O percurso até o apartamento do Theo é feito no maior silêncio, pelo menos da minha parte. No banco de trás a pessoa que se julga minha mãe, tagarela sem parar e não poupa comentários sobre a beleza do meu então namorado. É sempre assim. Estou tão inerte em meus pensamentos que não consegui nem ficar feliz com o rotulo do nosso relacionamento. Estou preocupada demais com os danos colaterais que eu sei que a minha mãe vai deixar quando partir. Danos que eu terei que consertar e resolver. É sempre assim. Ela vem, me usa da forma que bem entende, me difama e depois do estrago feito, vai embora, mas não, sem antes me humilhar. É um ciclo vicioso sem fim. Ela nunca vai me deixar em paz e já estou cansada de ter que juntar meus cacos sempre que ela vai embora. Simone é uma bomba relógio pronta para explodir e não se importa em quem ela derruba no meio do caminho. Theo pega minha mão e beija o dorso dela, dizendo silenciosamente que tudo ficará bem. No meio do caminho ele
Acordei com o barulho do chuveiro, alguém havia acordado cedo e quando bati a mão do lado dela da cama, sabia quem tinha sido, ao encontrar o espaço vazio. Escorreguei para fora da cama e vesti minha calça de moletom, me lembrando que havia visita em casa. Senão fosse por isso, iria caminhar somente de cueca pelos cômodos. Passei pela porta do banheiro e ouço gemidos do outro lado, senti o coração apertar ao constatar que ela está chorando. Na noite anterior, ela chorou até adormecer em meus braços. A dor que a sua mãe havia causado nela era realmente muito grande. Encostei a testa na porta do banheiro e cogitei entrar, mas desisto, sabendo que ela precisa desse tempo sozinha. Caminho até a cozinha e decido ocupar meus pensamentos com o café da manhã. Começo a preparar os pães na torradeira quando ouço o barulho de uma porta se abrindo e sei que não é a do banheiro, pois o chuveiro ainda está ligado. — Bom dia. — Simone fala, na verdade quase sussurra e pelo som dos seus p
Theo foi melhor do que previ, evitando minha mãe a todo custo, durante o feriado. E ela não perdeu uma única oportunidade de me provocar, dando em cima dele, como se não fosse nada demais. Mas pela primeira vez em anos, não senti a necessidade de discutir com ela, deixei o Theo resolver isso. Afinal, ele já é adulto e sabe bem se defender sozinho. E em todas as vezes ele saiu da situação muito bem. Não o vi abalando com isso, uma única vez. — Obrigada. — falei. Estamos em sua caminhonete, parados no estacionamento da faculdade. O dia está nublado, ameaçando chover bem forte, as nuvens estão carregadas e parece ser 17h e não 07h. — Pelo o que? — ele pergunta, sem entender. — Por aguentar toda essa dor de cabeça nesses dias. — respiro fundo, olhando para o céu. — Se fosse outra pessoa, tenho certeza que teria desistido de tudo isso. — minha voz sai baixa, deixando a insegurança que senti por todos esses dias em evidência. — Eu não sou qualquer pessoa, Cecília. — a voz dele
Fechei a porta do apartamento atrás de mim, só querendo um bom banho e uma cama quente. Estava além da exaustão. Havia trabalhado o dia todo e ainda tive que fazer hora extra a pedido do meu padrinho. Olhei o relógio em meu pulso e já marcava 21h. Olhei em volta pela sala e estranhei o silêncio do cômodo. Simone passou o dia inteiro por aqui, até onde eu sei, até porque ela não possui a chave do apartamento e acredito que não deixaria a porta destrancada, por mais que o condomínio fosse seguro. Dei de ombros, não me importaria com isso. Caminhei até o banheiro e fechei a porta, antes de tranca-la ouvi o vibrar do meu celular no bolso, me distraindo. Peguei o aparelho e sorri ao ver quem havia mandado mensagem. “Vou chegar por volta das 22h. Espero que não seja muito problema para ti ficar mais um curto tempo sozinho com ela no apartamento.” Respondi sua mensagem, dizendo que vou ficar bem. Cecília havia saído com a Isis para conversar, provavelmente as duas estavam compart
A dor é angustiante, dilacera meu peito e queima meu corpo. As lagrimas derramam pelo meu rosto, incessantemente sem hora para acabar. É como uma grande barreira que foi quebrada. A água avança sem dó, levando tudo que encontra pela frente. É exatamente assim que eu me sinto. Meu corpo chacoalha com força, violentamente até que eu sinto mãos me agarrarem, me abraçando com força e um calor familiar esquentar meu corpo. Sei que é ele, sem ao menos precisar abrir os olhos. Mesmo que o apartamento tivesse lotado de pessoal, ainda sim, saberia que é ele. Meu corpo reage instantaneamente ao seu toque, como se o reconhecesse de imediato. Como se precisasse dele. Mas eu realmente preciso dele, agora mais do que nunca. Nunca havia confrontado minha mãe dessa forma, sempre engoli seus insultos. Sempre virava o rosto para o outro lado quando ela soltava suas cantadas para cima de algum amigo ou namorado, fingia não ver, não me importar. Mas cansei de vê-la acabar com qualquer r
Não consegui prestar atenção na aula, minha mente não me dava descanso, pensando e repensando o porquê ele teria mentido para mim. Para onde ele foi? Será que foi se encontrar com alguém que não queria que eu soubesse? Homem? Mulher?! Não queria que minha mente me levasse por esse caminho obscuro. Mas quando você cresce com uma mãe igual à minha, desconfia até da sua própria sombra. Meus pensamentos turbulentos continuaram até o sinal do intervalo tocar. Decidir ir embora, não conseguiria prestar atenção em nada, era perda de tempo. Digitei rapidamente uma mensagem para a Ísis, falando que não estava me sentindo muito bem e que iria para casa, se ela poderia voltar de outro modo. Ela perguntou se eu queria companhia e quando recusei, disse para eu não me preocupar com ela e que depois passaria lá em casa. Abri a minha conversa com ele e fiquei olhando para a última mensagem que havia enviado para ele, assim que cheguei na faculdade e soube da mentira dele. Perguntei se estava
Menti. Eu menti. Eu. Menti. Para. Ela. Ainda não sei porque fiz isso. Por medo? Por não querer que ela descubra meu passado feio? Não sei, mas quando vi, a mentira já havia saído. Escorregado pelos meus lábios e não tinha mais como voltar. E agora eu sei que ela sabe que é mentira. Estou olhando para a última mensagem que ela me escreveu. “Sei que você não está com o seu padrinho. Só queria saber por que mentir?” Escrevi e reescrevi para ela, mas sem saber ao certo o que falar. Peço desculpas? Mantenho a mentira? Invento outra? A brisa fria b**e em meu rosto, me despertando de meus devaneios e volto para a realidade, me lembrando de onde estou e porque eu vim. A lapide cinza, gasta, quase brilha de volta para mim. Marcela e Maicon, pais honrosos e amorosos. Balanço a cabeça, rindo com desdém dessas palavras. Pais honrosos?! Minha mãe, talvez. Mas meu pai, com toda certeza, não. Lembranças daquela noite me preenchem a memória. A briga, os
— Não estou entendendo, Theo. — ela sussurrou, confusa. — Como assim?Respirei fundo e passei as mãos pelos cabelos, sentindo vontade de arrancá-los da raiz. Queria sentir dor, que doesse fisicamente, mais do que vai me doer, reviver todas essas lembranças. &md