Capítulo 02

Safira Medeiros

Aparentemente, segundo a Tina, sou uma pessoa de sorte e é o meu destino conhecer meu novo vizinho, mas sinto que meu estômago vai se dar por vencido a qualquer minuto. Nosso plano era bem simples: ir até a casa dele, sorrir, ser simpática e perguntar se ele gostaria de participar do Baile do Amor, organizado pela minha família, uma tradição na cidade, sendo o meu par. Caso ele diga que não, terei que implorar por sua ajuda e era exatamente isso que me preocupava.

Não gostava de pedir favores e isso se dava a uma personalidade trabalhada no orgulho. Já era ruim ter que aguentar meus pais me olhando com pena, pedir ajuda é ter mais um olhar piedoso de alguém e acho que não suportaria.

Olhei por cima dos ombros para minha fiel escudeira e toquei a campainha da casa ao lado da minha. Betina estava escondida e só iria interferir caso eu gritasse ou fizesse nosso sinal de perigo, que nada mais era que um cruzar de dedos atrás ou acima da cabeça.

Respirei e inspirei três vezes até que ele abriu a porta. Meu sorriso carismático se transformou em uma expressão completamente chocada quando reconheci os olhos de um tom castanho misturado com mel, as ondas de seu cabelo um pouco desgrenhadas e sua barba bem-aparada, dando um ar adulto e muito atraente ao homem à minha frente. Só percebi quem ele era quando suas covinhas perto da boca ressaltaram seu sorriso largo, e então me chamou pelo apelido que era exclusivo dele.

— Sari? — Os olhos de Daniel refletiam a mesma surpresa que os meus. — Uau! Nossa, não acredito que é mesmo você.

— Não acredito que seja mesmo você! — Deixei meus pensamentos escaparem. Ele riu alto e acabei o acompanhando.

Ele me abraçou e foi como me sentir em casa. Parecia que eu havia passado dias longe em uma viagem e finalmente havia voltado para meu cantinho mágico.

— Senti falta disso. — Sua expressão calma e divertida me deixava um tanto nervosa. — Vem, entra, a gente precisa conversar.

Sem me permitir falar qualquer coisa, Daniel me puxou para dentro de sua casa e por um momento senti uma grande nostalgia. As lembranças voltando com toda a força em meu peito e em minha memória. Sorri ao notar que a casa havia passado por mudanças, mas a sala com a rede atrás do sofá retrátil verde-escuro, ainda continuava lá.

Caminhamos até a cozinha, no final do pequeno corredor decorado com dois quadros de uma pintura clássica de paisagens naturais que davam cor àquela casa de interior exclusivamente branco e marfim. A cozinha que outrora era trabalhada em armários de madeiras maciças e escuras, agora exalava o ar clássico e chique com eletrodomésticos em inox, uma ilha de mármore branco no centro do cômodo, banquetas ao redor da mesma, que deixava o lugar ainda mais elegante, e um piso que parecia ser a extensão da ilha de mármore. Era impressionante a mudança.

— A cozinha está diferente — disse, sorrindo e olhando ao redor de mim. Daniel me observava com um sorriso no rosto. — Gostei.

— E eu gostei de finalmente te encontrar. — Estranhei sua declaração.

— Mas eu sempre estive aqui. Quer dizer, ali. — Apontei para algum lugar, tentando simbolizar minha casa ao lado.

— Não esteve, não. — Ele sacudiu a cabeça avidamente. — Estou de volta há uns dias e não te vi nem pela rua.

Engoli em seco. Minha realidade agora era bem diferente de antigamente. Mudei a direção do meu olhar, cruzei os braços em frente ao meu corpo, abaixei a cabeça deixando meu cabelo cair sobre o rosto e suspirei.

— As coisas aqui mudaram depois que... Depois que você foi embora. Achei que não te veria nunca mais. — Voltei a encará-lo, minha voz estava trêmula com o nervosismo.

— Como assim, diferente? Para mim tudo parece igual. A única diferença é que você não fica mais por aí correndo para lá e para cá. — Daniel sorriu, tentando brincar, mas ao me ver séria, seu sorriso morreu. — Safira, o que foi? Por que ficou assim, de repente?

— Dani, não te vejo há dez anos. É difícil dizer o que está acontecendo. Há um milhão de coisas acontecendo no mundo ao mesmo tempo.

— Sabe que sua resposta não faz o menor sentido, não sabe? — Assenti, frustrada. Ele se aproximou e me puxou para que eu me sentasse em uma das banquetas da ilha. Me serviu um copo de água e sentou-se ao meu lado, porém de frente para mim.

— Obrigada! — Bebi um gole de água e o encarei. — O que foi?

— Você não mudou nada.

— Até parece. Se tem uma coisa que fiz nesse tempo, foi mudar. Tudo mudou.

— Mas continua linda da mesma forma.

— Para com isso — falei duramente. — Não gosto dessas brincadeiras. É melhor eu ir para casa.

— Não, senhora! — Ele me impediu de levantar na mesma hora. — Primeiro, tem que me dizer para que veio aqui. — O plano, me lembrei! A essa altura, já nem sabia se conseguiria cumprir o plano de Betina. — Você sabia que eu tinha voltado?

— Óbvio que não! — Revirei os olhos, enquanto passava a mão pelo cabelo, jogando-o para o lado.

— Então me diga Safira, por que estava vindo na casa de um estranho? — Seu olhar desconfiado me desafiava a falar.

Olhei para frente, sem enxergar nada específico e decidi por falar a verdade, afinal, uma mentira não me ajudaria em nada.

— Ok! Vou dizer. — Bebi mais um gole da água. Talvez ela me dê a coragem de que necessito. — Bom, eu estava vindo pedir uma ajudinha do meu vizinho.

— Explique-se, Safira. — Ele cruzou os braços em frente ao corpo, contraindo os bíceps e aumentando seu peitoral. Meu ventre se remexeu e voltei a beber outro gole de água. O que há de errado comigo? Nunca fui de reparar essas coisas. — Ajuda para quê? — ele questionou.

— Então... — Pigarreei. — Resumindo a história toda, eu preciso de um par para conseguir ir ao Baile do Amor, e finalmente enfrentar meus pais.

— Eu fiquei ainda mais confuso. Me explica isso direito, por favor! — Dani debruçou-se sobre a ilha e mergulhou seu olhar no meu, fazendo todo meu corpo arrepiar com a intensidade dele.

Relatei todos os detalhes ao meu velho amigo, que fez questão de dizer o quanto tudo era surreal e inaceitável. Mas não vi e nem senti seu olhar de pena, o que me deixou bem confortável em contar tudo para ele.

— Me lembre de agradecer a sua amiga por te encorajar a vir até aqui.

— Por que eu faria isso? — Semicerrei os olhos, e ele sorriu.

— Pois só assim para a gente se reencontrar. Achei que depois que você recebesse as flores, viria me procurar, mas já tinha perdido as esperanças.

— Bom, eu não vi o bilhete, só recebi as flores e me disseram que tinha sido o vizinho que recém-chegado ao bairro.

— Pelo menos sei que não fui rejeitado. — Ele riu, parecendo aliviado. Acabei sorrindo ao ver suas covinhas mais uma vez. — Estou realmente feliz em poder te ver novamente, Sari. Senti sua falta depois que fui embora.

— Também senti a sua. Você não faz ideia do quanto...

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