Safira Medeiros
Aparentemente, segundo a Tina, sou uma pessoa de sorte e é o meu destino conhecer meu novo vizinho, mas sinto que meu estômago vai se dar por vencido a qualquer minuto. Nosso plano era bem simples: ir até a casa dele, sorrir, ser simpática e perguntar se ele gostaria de participar do Baile do Amor, organizado pela minha família, uma tradição na cidade, sendo o meu par. Caso ele diga que não, terei que implorar por sua ajuda e era exatamente isso que me preocupava. Não gostava de pedir favores e isso se dava a uma personalidade trabalhada no orgulho. Já era ruim ter que aguentar meus pais me olhando com pena, pedir ajuda é ter mais um olhar piedoso de alguém e acho que não suportaria. Olhei por cima dos ombros para minha fiel escudeira e toquei a campainha da casa ao lado da minha. Betina estava escondida e só iria interferir caso eu gritasse ou fizesse nosso sinal de perigo, que nada mais era que um cruzar de dedos atrás ou acima da cabeça. Respirei e inspirei três vezes até que ele abriu a porta. Meu sorriso carismático se transformou em uma expressão completamente chocada quando reconheci os olhos de um tom castanho misturado com mel, as ondas de seu cabelo um pouco desgrenhadas e sua barba bem-aparada, dando um ar adulto e muito atraente ao homem à minha frente. Só percebi quem ele era quando suas covinhas perto da boca ressaltaram seu sorriso largo, e então me chamou pelo apelido que era exclusivo dele. — Sari? — Os olhos de Daniel refletiam a mesma surpresa que os meus. — Uau! Nossa, não acredito que é mesmo você. — Não acredito que seja mesmo você! — Deixei meus pensamentos escaparem. Ele riu alto e acabei o acompanhando. Ele me abraçou e foi como me sentir em casa. Parecia que eu havia passado dias longe em uma viagem e finalmente havia voltado para meu cantinho mágico. — Senti falta disso. — Sua expressão calma e divertida me deixava um tanto nervosa. — Vem, entra, a gente precisa conversar. Sem me permitir falar qualquer coisa, Daniel me puxou para dentro de sua casa e por um momento senti uma grande nostalgia. As lembranças voltando com toda a força em meu peito e em minha memória. Sorri ao notar que a casa havia passado por mudanças, mas a sala com a rede atrás do sofá retrátil verde-escuro, ainda continuava lá. Caminhamos até a cozinha, no final do pequeno corredor decorado com dois quadros de uma pintura clássica de paisagens naturais que davam cor àquela casa de interior exclusivamente branco e marfim. A cozinha que outrora era trabalhada em armários de madeiras maciças e escuras, agora exalava o ar clássico e chique com eletrodomésticos em inox, uma ilha de mármore branco no centro do cômodo, banquetas ao redor da mesma, que deixava o lugar ainda mais elegante, e um piso que parecia ser a extensão da ilha de mármore. Era impressionante a mudança. — A cozinha está diferente — disse, sorrindo e olhando ao redor de mim. Daniel me observava com um sorriso no rosto. — Gostei. — E eu gostei de finalmente te encontrar. — Estranhei sua declaração. — Mas eu sempre estive aqui. Quer dizer, ali. — Apontei para algum lugar, tentando simbolizar minha casa ao lado. — Não esteve, não. — Ele sacudiu a cabeça avidamente. — Estou de volta há uns dias e não te vi nem pela rua. Engoli em seco. Minha realidade agora era bem diferente de antigamente. Mudei a direção do meu olhar, cruzei os braços em frente ao meu corpo, abaixei a cabeça deixando meu cabelo cair sobre o rosto e suspirei. — As coisas aqui mudaram depois que... Depois que você foi embora. Achei que não te veria nunca mais. — Voltei a encará-lo, minha voz estava trêmula com o nervosismo. — Como assim, diferente? Para mim tudo parece igual. A única diferença é que você não fica mais por aí correndo para lá e para cá. — Daniel sorriu, tentando brincar, mas ao me ver séria, seu sorriso morreu. — Safira, o que foi? Por que ficou assim, de repente? — Dani, não te vejo há dez anos. É difícil dizer o que está acontecendo. Há um milhão de coisas acontecendo no mundo ao mesmo tempo. — Sabe que sua resposta não faz o menor sentido, não sabe? — Assenti, frustrada. Ele se aproximou e me puxou para que eu me sentasse em uma das banquetas da ilha. Me serviu um copo de água e sentou-se ao meu lado, porém de frente para mim. — Obrigada! — Bebi um gole de água e o encarei. — O que foi? — Você não mudou nada. — Até parece. Se tem uma coisa que fiz nesse tempo, foi mudar. Tudo mudou. — Mas continua linda da mesma forma. — Para com isso — falei duramente. — Não gosto dessas brincadeiras. É melhor eu ir para casa. — Não, senhora! — Ele me impediu de levantar na mesma hora. — Primeiro, tem que me dizer para que veio aqui. — O plano, me lembrei! A essa altura, já nem sabia se conseguiria cumprir o plano de Betina. — Você sabia que eu tinha voltado? — Óbvio que não! — Revirei os olhos, enquanto passava a mão pelo cabelo, jogando-o para o lado. — Então me diga Safira, por que estava vindo na casa de um estranho? — Seu olhar desconfiado me desafiava a falar. Olhei para frente, sem enxergar nada específico e decidi por falar a verdade, afinal, uma mentira não me ajudaria em nada. — Ok! Vou dizer. — Bebi mais um gole da água. Talvez ela me dê a coragem de que necessito. — Bom, eu estava vindo pedir uma ajudinha do meu vizinho. — Explique-se, Safira. — Ele cruzou os braços em frente ao corpo, contraindo os bíceps e aumentando seu peitoral. Meu ventre se remexeu e voltei a beber outro gole de água. O que há de errado comigo? Nunca fui de reparar essas coisas. — Ajuda para quê? — ele questionou. — Então... — Pigarreei. — Resumindo a história toda, eu preciso de um par para conseguir ir ao Baile do Amor, e finalmente enfrentar meus pais. — Eu fiquei ainda mais confuso. Me explica isso direito, por favor! — Dani debruçou-se sobre a ilha e mergulhou seu olhar no meu, fazendo todo meu corpo arrepiar com a intensidade dele. Relatei todos os detalhes ao meu velho amigo, que fez questão de dizer o quanto tudo era surreal e inaceitável. Mas não vi e nem senti seu olhar de pena, o que me deixou bem confortável em contar tudo para ele. — Me lembre de agradecer a sua amiga por te encorajar a vir até aqui. — Por que eu faria isso? — Semicerrei os olhos, e ele sorriu. — Pois só assim para a gente se reencontrar. Achei que depois que você recebesse as flores, viria me procurar, mas já tinha perdido as esperanças. — Bom, eu não vi o bilhete, só recebi as flores e me disseram que tinha sido o vizinho que recém-chegado ao bairro. — Pelo menos sei que não fui rejeitado. — Ele riu, parecendo aliviado. Acabei sorrindo ao ver suas covinhas mais uma vez. — Estou realmente feliz em poder te ver novamente, Sari. Senti sua falta depois que fui embora. — Também senti a sua. Você não faz ideia do quanto...Vi que uma sombra de culpa passou em seus olhos e isso mexeu com algo em meu peito. Era um sentimento novo e diferente, sem dúvidas despertado pela nossa velha amizade e toda a lembrança do que éramos quando crianças. Daniel segurou minha mão e depositou um beijo em seu dorso, afastando os lábios lentamente. — Bom, agora que você já sabe das minhas razões — falei, quebrando aquele silêncio que havia se instaurado — preciso saber se vai me ajudar. Pois, senão, tenho que pensar em outra solução. — Te ajudo, sim, mas com uma condição. — Dani! — Desferi um leve tapa em seu ombro, e ele riu. — Depois de tudo que te contei, ainda vai impor uma condição? — Claro! Não posso ficar sem ganhar nada! — Você vai ganhar uma amiga grata por todo apoio. — Hum... É pouco. Preciso de mais ganhos. — Seu tom brincalhão me fazia rir espontâneamente. — Você é um péssimo amigo! Diga logo o que quer, antes que eu me arrependa. — Bom, você me disse que tem o hábito de assistir comédias românticas, cer
Estou em choque com esse livro. A cada página e capítulo que eu terminava, a trama me deixava mais curiosa e muito envolvida. Eu passei a noite em claro, pois precisava de respostas urgentemente. Só me dei conta de que não tinha dormido, quando Betina entrou em meu quarto para avisar que o café estava para ser servido. Ela achou esquisito eu já estar acordada e sentada na cama, mas não disse mais nada e saiu de fininho. No geral, eu não gostava de participar das refeições em conjunto com a minha família. É sempre indigesto. Mas hoje estava de bom humor, acho que encontrei um hobby novo que me faz ir a lugares sem sair de casa. Nota mental: agradecer ao Daniel por me apresentar à leitura. Por isso, quando me aproximei de meus pais na sala de jantar onde fazemos todas as refeições, carregava um sorriso idiota no rosto, como não tinha há muito tempo. — Está atrasada, Safira! — meu pai disse, antes mesmo que eu os cumprimentasse. — Sente-se logo. — Bom dia para o senhor, também!
entrei em meu quarto. Chorei deitada em minha cama, com os fones de ouvido berrando: No time To Die, da Billie Eilish, até pegar no sono. Não era sempre que isso acontecia, afinal, depois de anos, eu já havia me acostumado com os insultos tanto de meu pai como de minha mãe. Mas dessa vez tinha sido diferente, não por suas palavras, mas porque eu sentia algo em mim diferente. Havia uma esperança de as coisas serem diferentes, e ver que meu pai só pensa em mim para usar em seu próprio benefício, me doeu. Muito! Ainda dentro da banheira, estiquei os braços e alcancei uma toalha de rosto, enxuguei as mãos e a face, e peguei o celular que estava na bandeja ao lado. Era uma mensagem de Daniel. Abri um enorme sorriso assim que li seu nome no visor do aparelho. Cliquei e abri a mensagem: (Dani) “Esse negócio de te ver de longe é uma droga. Me deixa subir aí.” (Eu) “Não tem como. Estão marcando em cima.” (Dani) “Tenho um presente para você. Quero te ver. Estou aqui embaixo. Se você abrir a janela, eu subo.” (Eu) “Você tá doido!”, pensei, olhei pela janela do banheiro, voltei a encarar a tela do telefone e sorri antes de digitar a próxima mensagem. (Eu) “Já vou abrir. Estou saindo do banho.” Rapidamente, me levantei, me sequei e vesti o roupão. Meu quarto estava um pouco gelado, mas a adrenalina de tudo que estava por acontecer me deixava quente. Sequei o cabelo com uma toalha e o deixei solto com um ar despojado e meio úmido. Corri até a janela, mas não o vi em lugar algum. Peguei o celuCapítulo 06
Safira MedeirosBetina e eu montamos um cronograma do que precisávamos fazer para o plano do baile funcionar. Estava descendo as escadas para ir até a casa de meu amigo e vizinho, o dia de hoje está bem tranquilo, meus pais foram para cidade em um evento de política e eu pude ficar mais serena. A fofoca de ontem rendeu assunto para todos. Onde me viam, me paravam para perguntar como eu estava e por que me permitia passar por aquilo. Ainda não sabia responder essas perguntas que me faziam. Por isso, o fato de ter a casa de Dani para ir, era um grande alívio; um refúgio em meio ao caos. Tina vai me avisar quando estiver se aproximando a hora de eles chegarem, mas espero de coração que demorem o máximo que puderem. As árvores do nosso jardim estavam invadindo a casa do meu vizinho, as flores e folhas já caíam quase por completo e as calçadas ganhavam a cor alaranjada das folhas secas. O vento balançava meus cabelos soltos e meu vestido, que era de um pano leve da cor azul bebê e que re
Respirei fundo mais uma vez e saí do banheiro. Ele estava recostado no armário da cozinha, vendo algo no celular. Meus ouvidos captam o som da voz de Bruno Mars, e Daniel me viu enquanto me aproximava dele.— Agora, sim, sou todo seu! — Ele piscou e eu senti meu rosto queimar mais uma vez. Droga de livro!— Bom, então vamos acertar os detalhes do que precisaremos fazer.Nos sentamos um do lado do outro. Retirei meu caderninho da pequena bolsa que eu carregava e abri onde fiz algumas anotações para não esquecer os pontos importantes do evento.— Então, o baile começa às 20h no dia doze de junho. Será no jardim atrás da mansão.— Ainda tem a fonte no meio do jardim?&nb
— O que foi? — ele me perguntou ao notar que eu continuava estática. — Tá tudo bem, Sari?— Não sei. Acho que sim. Talvez eu só precise de uma pausa. Deixa-me ir ao banheiro de novo. — Antes que eu me virasse, suas mãos me encontraram, prendendo-me a ele.— Você está fugindo de mim. — Enfiei o rosto entre as minhas mãos. — Está com vergonha de mim?— Sim. — A minha voz abafada pelas mãos o fez rir. — Não ria, por favor.— Estou achando engraçado seu constrangimento.— Mas não é. — Levantei o olhar e o encarei séria. Meu coração dava pulos sob minha pele. — Achei que você fosse me beijar, Dani. Acabamos de nos reencontrar, e eu nunca fui beijada por ninguém. Toda essa intimidade me causa med
— Encontrei a roupa perfeita para você e o gostosão usarem! — Betina entrou em meu quarto com toda empolgação do mundo, me tirando do meio de uma leitura para lá de quente. — Me assustou! — Me sentei na cama e ajeitei o cabelo em um rabo de cavalo. — Como é a roupa? — Olha aqui, ele é azul serenity, em lamê e lurex brilhoso. — Tina sentou-se ao meu lado e me mostrou a foto do vestido no celular. Meus olhos brilharam, e quando vi que havia bolsos fiquei ainda mais encantada. — Amei as alcinhas, e o fato de ele brilhar de cima a baixo. Uau! Você acertou muito. — Agora só precisamos arrumar uma máscara preta para você e para o Daniel. — Pensei em confeccionar, caso eu não ache nada. Me manda o link da loja desse vestido. Quando eu estiver com o Daniel, vou perguntar se posso pôr o vestido para chegar lá. — Sim, fala com ele. Não podemos correr o risco de você perder essa roupa. Agora, termina de se ajeitar, pois o jantar para você conhecer o filho do governador vai ser daqui alg