiga rapidamente. Tinha trinta e dois anos, um metro e setenta, e ainda usava saltos de dez centímetros.  Cabelos ondulados com um franjão caído na testa e olhos castanhos escuros. Era magérrima! Mas de formas bonitas. Teria sido uma modelo de sucesso, não tivesse engravidado aos dezessete anos de idade, e casado com um estrupício ciumento e violento, que a incomodou por quatorze anos. A cada vez que se separavam e se reconciliavam, ela engravidava. Teve Bianca, agora com treze e a caçula com sete anos. E para encerrar com chave de ouro, naquele final de ano, na passagem de 2001 para 2002, Wilson batera nela e no filho. Foi arrancado de casa a força pelos vizinhos, e ela levada a delegacia da mulher para prestar queixa.

   Solene era alegre, otimista, acreditava em tudo e em todos. Tinha um olhar meigo e um sorriso contagiante. O que a atrapalhava, era sua sensualidade intensa. Arranjava inimigos por onde passasse, principalmente, nos empregos. No último, o marido da patroa atraído pela empregada, começou a assediá-la quando estavam sozinhos. Solene controlava a situação. Sabia se defender. O problema foi o sujeito sonhar com ela e dizer seu nome. Na manhã seguinte, a patroa a despediu. Além da má sorte nos empregos, a falta de dinheiro, ainda havia a rebeldia de Vitor.

   E ela contou a discussão a pouco com ele. Estava sentada na pequena área da frente da casa com Bianca quando ele chegara.

   ─Onde você estava Vitor?

   ─Não é da sua conta. - e ele passou por ela voando.

   ─Como assim? Quem disse que sua vida não é da minha conta?

Ele correu para o quarto e bateu com a porta na cara dela. Solene tirou o tamanco e começou a bater na porta furiosa.

   ─Me deixa em paz! - ele gritou.

   ─Sou sua mãe! Mães não foram feitas para darem paz, mas educação!

   ─Que educação, se você nem sabe o que é isso? - ele gritou.

Solene estava quase tendo um ataque de fúria. Bianca intercedeu antes que fosse tarde demais.

   ─Mãe, não se estressa... - ela disse com aquele jeitinho calmo de sempre. Bianca era a paciência em pessoa. ─Você sabe que o Vitor adora fazer o tipo rebelde sem causa... - riu tentando amenizar a fúria nos olhos dela. ─Não se preocupe. Ele não deve estar fazendo nada demais.

   ─Quem me garante? Você sabe com quem ele anda, não é? Podem estar se drogando, roubando...

   ─Mãe! Não exagera! - exclamou atônita.

   ─Exagero? O filho da Mirela está internado por causa das drogas.

Solene reparou na palidez da filha. Carlinhos sempre fora apaixonado por Bianca desde pequeno, mas ela jamais incentivou aquele sentimento. Eram amigos e bastava.

   ─Eu soube mãe... fiquei muito triste. Mas não quer dizer que Vitor esteja fazendo a mesma coisa.

   ─Não sei... - ela calçou o tamanco. ─Vou até o bar da Matilde. Preciso de ar puro! Fica de olho nele!

Solene bufou voltando a olhar para a amiga.

   ─Seja minha fada madrinha e resolva meus problemas com a sua varinha.

   ─Bem que eu gostaria minha amiga. - pegou a mão dela sobre a mesa. ─Sol, tudo tem solução nessa vida. Menos para morte.

   ─Filosofia de botequim a essa hora...me poupe, Tilda! O que faço com Vitor? O que faço para arranjar dinheiro para ontem? – ela aproximou mais o rosto para dizer num sussurro. ─O que eu faço com esse fogo que me queima? Sabe há quanto tempo estou sem sexo?

  Matilde riu do jeitão engraçado que ela tinha de interpretar suas falas, como se estivesse numa peça de teatro. Era isso, Solene era aquele tipo teatral. Contava sua vida como se estivesse num grande palco encenando para centenas de pessoas.

   ─Sol: umas boas palmadas naquele menino, ou um castigo bem cruel já resolvem. Quanto ao fogo.... está cheio de homens dispostos a te consolar. Linda e exuberante! É só querer. E a grana, talvez eu tenha um trabalho para você.

   ─Onde?

   ─Lembra da dona Ângela que trabalhava na casa de um juiz importante?

   ─Lembro dela. Quanto ao juiz não sei quem é e nunca me interessei, embora ela falasse muito nele, não é? Como é mesmo que ela dizia? O justiceiro mais gostoso que já vi na vida! Queria ter vinte anos a menos e ser condenada por ele.

   Elas riram.

   ─Pois então, ela se aposentou. A vaga dela está vazia. Ela deixou o cartão do escritório que estão cuidando da contratação aqui comigo. Quer tentar?

   ─Claro! Por que não? Se bem que, eu acho difícil conseguir essa vaga.

   ─E por quê?

   ─Eu, linda, alta e espalhafatosa na casa de um juiz famoso? Não daria certo. Mas não custa tentar.

   ─Sua boba. Tente. Quem sabe!

   ─Ah, minha amiga, do jeito que está minha vida... não acredito em mais nada. Mas quem sabe eu tenha a sorte de um milagre!

                                      ≠≠♥≠♥≠≠

    Solene acordou com uma dor de cabeça terrível. Dormira duas horas. Bebera todas com Matilde até as quatro da manhã. Já eram sete e meia, estava atrasada. Tratou de tirar as crianças da cama. Vitor foi o último e como sempre, ela precisou rezar um terço em frente a porta trancada.

   ─Levanta Vitor... preciso de sua ajuda. Leve suas irmãs para a escola. Vou ver um trabalho e se der certo... nossa vida vai mudar. Para melhor. Prometo! - ela acariciou a porta com a ponta dos dedos. ─Não esquece que eu te amo. Não vou esquecer de arrancar esta fechadura da porta na próxima vez.

Ela sorriu e foi para cozinha. Ele sorriu e foi para o banheiro.

                                      ≠≠♥≠♥≠≠

Michele entrou na cozinha chamando por ela como todas as manhãs. Sorridente e linda! Cabelos e olhos negros como os do pai. Tinha um rostinho de anjo.

   ─Bom dia, mamãe!

   ─Bom dia, minha caçulinha! - Solene a pegou no colo. ─Dormiu bem?

   ─Como pedra! Mas você, acho que não...

   ─Sua bruxinha! Não dá pra esconder nada de você!

Vitor entrou na cozinha com cara de poucos amigos.

   ─Dá pra parar com o mimimi e aprontar o café logo?

   ─Sim senhor, meu amo! Seu café será servido em poucos minutos. - disse solene fazendo graça e Michele riu divertida.

 Ela analisou o filho. Cabelos arredios e mais cumpridos do que o normal, preto como os de Michele. Era um garoto bonito, e de estatura média como o pai.

   Não ia ser alto como ela. Vitor não gostava da vida que levava e odiava ser pobre. A maioria de seus amigos tinham pais com uma boa situação financeira. Ele a culpava muito por sua má sorte. Seu filho vivia um momento de pura rebeldia. Ela era o seu alvo direto e preferido.

   ─Se você brincasse menos e fizesse menos escândalos, quem sabe teríamos uma vida melhor. - disse ele com raiva saindo da cozinha.

Solene foi atrás dele e o pegou pelo braço num solavanco.

   ─Você está igual ao seu pai. Era tudo que eu não gostaria! Por que a falta de respeito comigo?

   ─Talvez se você fosse diferente...

   ─Sou o que sou! E não vou mudar por ninguém, muito menos por você! Não me desafie garoto, ou posso perder a cabeça, entendeu? Agora sai da porta desse banheiro que eu preciso me arrumar.

Ele saiu batendo os pés, furioso. Ela suspirou desanimada. Olhou-se no espelho. Estava horrível! Olheiras profundas, um vinco na testa, abatida.

   ─Não vou chorar! Não sou mulher de drama! Ou sou? Eu nem sei mais quem eu sou...

Meia hora depois, estava vestida para matar. Blusa vermelha com um decote profundo para salientar os seios de tamanho médios, uma saia preta acima dos joelhos, as suas roupas de ponta de estoque, e um par de sandálias preto salto alto. Colocou um restinho de seu perfume favorito, que já estava no fim, se lamentando. Olhou-se no espelho.

   ─Magrela bonita, hoje você consegue esse emprego. Custe o que custar!

Deu uma olhada na carteira. Sem um centavo. O jeito era pedir socorro a Matilde.

                                     ≠≠♥≠♥≠≠

    No ônibus abafado a caminho da Avenida Paulista, onde ficava o escritório do tal juiz, Solene rezava em pensamento. Precisava daquele emprego.

    Não gostava de limpeza, mas daria seu sangue, e seria uma secretária do lar perfeita para garantir o sustento da casa e dos filhos. Já passavam tantas necessidades... Entretida em seus pensamentos, ela não se deu conta de que passara do ponto do ônibus e precisou descer duas além; furiosa, consigo mesma. Já eram quase nove horas.

   Corria pela avenida em cima daquele salto dez, sem esforço algum, como se estivesse numa maratona alheia a admiração da maioria que passavam por ela. Solene era uma figura bonita e elegante. Ao chegar no prédio, conseguiu entrar no elevador que já estava fechando as portas. Um dos três homens bem-vestidos prendeu a porta para que ela pudesse entrar. Ela sorria esbaforida. Agradeceu e deu-lhe as costas, sentindo os olhares masculinos sobre ela.

    Sentiu um arrepio de contentamento. Um lugar fino, homens charmosos e cheirosos, e ela... Bem, gostaria de acreditar que estava abafando. Mas os três desceram um andar antes dela e não houve pedidos de seu telefone.

     Ela riu de si mesma.

   ─Não seja ridícula, Solene! Essa falta de sexo está mexendo com seus neurônios. – se repreendeu saindo do elevador no andar indicado.

E quase se contraiu ao se deparar com o luxo daquele lugar. Um grande escritório, com várias pessoas transitando de um lado a outro.

Ao parar em frente à secretária, uma loirinha do tipo mion, ficou sem graça, sentiu-se um monstro perto dela.

   ─Eu me chamo Solene, e vim para a vaga de empregada doméstica, ou... Secretária do lar? Do seu, doutor, juiz ou excelentíssimo? Eu não sei como devo me referir...

A moça sorriu condescendente.

   ─A vaga de secretária do lar do doutor Marcos.

   ─Isso! Doutor Marcos! - ela rodeou o pé brincando com o salto. Quando fazia isso, sem se dar conta, girava um pouco o quadril dando uma rebolada. ─Pode ser sincera... Tenho alguma chance? Preciso desse trabalho!

   ─Eu entendo. Olha: doutor Marcos não vai poder recebê-la agora, mas vou passar o endereço dele e você vai até o apartamento dele a noite. Entre sete e oito horas. Pode ser?

   ─Claro! - ela deve ter gritado, pois viu alguns olhares sobre ela. Sorriu sem jeito e baixou o tom. ─Estarei lá com certeza!

   ─Mas primeiro me deixa avisá-la, doutor Marcos é um homem cheio de manias, e às vezes, se comporta como um tirano entende?

   ─Oh, não se preocupe. Estou acostumada. Tenho um projeto de tirano em casa e sei como lidar com eles. - ela riu dando um tapinha no ombro da pequena, para logo se arrepender. ─Desculpe... Sou um tanto efusiva... às vezes!

   ─Sei Solene. Gostei de você, mas lembre-se, doutor Marcos é o doutor Marcos.

Solene apertou o olhar assentindo lentamente, tentando processar o recado da garota que, traduzindo, ela que não tentasse “domá-lo” como ao filho.

   ─Sim, eu entendi. Obrigada pelo aviso.

   ─Ele é um bom patrão, justo e solidário. Mas cobra eficiência e lealdade. E paga um bom salário pela competência de seus funcionários. Espero que você consiga. Boa sorte!

Solene agradeceu mais uma vez, pegou o endereço e saiu. A loirinha a analisou a distância com cuidado.

   ─Uma mulher efusiva versos um homem discreto e às vezes tirano, que mistura dará? Isso se ela conseguir a vaga.

                                      ≠≠♥≠♥≠≠

    Solene saia do prédio pensando nas coisas que a secretária disse. Seria difícil conseguir aquela vaga se o homem era complicado, mas... De repente se viu rodopiando com a trombada de alguém que passara por ela correndo. Um homem alto, bem-vestido, mas que ela não conseguiu ver tamanha a pressa.

Esfregou o braço ardendo, injuriada.

   ─Ei babaca, não olha por onde anda? Caramba, isso que eu tenho um metro e setenta, imagina se eu fosse do tamanho daquela garota. Ele me esmagaria com o pé!

E de repente sua pele ficou roxa. Era sempre assim. Muito alva e sensível, era fácil ficar marcada com qualquer batida.

   Em casa, ela tentou organizar tudo o que podia, pois caso conseguisse aquele emprego, não teria muito tempo para isso. Rapidamente fez uma macarronada. Estava aí uma coisa que ela amava; cozinhar. Tinha vários livros de receitas e sempre que podia testava uma nova. De resto, odiava os serviços de uma casa, e ia trabalhar de empregada... Bufou desanimada!

   ─Quem mandou parar de estudar e se apaixonar tão jovem? - reclamou colocando a mesa.

Na hora do almoço, com as crianças, Vitor estava calado e nem tocou na comida. Levantou-se, mas ela o parou.

    ─Termine de comer.

    ─Não quero. Detesto sua macarronada.

Solene precisou se controlar para não fazer uma besteira.

    ─Você nem sabe de onde veio o dinheiro para bancar o nosso almoço.

    ─No mínimo você fez algo ilícito. Roubou? Podia ter roubado algo bem melhor! Quer provar que é boa em tudo? Então faça direito, supermãe! Aquela que lava, passa, cozinha e deixa tudo brilhando, e de quebra se você tiver algum problema ela terá uma ideia brilhante também! Você poderia se vender para comerciais na televisão, sabia...?

Ela bateu com o garfo no prato e Bianca gritou:

   ─Você é um estúpido Vitor!

Michele começou a chorar, e Solene, circulava a pequena mesa pronta para bater nele.

   ─Você é um garoto muito mau!

   ─E você uma mãe vulgar, que não se dá o respeito andando por aí com essas roupas justas exibindo um corpo que não tem, cheia de olharzinhos para os homens que eu vejo!

Foi fatal. Solene perdeu a cabeça e deu-lhe uma bofetada no rosto. Sua mão ardeu e a face dele avermelhou.

   ─Vai para o seu quarto agora, ou eu termino de partir a sua cara, moleque!  Andando seu insensível, projeto de Wilson com direito a ISO 9001!

Michele soluçava, Bianca deu uns empurrões no irmão que não ousou tocá-la. Ele correu para o quarto e se trancou a chave. Ela pegou Michele no colo. A menina deitou a cabeça em seu ombro.

   ─Por que ele faz isso mamãe?

   ─Acho que nem ele sabe... fique calma. Está tudo bem caçulinha.

Bianca as abraçou também. Mais tarde, ela limpou a cozinha, mas um nó em sua garganta a sufocava. Seu filho tinha vergonha dela. Tinha vergonha de ser pobre, de morar numa casa humilde. E ela chegou a pensar que seriam amigos, que teria um homenzinho em casa para defendê-la. Mas não, ele a atacava sem dó nem piedade!

   Ela ouviu a música alta vinda do quarto dele, pensou em ir até lá e colocar a porta abaixo, mas pelas meninas se conteve. Chegava de barracos por um dia.

Tudo que ela queria era um pouco de paz, e conseguir aquele emprego.

                                      ≠≠♥≠♥≠≠

   Em frente à porta do apartamento do luxuoso prédio, ela se olhou rapidamente. Blusa preta, que seria discreta não fosse o decote ousado, mas era a única naquela cor e saia lápis marrom escura. As sandálias pretas e bolsa escura. Estava bem, mas por tudo que ouvira de Vitor, sentia-se uma prostituta. Olhou em volta. Aquele homem era muito rico! Aquele lugar chegava a ser uma ofensa de tão ostensivo.

    O corredor era do tamanho de sua casa. Imaginava o apartamento... Pensou em correr, mas não podia. Pegou o espelhinho do pó, ajeitou o franjão, passou mais uma vez o batom cor de boca, deixando o vermelho de lado. Apertou a campanhia, e respirou fundo.

    Uma senhora de uns sessenta anos de idade, cabelos presos num coque, roupa discreta a atendeu com um olhar avaliador e crítico. Solene sentiu-se desconfortável.

   ─Boa noite, eu...

   ─Solene da Silva, sei. O doutor a espera. - ela abriu caminho para que Solene passasse. Essa ficou insegura quando sentiu o tapete grosso sobre seus pés. Ficou com medo de pisar em falso e cair. O apartamento era como ela imaginara no tamanho, enorme, mas com uma discreta decoração em tons neutros que iam do branco, ao bege e marrom claro. Ela teve dúvidas se teria capacidade de cuidar de tudo aquilo.

   ─Me acompanhe.

Ao chegarem no fim do corredor, Solene parou e viu-a bater numa porta e entrar.

   ─A pessoa que o senhor aguardava chegou. Posso mandá-la entrar?

   Quanta cerimônia..., ela pensou assustada.

   ─Sim, já acabei aqui.

A senhora se virou e fitou-a com um olhar que dizia: “Entre e tente! Se conseguir, parabéns! Passou no teste!”

    Com quatro passos, ela atravessou a porta como se estivesse indo para a forca. E quando pousou o olhar sobre o homem sentado do outro lado da mesa imponente com os cotovelos apoiado no tampo e o queixo apoiado nas mãos, ela quase teve um troço. Os cabelos entre grisalhos e pretos. O olhar escuro perscrutador, a boca larga e convidativa... Solene tinha a impressão de estar dentro de uma página daqueles livros que descreviam Deuses gregos. Ela não reparou que estava estática de queixo caído, o que o fez sorrir. Então ela teve um disparo no coração.

   ─Confesso que esperava uma mulher mais velha.

   ─Eu confesso...  que esperava alguém bem mais velho...- ela murmurou, mas ele ouviu e alargou ainda mais o sorriso perfeito.

Ele girou a cadeira.

   ─Aproxime-se e sente-se, senhorita...? - ele tentou olhar o papel sobre a mesa, mas ficou do mesmo jeito a observando se aproximar.

   O movimento dos quadris, das coxas através da saia, o alertou. E o sorriso dela, de princípio tímido, para logo depois tão espontâneo, o envolveu completamente.

    ─Solene. - ela estendeu a mão por sobre a mesa para se apresentar.

Ele se levantou, e ela se assustou ainda mais com a altura dele. Sentiu-se uma anã perto do homem. Algo inédito para sua altura.

    ─Eu fui senhorita um dia, hoje sou... separada.

Ela quase se engasgou com o calor daquela mão que a aqueceu e deixou-a em brasas.

   Isso não está certo..., pensou ela.

   Nossa, que mulher mais erótica! Há quanto tempo não me deparo com alguém assim, pensou ele.

    ─Sente-se, por favor.

Ela cerrou os olhos por um segundo, coisa que não passou despercebido para ele.

    ─Algum problema, dona Solene?

    ─Tudo bem... e pode me chamar de Sol. - ela sorriu de novo e se sentou com a sensação de que ele deixou escapar um gemido.

Sacudiu a cabeça levemente. Devia estar ouvindo coisas. Quantos anos ele teria? Uns quarenta no máximo, ela concluiu depois da inspeção.

    ─Certo Sol. - ele percebeu o estremecimento dela. Conteve a vontade de rir com gosto. ─Como soube da vaga?

    ─Sua ex... Secretária do lar... - ela pigarreou tentando falar corretamente. ─... mora perto de uma amiga, e avisou sobre a vaga.

    ─ E você trouxe referências?

Solene se engasgou e fitou-o com os olhos vermelhos pelo esforço para não tossir.

     ─Não, eu nem pensei em referências.

     ─É uma norma para trabalhar comigo, Sol.

Ela balançou a cabeça desanimada. Mas enfrentou o olhar dele sobre ela.

     ─Bem, doutor, me separei há oito meses, e como empregada doméstica, que é como eu conheço essa profissão, trabalhei somente numa casa de uma amiga. E antes que o senhor pergunte, não deu certo. O marido dela começou a me assediar e ela acabou me mandando embora. Foi melhor assim. - ela apertou as mãos e o fitou-o direto nos olhos. ─Preciso do emprego. Tenho três filhos e...

    ─Três filhos?

Pelo tom de surpresa e o olhar duro, ela percebera que suas chances acabaram ali. Fez menção de levantar-se dizendo:

    ─Desculpe tomar seu tempo...

    ─Sente-se. - ele ordenou num tom seco. Aquele homem estava acostumado a dar ordens e ser obedecido. ─Não terminei sua entrevista. E não quis demonstrar uma surpresa pejorativa, mas me pareceu muito jovem para ter três filhos. Se precisar ficar aqui uma ou duas noites, seus filhos podem ser problemas?

    ─Oh, não! - ela nem queria ousar pensar em... ─Minha filha mais nova tem sete anos, e meus outros dois filhos tomam conta um dos outros.

     ─Costumo organizar alguns jantares para amigos e nessas noites preciso de uma assistência maior, entende?

     ─Se a vaga for minha, estarei sempre disponível... - ela percebeu como aquilo soou mal e tentou remendar. ─... para servir ao senhor e seus convidados, e... enfim, o senhor entendeu, não é?

Quanto mais ela falava pior ficava. Ele sorriu, ela se calou.

      ─Sou muito ocupado, passo pouco tempo em casa. Preciso de alguém que possa se dedicar e cuidar do meu apartamento. Dona Fabíola cuida das contas, e das outras funcionárias. Ela lhe dirá quem faz o quê, e quando. Costumo exigir referências, mas vou abrir uma exceção. Um mês de experiência. - ele sorriu ao ver o sorrisão dela. Era fantástico! Percebeu que ela se controlou para não gritar. ─Posso ser muito chato quando estou irritado, e sou exigente. Não gosto que mudem nada de lugar. Não posso me dar ao luxo de estar procurando o que eu já sabia estar num certo local, entende? Não tenho tempo para essas amenidades.

   O olhar dele desceu para o vale dos seios dela. Engoliu em seco. Ela corou. Perceptiva a moça, pensou ele com um olhar zombeteiro.

     ─Dona Fabíola vai explicar o que você deve ou não fazer. Perguntas?

     ─Sim, tenho uma... e bem importante...- ela disse sem jeito.

     ─O salário, claro! - ele sorriu com um olhar suave e se encostou ao acento da cadeira. ─ Três salários-mínimos e mais adicionais noturnos quando precisar de você. E convênio médico... - parou ao vê-la se desconcertar. ─Fique calma ou teremos que usar o convênio antes do tempo...

Ela riu gostosamente, ele se calou fascinado com aquele som.

     ─Desculpe... às vezes exagero com essa minha risada...

     ─Não peça desculpas por algo tão bonito e genuíno. Passe no escritório amanhã... - disse ele levantando dando fim aquela conversa que começava a pegar um tom íntimo demais. ─ Acerte tudo com minha secretária e comece na semana que vem.

     ─Certo. - ela sorriu levantando-se junto com ele.

     ─Tenho um compromisso, já é tarde, posso deixá-la em casa.

     ─Oh, não é preciso. Obrigada!

     ─Certeza?

    O jeito como ele falou e a olhou, ela sabia que iria até o inferno se ele pedisse.

     ─Sim. - ela murmurou ao vê-lo se aproximar dela.

Era alto, deveria ter mais de um metro e noventa. Como era bom conhecer alguém no mundo maior do que ela!

Marcos a observou de cima a baixo e lentamente pousou o olhar no braço dela.

     ─O que foi isso em seu braço?

Ela desceu os olhos lentamente. Estava entorpecida com o toque, a voz macia, e aquele olhar abrasador. Parecia ter entrado em órbita completamente.

     ─Ah, um babaca trombou em mim em frente do seu prédio hoje pela manhã e...

     ─Lamento Sol... - passou a mão nos cabelos num gesto nervoso. ─Estava com tanta pressa que nem imaginei que pudesse ter machucado alguém...

Ela ficou totalmente sem jeito, pois acabava de chamar seu futuro patrão de babaca.

Decididamente, eu não acerto uma!

      ─Eu mereci o babaca! Você parece uma menina assustada quando fica sem graça. - ele riu. ─Vou buscar uma pomada.

      ─Não é preciso...

Mas ele já havia saído e voltado em questão de segundos. Era rápido e eficiente. Segurou o braço dela com delicadeza e passou a pomada devagar e com cuidado. Conforme ele movimentava os dedos, ela se arrepiava. Fato que ele não ignorou e gostou muito. Fitou-a nos olhos, ambos sorriram. 

       ─Amanhã já terá sumido. Leve a pomada com você.

       ─Não é preciso...

       ─Faço questão.

Trêmula ela guardou a pomada na bolsa. Seu corpo inteiro latejava, seu pulso estava acelerado e sua pressão subira. E tinha quase certeza de que a dele também.

       ─Então, obrigada doutor.

       ─Até semana que vem, Sol.

       ─Até lá!

Bem que poderia ser amanhã, pensou ela saindo da sala com o coração aos saltos.

       ─Vou ter problemas com você aqui, Sol. - ele sorriu ao sentir sua excitação. Ela era abusada de tão sensual e erótica. Era um risco que ele se propusera a correr.

                                       

Emíliana Vaz

Sou uma autora independente com 13 livros publicados, literalmente sozinha. Entre 2000 e 2005 escrevi 18 histórias que guardei na gaveta. Em 2014 publiquei A bruxa de Negro, e não parei mais. Ando na trilha literária com a companhia de quem me lê. Sou muito grata!

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