entrei em meu quarto. Chorei deitada em minha cama, com os fones de ouvido berrando: No time To Die, da Billie Eilish, até pegar no sono. Não era sempre que isso acontecia, afinal, depois de anos, eu já havia me acostumado com os insultos tanto de meu pai como de minha mãe. Mas dessa vez tinha sido diferente, não por suas palavras, mas porque eu sentia algo em mim diferente. Havia uma esperança de as coisas serem diferentes, e ver que meu pai só pensa em mim para usar em seu próprio benefício, me doeu. Muito!
Quando acordei, já passava das três horas da tarde. Foi um despertar doloroso e vazio. Não havia propósito para eu me manter acordada e desejei ser a Bela Adormecida sem pretensão alguma de acordar. Betina entrou em meu quarto como um furacão, me sentei na cama assustada com sua invasão repentina.
— Safira, olha pela janela, rápido! — Ela trancou a porta, e eu ainda não conseguia entender o que estava acontecendo.
Me levantei, olhei meus cabelos desalinhados e minha cara amassada no espelho… é… eu consegui ficar pior.
— Eu disse: rápido! — Tina me puxou pelos braços e me empurrou até a janela. — Olha quem está lá.
— Meus Deus — falei alto. — Eu disse para ele não aparecer aqui. — Meu coração estava disparado e minhas mãos começaram a suar, esfreguei-as na calça jeans que eu usava, na tentativa de me acalmar. Daniel estava escondido entre duas árvores que ficam de frente para minha janela, mas distante o suficiente para ninguém desconfiar que ele estaria a me observar de lá. — Se alguém vê-lo ali, nem sei o que pode acontecer.
— Como ele sabe que seu quarto é aqui?
— Ele fazia isso quando éramos crianças. Ele me chamava para brincar por aqui.
— Ele teve sorte de você não ter mudado de quarto. — Tina se afastou e falou ao mesmo tempo. Meus olhos não desviavam do homem parado com as mãos no bolso da bermuda, observando tudo ao seu redor. Finalmente ele olhou em minha direção e então sorriu, pegou o celular, olhou para tela e voltou a me encarar com o telefone no ouvido. — Seu telefone está tocando, Safir.
— Me dê aqui. É o Dani. — Um sorriso se desenhou em minha boca quando vi o nome dele estampado na tela do meu telefone.
— Atende logo, mulher! — Betina me encorajou e me empurrou de volta para a janela. Voltamos a nos observar e atendi sua ligação.
“— Oi! — eu disse.
— Oi! Você está bem? — Sua voz era quase um sussurro.
— Sim! — respondi, sorrindo e sacudindo a cabeça. — E você?
— Incrivelmente com saudades da minha amiga que reencontrei há um dia.
— Aposto que sua amiga também está com saudades.
— Eu espero que sim. Pois estou a um passo de escalar a parede que me impede de abraçá-la.
— O que você veio fazer aqui?
— Já disse, estava com saudades e você não respondeu nenhuma das minhas mensagens. Fiquei preocupado.
— Não precisa se preocupar. Estou sempre aqui nessa casa e nesse quarto. Vou até aí amanhã para te explicar todo nosso cronograma.
— Por que não vem hoje?
— Tenho um compromisso com a família. Não queria, mas tenho. Amanhã à tarde vou dar um pulo aí.
— Te aguardo ansiosamente, Sari.
Ele desligou e ficamos ali parados por um tempo, nos encarando. Ele olhou para todos os lados e quando sentiu segurança, saiu de fininho e às pressas.
— Ele gosta de você! — Tina falou.
— Somos amigos. Éramos amigos na infância e agora...
— E agora ele está totalmente atraído por você!
— Para de falar besteira. Ele é meu amigo, nada além disso. Ele vai me ajudar e eu vou ajudá-lo e acabou. Depois é cada um com sua vida.
— Para alguém que ama uma comédia romântica, você é péssima em leitura comportamental.
— Exatamente por assistir tanto, que sei que ele não sente nada disso, e eu não serei tola de ficar me iludindo. Agora, vamos, a gente precisa se arrumar, pois hoje tem o ensaio para o Baile e a gente vai espiar tudo!
— Ah, então era esse o compromisso?
— Sim! Não posso perder o foco. Tenho que me preparar para o confronto que será esse evento.
— Vai dar certo, minha amiga. Você terá sua liberdade muito em breve.
— Deus te ouça!
O restante do dia passou rapidamente. Betina e eu nos escondemos atrás de uma das mesas no canto do salão. A reunião começou e minha mãe falou sobre o horário de início da festa, o que os profissionais precisam usar e fazer, coordenadas do jardim e o lugar que cada um ficaria, e os convidados mais ilustres daquele ano. O governador do estado e sua esposa, viriam prestigiar o evento de maior fama da região e se tudo corresse como eles previam, eu seria pedida em casamento no dia do Baile,
Espera... O quê? Eu vou ser o quê?
Eu e minha amiga nos entreolhamos, boquiabertas com o que estava para acontecer e o coração a mil por hora com aquela novidade. Eu precisava sair dali o mais rápido possível. Mas a nossa posição não nos favorecia e qualquer movimento que eu fizesse estaríamos encrencadas por estar espionando.
Aparentemente eu tenho um pretendente. Mas não sei como vou conhecê-lo se não poderei ir ao baile. O que eu faço agora?
Minhas pernas começaram a tremer tamanho foi meu nervosismo ali, e sem que eu percebesse, meu corpo tombou para o lado e cai sentada. Meus pés embolados na toalha branca de cetim da mesa onde eu me apoiava.
— Merda! — xinguei. — Fica quieta aí, para você não levar bronca — cochichei para Tina e me levantei lentamente ao ouvir passos vindos em nossa direção.
— O que faz aqui, Safira? — minha mãe perguntou.
— Nada. Estava curiosa para saber mais da festa. E sem querer acabei descobrindo que tenho um possível casamento arranjado. — Encarei minha mãe e marchei até onde ela estava. — Vocês não têm esse direito sobre mim! Além do mais, eu já tenho um par para me acompanhar ao Baile. — Saí batendo os pés. Escutei minha mãe dar a reunião por encerrada e logo seus passos apressados vindo até mim.
— Filha, vamos conversar. Por favor! — Minha mãe alcançou meu braço e parei de andar. O corredor estava vazio, mas eu podia sentir os olhares pairando sobre nós. — Vem, vamos até o escritório de seu pai.
— Não vou a lugar nenhum. — Puxei meu braço, interrompendo nosso contato. — Não tenho nada para falar!
— Não dificulte as coisas, Safira. Seu pai já vai ficar nervoso com a sua intromissão na reunião pré-baile.
— Eu não ligo! Não vou deixar mais vocês me controlarem como querem. Eu cansei de só ouvir as merdas que vocês pensam de mim e sofrer calada. Minha vida, minhas escolhas!
Minha mãe não foi capaz de me refutar e se calou. Consegui ver o tremor de seus lábios e a tristeza em seu olhar. Ela estava abalada, mas passei anos assim e ela nunca se importou, então eu também tenho esse direito. Me tranquei no quarto, tomei um banho, me desfazendo em lágrimas debaixo da água quente da banheira até ouvir o som do meu telefone avisando que havia uma mensagem.
Ainda dentro da banheira, estiquei os braços e alcancei uma toalha de rosto, enxuguei as mãos e a face, e peguei o celular que estava na bandeja ao lado. Era uma mensagem de Daniel. Abri um enorme sorriso assim que li seu nome no visor do aparelho. Cliquei e abri a mensagem: (Dani) “Esse negócio de te ver de longe é uma droga. Me deixa subir aí.” (Eu) “Não tem como. Estão marcando em cima.” (Dani) “Tenho um presente para você. Quero te ver. Estou aqui embaixo. Se você abrir a janela, eu subo.” (Eu) “Você tá doido!”, pensei, olhei pela janela do banheiro, voltei a encarar a tela do telefone e sorri antes de digitar a próxima mensagem. (Eu) “Já vou abrir. Estou saindo do banho.” Rapidamente, me levantei, me sequei e vesti o roupão. Meu quarto estava um pouco gelado, mas a adrenalina de tudo que estava por acontecer me deixava quente. Sequei o cabelo com uma toalha e o deixei solto com um ar despojado e meio úmido. Corri até a janela, mas não o vi em lugar algum. Peguei o celu
Daniel AlbuquerqueTrês semanas antes do BaileEra bom poder voltar para Santa Cecília depois de dez anos sem pisar os pés sequer em São Paulo. Tenho muitas lembranças boas desse lugar e sempre quis saber como andavam as pessoas que ficaram por aqui. Safira é uma delas. Lembro da minha infância com carinho, principalmente por causa dela. Éramos crianças alegres e vivíamos aprontando pela mansão dos Medeiros. Algumas vezes, meus pais pediam para que ela fosse até nossa casa, e assim como em qualquer lugar, nós nos divertíamos com coisas simples. Ela era uma boa amiga. E por isso voltar aqui e saber como ela está hoje em dia, me deixa bem ansioso. Mas minha vinda para cá não é com esse propósito. A verdade é que preciso pôr minha antiga casa à venda. Minha mãe descobriu um câncer de mama há dois anos e meio, na época, meu pai ainda era vivo e nós dois cuidamos dela. Ela apresentou melhora e então descansamos. Seus cabelos voltaram a crescer, mas da noite para o dia, meu pai se senti
Safira Medeiros Queria saber exatamente o que dizer para começar isso aqui, mas a verdade é que não sei por onde devo começar a contar minha história. Certamente deveria ser pelo início, mas são anos de uma vida privada por um motivo idiota que, até hoje, não consigo entender por que me permiti viver daquela maneira. Mas, vamos lá. O início de alguma coisa nunca é fácil, e comigo não foi diferente. Minha família, ou melhor, a família Medeiros, sempre foi uma das mais bem-vistas e apreciadas aqui em Santa Cecília, interior de São Paulo. Sempre participamos das maiores celebrações da cidade, sendo os convidados do prefeito ou os anfitriões de festas celebradas em nossa residência. Para mim, tudo era divertido, tudo virava brincadeira, ainda mais para uma menina espoleta de oito anos. E foi assim, em uma brincadeira, que tudo mudou da água para o vinho. Eu brincava de bola com Daniel, meu vizinho e melhor amigo, na época. Ele já tinha uns doze anos, mas como só havia nós dois na viz
Safira Medeiros Aparentemente, segundo a Tina, sou uma pessoa de sorte e é o meu destino conhecer meu novo vizinho, mas sinto que meu estômago vai se dar por vencido a qualquer minuto. Nosso plano era bem simples: ir até a casa dele, sorrir, ser simpática e perguntar se ele gostaria de participar do Baile do Amor, organizado pela minha família, uma tradição na cidade, sendo o meu par. Caso ele diga que não, terei que implorar por sua ajuda e era exatamente isso que me preocupava. Não gostava de pedir favores e isso se dava a uma personalidade trabalhada no orgulho. Já era ruim ter que aguentar meus pais me olhando com pena, pedir ajuda é ter mais um olhar piedoso de alguém e acho que não suportaria. Olhei por cima dos ombros para minha fiel escudeira e toquei a campainha da casa ao lado da minha. Betina estava escondida e só iria interferir caso eu gritasse ou fizesse nosso sinal de perigo, que nada mais era que um cruzar de dedos atrás ou acima da cabeça.Respirei e inspirei três
Vi que uma sombra de culpa passou em seus olhos e isso mexeu com algo em meu peito. Era um sentimento novo e diferente, sem dúvidas despertado pela nossa velha amizade e toda a lembrança do que éramos quando crianças. Daniel segurou minha mão e depositou um beijo em seu dorso, afastando os lábios lentamente. — Bom, agora que você já sabe das minhas razões — falei, quebrando aquele silêncio que havia se instaurado — preciso saber se vai me ajudar. Pois, senão, tenho que pensar em outra solução. — Te ajudo, sim, mas com uma condição. — Dani! — Desferi um leve tapa em seu ombro, e ele riu. — Depois de tudo que te contei, ainda vai impor uma condição? — Claro! Não posso ficar sem ganhar nada! — Você vai ganhar uma amiga grata por todo apoio. — Hum... É pouco. Preciso de mais ganhos. — Seu tom brincalhão me fazia rir espontâneamente. — Você é um péssimo amigo! Diga logo o que quer, antes que eu me arrependa. — Bom, você me disse que tem o hábito de assistir comédias românticas, cer
Estou em choque com esse livro. A cada página e capítulo que eu terminava, a trama me deixava mais curiosa e muito envolvida. Eu passei a noite em claro, pois precisava de respostas urgentemente. Só me dei conta de que não tinha dormido, quando Betina entrou em meu quarto para avisar que o café estava para ser servido. Ela achou esquisito eu já estar acordada e sentada na cama, mas não disse mais nada e saiu de fininho. No geral, eu não gostava de participar das refeições em conjunto com a minha família. É sempre indigesto. Mas hoje estava de bom humor, acho que encontrei um hobby novo que me faz ir a lugares sem sair de casa. Nota mental: agradecer ao Daniel por me apresentar à leitura. Por isso, quando me aproximei de meus pais na sala de jantar onde fazemos todas as refeições, carregava um sorriso idiota no rosto, como não tinha há muito tempo. — Está atrasada, Safira! — meu pai disse, antes mesmo que eu os cumprimentasse. — Sente-se logo. — Bom dia para o senhor, também!