Daniel Albuquerque
Três semanas antes do Baile Era bom poder voltar para Santa Cecília depois de dez anos sem pisar os pés sequer em São Paulo. Tenho muitas lembranças boas desse lugar e sempre quis saber como andavam as pessoas que ficaram por aqui. Safira é uma delas. Lembro da minha infância com carinho, principalmente por causa dela. Éramos crianças alegres e vivíamos aprontando pela mansão dos Medeiros. Algumas vezes, meus pais pediam para que ela fosse até nossa casa, e assim como em qualquer lugar, nós nos divertíamos com coisas simples. Ela era uma boa amiga. E por isso voltar aqui e saber como ela está hoje em dia, me deixa bem ansioso. Mas minha vinda para cá não é com esse propósito. A verdade é que preciso pôr minha antiga casa à venda. Minha mãe descobriu um câncer de mama há dois anos e meio, na época, meu pai ainda era vivo e nós dois cuidamos dela. Ela apresentou melhora e então descansamos. Seus cabelos voltaram a crescer, mas da noite para o dia, meu pai se sentiu mal e infartou. Seis meses depois, os exames da minha mãe apontaram a metástase no outro seio. Agora estou correndo contra o tempo e vim para cá, apenas para resolver isso, pegar o dinheiro e dar continuidade no tratamento. Minha mãe ficou sob os cuidados de minha tia, sua irmã, lá em Goiânia, onde moramos atualmente. Adiantei minhas férias onde trabalho, uma editora importante da minha cidade, e vim para Santa Cecília resolver isso. Quando cheguei em meu antigo endereço, observei as mudanças feitas na vizinhança. Eram casas e lojas novas, asfalto onde antes eram pedras de concreto redondas, algumas árvores a menos, e a minha casa de muro amarelado pelo tempo, portão escuro e que provavelmente estava enferrujado, e algumas telhas faltando no beiral. E claro, a mansão dos Medeiros. O muro ao redor tão alto que me ardia os olhos olhar para o topo dele. A lateral bem ao lado da minha casa, ainda estava repleta de árvores, das quais eu só conseguia enxergar as folhas mais altas. Entrei para minha casa e senti uma nostalgia tomar conta de mim. A cozinha reformada foi a última coisa que meu pai fez. Na época, ele não queria vender a casa, mas ter um aluguel como renda extra não era má ideia e por isso começou a reforma. Demoramos um pouco mais do que queríamos para finalizar a cozinha, mas confesso que o resultado estava melhor do que eu imaginava. Contudo, o restante da casa ainda precisava de melhorias, mas tinha certeza de que como iria vender, não seria necessário a reforma completa. No outro dia de minha chegada, fui até a imobiliária e agendei a visita do corretor de imóveis, e na volta decidi ir até a mansão dos Medeiros. Queria saber como estava Sari. Era como eu a chamava antes. Ela dizia que gostava, pois ela sabia que seria eu a chamando, visto que era o único que a chamava assim. Um homem de terno preto se aproximou do portão e me perguntou quem eu era. Quando disse que gostaria de ver minha amiga Safira, ele disse que não seria possível e me mandou embora. A forma como ele me expulsou de lá foi estranha e me deixou bastante incomodado. Voltei para casa, ajeitei algumas coisas e liguei para minha mãe no horário que tínhamos determinado. — Alô! — Oi, tia Miriam. Deixa-me falar com minha mãe? — Daniel! — Sua voz estava trêmula ao falar meu nome, eu já sabia que tinha acontecido alguma coisa. — O que aconteceu, tia? — Sua mãe não está bem. Ela passou mal agora pela manhã, eu e seu tio a trouxemos para o hospital. — Meu Deus, tia Miriam. Estou indo para aí imediatamente. — Se você não fizer o que combinamos, não vai adiantar, meu filho. Sua mãe precisa recomeçar o tratamento com urgência. Venda a casa e venha o mais rápido possível. — Suspirei alto, meu coração parecia um tambor batendo contra meu peito. — Farei isso! — disse contrariado. — Cuida dela até que eu chegue, tia. Por favor. Em breve estarei aí. Desliguei o telefone e fui cozinhar, pois no momento era a única coisa que me faria distrair a cabeça. As horas foram avançando lentamente. Tentei fazer de tudo para me distrair, mas só consegui relaxar quando meu tio me ligou avisando que tinha sido um susto e que minha mãe já estava estável. Respirei aliviado, me joguei no sofá e agradeci a Deus por não ter chegado a hora dela ainda, em seguida, pedi que me ajudasse a conseguir o dinheiro o mais rápido possível. A campainha ressoou pelo cômodo e me levantei, tentando descobrir quem poderia ser àquela hora da noite. Coloquei um moletom e atendi rapidamente a porta. — Oi. — Abri já falando com quem quer estivesse atrás da porta. — Olha só quem resolveu reaparecer por Santa Cecília. — Senhor Medeiros estava parado em frente à minha porta com uma expressão séria e nada amigável. — Como posso te ajudar, Sr. Medeiros? Há quanto tempo, não é mesmo? — Poderia ser um tempo infinito. Vou direto ao ponto, pois não gosto de enrolação. Já que voltou, quero lhe fazer uma proposta e gostaria que trabalhasse para mim. — Vamos entrar, por favor. A gente conversa melhor lá dentro. Ele aceitou o convite e caminhamos até a sala. Ofereci uma bebida, mas ele recusou e foi direto ao ponto. — Sabe, Daniel, lembro exatamente como você e minha filha eram amigos há anos. E lembro exatamente o que aconteceu com ela por sua culpa e falta de responsabilidade. — Éramos crianças, Sr. Medeiros. Só estávamos brincando. — Mas foi uma brincadeira que custou muito caro para minha família. Principalmente para Safira. — Como assim? O que houve com ela? — Safira foi gravemente ferida e quase ficou sem a visão do olho direito. Por causa de suas brincadeiras, ela tem uma vida difícil e o nome da minha família quase foi manchado. — Não era minha intenção prejudicar Safira em nada, Sr. Medeiros. — Mas prejudicou e coube a mim protegê-la do mal que o mundo poderia fazê-la sofrer. — Não estou entendendo o que quer dizer com isso — disse, cruzando meus braços e esticando as pernas, colocando um pé em cima do outro. — Na verdade, é bem simples e qualquer criança consegue entender. Como sou um homem de negócios e minha família é uma das mais benquista desta sociedade, comecei a ser pressionado, indiretamente, para que apresentasse minha bela filha aos maiores nomes da política e da alta sociedade. Mesmo sem conhecerem Safira, ela já é uma moça muito cobiçada. — Safira sabe disso? — questionei por curiosidade. — Não me interrompa, rapaz. O que Safira sabe ou deixa de saber não vem ao caso agora. — Balancei a cabeça em concordância, e ele prosseguiu: — Minha proposta para você é que leve Safira ao Baile do Amor, para que ela possa ser apresentada à alta sociedade. Não posso me dar ao luxo de deixar que ela vá sozinha, pois seria mais um comentário sobre a vida da herdeira da família Medeiros, que de tão feia foi ao Baile da família desacompanhada. — Me desculpa, mas o senhor vive em que época? Hoje em dia as pessoas não ligam muito para isso aí não. — No seu mundo pode ser que não, mas no meu, a aparência é tudo. E Safira jamais conseguirá ter um par de verdade. — Sua filha sempre foi muito bonita, Sr. Medeiros. Por que acha que ela não conseguiria um amor de verdade? — Meu caro, amor não existe no mundo dos negócios. Safira, se relacionará com quem eu decidir que será melhor para meu benefício. Posso ou não contar com você para isso? — Não quero fazer parte disso. Me desculpe, Sr. Medeiros, mas isso seria uma vergonha para mim. E Safira é minha amiga, mesmo eu não a vendo há mais de dez anos, não faria isso jamais. — Receio ter que fazer isso, mas diante de sua resposta, terei que usar outra abordagem. O homem de meia-idade a minha frente levantou-se do sofá, pegou o celular do bolso, mexeu em alguma coisa e virou a tela do celular em minha direção. Meus olhos saltaram para fora, minha boca secou na mesma hora. — Com... Como? — gaguejei ao ver a gravação da sala de hospital onde geralmente minha mãe fazia a quimioterapia. — Poupe suas palavras. Eu só preciso fazer uma ligação para que sua mãe pare de lutar com essa m*****a doença. — Não se atreva a tocar em um fio de cabelo dela! — Me coloquei de pé em um solavanco e espalmei as mãos sobre seu peito, segurando o colarinho de seu blazer tão bem alinhado. — Se encostar em um mísero pedaço de pele dela, eu acabo com você! — terminei minha fala entre dentes, espumando de raiva. — Tire suas patas de cima de mim! Você sabe muito bem com quem está falando, garoto. Comporte-se ou não terá outra chance. Meu orgulho e minha raiva me impediam de pensar e, consequentemente, soltar suas vestimentas. A voz de minha mãe ressoou em meus ouvidos, fazendo um pedido apenas: “Tenha calma, meu filho!”, me fazendo respirar fundo duas vezes e soltar lentamente suas roupas, que agora continham os amassados das minhas mãos. Os nós dos meus dedos ficaram levemente doloridos e cruzei os dedos das mãos, tentando estalá-los. — Farei o que me pediu! — falei, depois de pensar enquanto andava de um lado para o outro. — Mas Safira não poderá nunca saber sobre isso. Nunca! — Contanto que ela se envolva com quem eu quero, não me importo com nada do que ela saiba ou não. Te darei uma recompensa no fim. — Não quero seu dinheiro sujo. Agora, por favor, saia da minha casa. Pedro Medeiros se tornou meu maior inimigo naquele dia. Além de não contar com o tempo biológico da minha mãe, ainda corria o risco daquele homem endoidar e me fazer perder a pessoa mais importante da minha vida.Safira Medeiros Queria saber exatamente o que dizer para começar isso aqui, mas a verdade é que não sei por onde devo começar a contar minha história. Certamente deveria ser pelo início, mas são anos de uma vida privada por um motivo idiota que, até hoje, não consigo entender por que me permiti viver daquela maneira. Mas, vamos lá. O início de alguma coisa nunca é fácil, e comigo não foi diferente. Minha família, ou melhor, a família Medeiros, sempre foi uma das mais bem-vistas e apreciadas aqui em Santa Cecília, interior de São Paulo. Sempre participamos das maiores celebrações da cidade, sendo os convidados do prefeito ou os anfitriões de festas celebradas em nossa residência. Para mim, tudo era divertido, tudo virava brincadeira, ainda mais para uma menina espoleta de oito anos. E foi assim, em uma brincadeira, que tudo mudou da água para o vinho. Eu brincava de bola com Daniel, meu vizinho e melhor amigo, na época. Ele já tinha uns doze anos, mas como só havia nós dois na viz
Safira Medeiros Aparentemente, segundo a Tina, sou uma pessoa de sorte e é o meu destino conhecer meu novo vizinho, mas sinto que meu estômago vai se dar por vencido a qualquer minuto. Nosso plano era bem simples: ir até a casa dele, sorrir, ser simpática e perguntar se ele gostaria de participar do Baile do Amor, organizado pela minha família, uma tradição na cidade, sendo o meu par. Caso ele diga que não, terei que implorar por sua ajuda e era exatamente isso que me preocupava. Não gostava de pedir favores e isso se dava a uma personalidade trabalhada no orgulho. Já era ruim ter que aguentar meus pais me olhando com pena, pedir ajuda é ter mais um olhar piedoso de alguém e acho que não suportaria. Olhei por cima dos ombros para minha fiel escudeira e toquei a campainha da casa ao lado da minha. Betina estava escondida e só iria interferir caso eu gritasse ou fizesse nosso sinal de perigo, que nada mais era que um cruzar de dedos atrás ou acima da cabeça.Respirei e inspirei três
Vi que uma sombra de culpa passou em seus olhos e isso mexeu com algo em meu peito. Era um sentimento novo e diferente, sem dúvidas despertado pela nossa velha amizade e toda a lembrança do que éramos quando crianças. Daniel segurou minha mão e depositou um beijo em seu dorso, afastando os lábios lentamente. — Bom, agora que você já sabe das minhas razões — falei, quebrando aquele silêncio que havia se instaurado — preciso saber se vai me ajudar. Pois, senão, tenho que pensar em outra solução. — Te ajudo, sim, mas com uma condição. — Dani! — Desferi um leve tapa em seu ombro, e ele riu. — Depois de tudo que te contei, ainda vai impor uma condição? — Claro! Não posso ficar sem ganhar nada! — Você vai ganhar uma amiga grata por todo apoio. — Hum... É pouco. Preciso de mais ganhos. — Seu tom brincalhão me fazia rir espontâneamente. — Você é um péssimo amigo! Diga logo o que quer, antes que eu me arrependa. — Bom, você me disse que tem o hábito de assistir comédias românticas, cer
Estou em choque com esse livro. A cada página e capítulo que eu terminava, a trama me deixava mais curiosa e muito envolvida. Eu passei a noite em claro, pois precisava de respostas urgentemente. Só me dei conta de que não tinha dormido, quando Betina entrou em meu quarto para avisar que o café estava para ser servido. Ela achou esquisito eu já estar acordada e sentada na cama, mas não disse mais nada e saiu de fininho. No geral, eu não gostava de participar das refeições em conjunto com a minha família. É sempre indigesto. Mas hoje estava de bom humor, acho que encontrei um hobby novo que me faz ir a lugares sem sair de casa. Nota mental: agradecer ao Daniel por me apresentar à leitura. Por isso, quando me aproximei de meus pais na sala de jantar onde fazemos todas as refeições, carregava um sorriso idiota no rosto, como não tinha há muito tempo. — Está atrasada, Safira! — meu pai disse, antes mesmo que eu os cumprimentasse. — Sente-se logo. — Bom dia para o senhor, também!
entrei em meu quarto. Chorei deitada em minha cama, com os fones de ouvido berrando: No time To Die, da Billie Eilish, até pegar no sono. Não era sempre que isso acontecia, afinal, depois de anos, eu já havia me acostumado com os insultos tanto de meu pai como de minha mãe. Mas dessa vez tinha sido diferente, não por suas palavras, mas porque eu sentia algo em mim diferente. Havia uma esperança de as coisas serem diferentes, e ver que meu pai só pensa em mim para usar em seu próprio benefício, me doeu. Muito! Ainda dentro da banheira, estiquei os braços e alcancei uma toalha de rosto, enxuguei as mãos e a face, e peguei o celular que estava na bandeja ao lado. Era uma mensagem de Daniel. Abri um enorme sorriso assim que li seu nome no visor do aparelho. Cliquei e abri a mensagem: (Dani) “Esse negócio de te ver de longe é uma droga. Me deixa subir aí.” (Eu) “Não tem como. Estão marcando em cima.” (Dani) “Tenho um presente para você. Quero te ver. Estou aqui embaixo. Se você abrir a janela, eu subo.” (Eu) “Você tá doido!”, pensei, olhei pela janela do banheiro, voltei a encarar a tela do telefone e sorri antes de digitar a próxima mensagem. (Eu) “Já vou abrir. Estou saindo do banho.” Rapidamente, me levantei, me sequei e vesti o roupão. Meu quarto estava um pouco gelado, mas a adrenalina de tudo que estava por acontecer me deixava quente. Sequei o cabelo com uma toalha e o deixei solto com um ar despojado e meio úmido. Corri até a janela, mas não o vi em lugar algum. Peguei o celuCapítulo 06
Safira MedeirosBetina e eu montamos um cronograma do que precisávamos fazer para o plano do baile funcionar. Estava descendo as escadas para ir até a casa de meu amigo e vizinho, o dia de hoje está bem tranquilo, meus pais foram para cidade em um evento de política e eu pude ficar mais serena. A fofoca de ontem rendeu assunto para todos. Onde me viam, me paravam para perguntar como eu estava e por que me permitia passar por aquilo. Ainda não sabia responder essas perguntas que me faziam. Por isso, o fato de ter a casa de Dani para ir, era um grande alívio; um refúgio em meio ao caos. Tina vai me avisar quando estiver se aproximando a hora de eles chegarem, mas espero de coração que demorem o máximo que puderem. As árvores do nosso jardim estavam invadindo a casa do meu vizinho, as flores e folhas já caíam quase por completo e as calçadas ganhavam a cor alaranjada das folhas secas. O vento balançava meus cabelos soltos e meu vestido, que era de um pano leve da cor azul bebê e que re
Respirei fundo mais uma vez e saí do banheiro. Ele estava recostado no armário da cozinha, vendo algo no celular. Meus ouvidos captam o som da voz de Bruno Mars, e Daniel me viu enquanto me aproximava dele.— Agora, sim, sou todo seu! — Ele piscou e eu senti meu rosto queimar mais uma vez. Droga de livro!— Bom, então vamos acertar os detalhes do que precisaremos fazer.Nos sentamos um do lado do outro. Retirei meu caderninho da pequena bolsa que eu carregava e abri onde fiz algumas anotações para não esquecer os pontos importantes do evento.— Então, o baile começa às 20h no dia doze de junho. Será no jardim atrás da mansão.— Ainda tem a fonte no meio do jardim?&nb