Capítulo 03

Vi que uma sombra de culpa passou em seus olhos e isso mexeu com algo em meu peito. Era um sentimento novo e diferente, sem dúvidas despertado pela nossa velha amizade e toda a lembrança do que éramos quando crianças. Daniel segurou minha mão e depositou um beijo em seu dorso, afastando os lábios lentamente.

— Bom, agora que você já sabe das minhas razões — falei, quebrando aquele silêncio que havia se instaurado — preciso saber se vai me ajudar. Pois, senão, tenho que pensar em outra solução.

— Te ajudo, sim, mas com uma condição.

— Dani! — Desferi um leve tapa em seu ombro, e ele riu. — Depois de tudo que te contei, ainda vai impor uma condição?

— Claro! Não posso ficar sem ganhar nada!

— Você vai ganhar uma amiga grata por todo apoio.

— Hum... É pouco. Preciso de mais ganhos. — Seu tom brincalhão me fazia rir espontâneamente.

— Você é um péssimo amigo! Diga logo o que quer, antes que eu me arrependa.

— Bom, você me disse que tem o hábito de assistir comédias românticas, certo?

— Certíssimo!

— Então, voltei a morar aqui, mas meu trabalho está sendo afetado, pois é difícil ler e fazer o relatório de um livro quando se está preocupado com um mundo de coisas, além do seu trabalho.

— Você trabalha com o que exatamente?

— Trabalho em uma editora importante em Goiânia. Adiantei minhas férias para vir até Santa Cecília, tentar arrumar um comprador para essa casa, mas meu chefe disse que preciso cumprir com algumas coisas que ficaram pendentes lá. E alguns livros estão acumulados.

— Vai direto ao ponto, Dani. Ainda não entendi bem o que quer de mim.

— Ok, desculpe. Gostaria que lesse alguns dos manuscritos originais e ressaltasse o que for bom e o que você acredita não ser algo interessante para a história. Enquanto eu te ajudo a participar do Baile, você me ajuda a adiantar algumas leituras que estão atrasadas.

— É só isso? — indaguei, e ele confirmou balançando a cabeça. — Tem certeza?

— Sim, é bem simples. Minha condição é começarmos a ler alguns mais curtinhos para você se acostumar e pegar o ritmo. E se precisar, estarei aqui para tirar qualquer dúvida sua. — Ele colocou uma mexa do meu cabelo, que estava solto, atrás de minha orelha e seu indicador deslizou perto da minha cicatriz, me afastei bruscamente dele, ficando em pé e mexendo na bolsa pendurada em meu ombro.

— Me parece muito suspeito tudo isso. — Olhei nervosa para meus pés, ajeitei o banco, chegando-o para frente e o olhei pelo canto dos olhos, Dani tentava esconder um sorriso frouxo. — Tudo bem, ler não arranca pedaço. Qual será o primeiro?

— Bom, vai ser um romance em que a mocinha quer se vingar do ex e acaba ficando com o pai dele.

— Meus Deus, que horror!

— É um pouco peculiar mesmo, porém, dependendo de como é construída a linguagem do casal, funciona muito e vende bem.

— Então, que eu consiga fazer essa análise certa.

— Vai se sair bem! — Ouvimos a campainha tocar e me lembrei que Betina estava lá fora à minha espera.

— Deve ser minha amiga. Preciso ir. — Me levantei e ele me acompanhou até a porta. Seu braço pesava sobre meus ombros enquanto andávamos até a saída. Era esquisito e familiar ao mesmo tempo.

Paramos em frente ao cômodo que me recordo ter sido seu antigo quarto e ele entrou, pegou um aparelho semelhante a um tablet e me entregou.

— O livro está aqui. Isso é um Kindle, um aparelho feito especialmente para leitura de livros digitais. Só tem um livro aí, que é o que você precisa ler.

— Está bem. Agora vamos, pois a Tina vai achar que você me matou e está pretendendo sumir com todas as pistas e indícios do crime. — Dani gargalhou e voltou a passar seu braço por meus ombros.

Paramos em frente a porta. Daniel me virou de frente para ele em um movimento sutil com suas mãos em minha cintura, minha respiração se alterou e meus olhos passearam de suas covinhas para seus lábios entreabertos e convidativos. Perceber que agora ele era um homem feito e muito bonito, mexeu comigo mais do que realmente deveria. Deslizei a língua por meus lábios e desviei o olhar para a porta de madeira de um tom claro, logo atrás dele.

— Quando terminar de ler, procure-me. E depois me diga o que teremos que fazer nesse baile. Ok? Se tivermos que dançar, precisaremos marcar ensaios, pois eu não sou muito bom nisso.

— Está bem. Vou ver com a Tina um cronograma e marcar com você os horários para eu conseguir vir aqui. Não pense em aparecer lá em casa. Meus pais não podem sonhar que estou encontrando alguém.

— Tudo bem. Será nosso segredo. — Ele me lançou uma piscadela, e eu sorri espontaneamente.

— Vou começar a ler hoje mesmo. Obrigada pela ajuda e estou muito feliz que você tenha voltado para Santa Cecília. Espero que da próxima vez que você partir, consigamos nos despedir.

— Não vamos falar em despedidas por agora. Tome cuidado ao voltar para casa e me mande uma mensagem para me avisar de que está tudo bem.

Trocamos o contato no celular e ele depositou um beijo no dorso da minha mão mais uma vez e um em meu rosto. Abriu a porta e reparamos quando Betina respirou aliviada ao me ver inteirinha em sua frente.

— Safira, da próxima vez você fica e eu converso. Achei que você tinha morrido.

— Não falei? — Olhei para Daniel e ele gargalhou mais uma vez. O som de sua gargalhada me fazia cócegas na barriga.

— Agora virei palhaça de circo, é?

— Vem, vamos embora que eu te conto tudo. Obrigada mais uma vez, Dani.

— Aguardarei sua mensagem ansiosamente. Tchau, Tina.

Minha amiga se estremeceu ao ouvi-lo chamar seu apelido e sorriu envergonhada. O efeito do sorriso galante e o olhar conquistador do meu ex-melhor amigo afetando-a, assim como me afetava. Agora era oficial: Daniel Albuquerque acabara de voltar para minha vida.

E suas covinhas também.

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