Eu não vivo, só sobrevivo

JULES MONTEZ

— Anda, levanta dessa cama, hoje é a inauguração da nova loja da Santorine vinhos e você vai! — Ela puxou minhas cobertas.

— Por favor, mamãe! Eu não quero ir! — Reclamei, mas foi em vão. — Eu não estou afim de sair e também estou sem ânimo até para levantar desta cama. Quero dormir mais, aliás, eu nem dormi ainda — murmurei, bocejando.

— Jules, você não precisa ficar presa ao passado pelo resto da vida, isso já acabou — minha mãe acariciou minha cabeça.

— Mãe, eu estou tentando, mas eu simplesmente não consigo parar de sonhar com isso! — Falei, pensando nos pesadelos que me atormentam.

— Você precisa apagar aquele maldito vídeo e parar de olhar aquilo. Jules, você só faz isso para se torturar, você gosta de ter insônia, de ter pesadelos, ter crise de pânico, do contrário você não ficaria olhando aquela porcaria até hoje! Dez anos, dez anos já passaram, Jules! Está na hora de seguir em frente e perdoar a si mesma. Nós pagamos uma indenização milionária para a família dela, você fez sua parte.

Eu ouvi as palavras da minha mãe, sei que de alguma forma ela tem razão, mas eu destruí a vida da Sarah Adams, eu sou uma assassina, mesmo que indiretamente. Ela me olhou e bufou.

— Eu já marquei um salão para você, e às treze horas a Marina vai passar aqui para te pegar. Você precisa fazer unha, cabelo, uma massagem modeladora, você está péssima, por isso não arrumou um namorado… — Continuou tagarelando, enquanto abria as cortinas.

Eu não consegui resistir e acabei rindo, minha mãe sempre tentou levantar meu astral assim, com salão e compras. Ela gosta de gastar.

Eu me chamo Jules Montez agora, tenho vinte e seis anos e trabalho como CEO da empresa da nossa família, a Construtora Montez. Eu deveria ter uma vida feliz, pois cresci em um lar confortável e com pais que sempre me apoiaram, tive de tudo, do amor incondicional ao conforto e luxo que o dinheiro pode comprar, mas não é nada disso. Dez anos atrás eu fiz algo horrível, aliás, eu era uma pessoa horrível… depois da merda* que eu fiz tudo mudou. Nós tivemos que mudar o nosso sobrenome, tivemos que mudar de cidade, hoje moramos no Rio de Janeiro, nós recomeçamos, mas nunca mais fomos os mesmos.

Meu pai morreu há três anos, morreu sem conversar comigo, ele nunca me perdoou por ter sujado o nome da nossa família. Depois da sua morte, eu tive que assumir os negócios, que até então eram um sucesso, mas depois que assumi, com todos os meus problemas e a minha incompetência, os negócios estão em queda, estamos passando apertado e os acionistas estão me pressionando bastante.

Eu vivo no automático, me levanto da cama, me alimento, vou trabalhar, faço tudo porque sou obrigada, se pudesse nem abri meus olhos era um alívio. Eu não vivo, só sobrevivo, essa é a minha realidade. E pensar que dez anos atrás eu sonhava com uma vida totalmente diferente, eu queria ser uma grande advogada e trabalhar com meu pai. Mas, olha só para mim hoje, sou um completo fracasso, vivo à base de remédios, não terminei a faculdade e ainda estou levando a empresa da minha família à falência.

Que patético.

Como a minha mãe disse: a Marina veio me buscar, na verdade ela praticamente me arrastou junto com ela até o spa. Depois de longas seis horas, estávamos prontas, agora só faltava passar em casa colocar um vestido de festa para curtir a inauguração. Meu ânimo está pedindo socorro, mas se eu não ir, minha mãe vai falar na minha cabeça até me deixar mais maluca do que já sou.

Assim que chegamos à frente do salão, fomos recebidos por uma multidão de jornalistas. Fomos fotografados e respondemos às perguntas de sempre: "O que acham da nova loja de vinhos, Santorine?" "Estão animadas para a grande noite?" "O Grupo Montez também vai se tornar um dos acionistas?"... e por aí vai. Pelo menos ainda temos algum nome na cidade. A Marina acompanhou a tia para cumprimentar os convidados e eu fui me sentar em um cantinho no bar.

— Acho que encontrei alguém tão animada quanto eu por aqui — ouvi uma voz rouca atrás de mim. — Não está curtindo a festa? — Ele sentou-se ao meu lado, me obrigando a olhá-lo. Eu perdi o ar quando vi aquela figura, o homem é um deus grego, perfeito demais!

— Prazer, eu sou o Samuel Miller.

— Eu sou a Jules, Jules Montez — respondi, apertando sua mão. O deus grego sorriu, e que sorriso ele tem. É tão perfeito quanto o resto do corpo.

Ele é alto, deve ter um metro e noventa e cinco de altura, no mínimo, cabelos louros, ombros largos, pelo porte deve ter belos músculos embaixo desse terno feito sob medida. Quando eu saí de casa hoje, não imaginei que poderia me interessar por algo nesta festa, mas até que eu estou gostando agora. Ele pediu uma bebida, para me acompanhar, sem tirar os olhos de mim, e, que lindos olhos verdes.

— Então, a Jules Montez, faz o que na vida?

— Sou CEO da Construtora Montez, e você?

— Que interessante. Então temos uma mulher de negócios aqui — ele falou de um jeito que nós faz ficar encarada nele, tudo nesse homem é sexy — eu sou o CEO do Grupo Miller.

— Grupo Miller? — Falei, meio ansiosa demais — aquele Grupo Miller de Nova Iorque?

— Sim —sorriu. — Eu resolvi que chegou o momento de investir no meu país, vou fechar alguns negócios por aqui, já até mudei meu escritório para o Rio de Janeiro, por um tempo. Acabei de assinar um contrato com o Grupo Santorine.

Eu o ouvi falando e fiquei cada vez mais empolgada, principalmente quando ouvi um elogio à minha administração, mesmo que seja só para gerar assunto, porque quem conhece de negócios sabe que estou indo *mal. Eu bebi mais algumas taças de vinho enquanto conversamos.

— Então, você tem quantos anos, Samuel Miller? — Perguntei, falando seu nome lentamente.

— Tenho trinta anos — Respondeu, com um sorriso — e você Jules Montez, quantos anos tem?

Eu não sei explicar, mas parece que todas as vezes que ele falou o meu nome foi entre os dentes, soou meio frio, sei lá. Mas, isso, com certeza, é impressão minha, deve ser o efeito do vinho que estou bebendo demais.

— Eu tenho vinte e seis anos. Você veio só, ou a família Miller veio também?

Eu perguntei e ele não me respondeu imediatamente, ele olhou o copo de uísque em suas mãos e o girou algumas vezes.

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