Mamãe gritou quando Legolas surgiu correndo e pulou nela. Eu me intrometi na confusão e me abaixei abraçando o cachorro enquanto ela se encolhia na parede.
— O que é isso, Wendy? — reclamou ainda nervosa.
— É meu novo inquilino — falei alisando a cabeça dele. — Legolas!
— Isso é um cachorro de rua? — arregalou os olhos.
— Bem, eu vou levá-lo na pet shop e no veterinário mais tarde — sorri sem graça e fiquei de pé. — Ele estava perdido ontem.
— Você perdeu todos os seus parafusos! — suspirou parecendo desapontada.
Dei de ombros e ri um pouco. Talvez eu tenha soltado meus parafusos e libertado a mim mesma.
— E a senhora está precisando de mim? — perguntei indo para a cozinha.
— Você ainda é minha filha — suspirou me seguindo. — Vim ver se está bem.
Sorri enquanto abria a geladeira. Peguei uma garrafa de suco e me estiquei para pegar um copo no armário.
— Estou bem! — respondi enchendo o copo. — E a senhora e o papai?
— Estamos bem — disse alternando o olhar entre mim e Legolas, que parecia ansioso cheirando a perna dela. — Você ainda não conseguiu um emprego, não é?
— Irei encontrar — ofereci o copo e ela pegou depois de hesitar um pouco. — Não se preocupe!
— Mas, e se... Seu chefe do escritório te ligasse? — suspirei cruzando os braços. — Eu posso falar com ele e dizer que você largou tudo por minha causa, posso suplicar para ele deixar você voltar! — vomitou as palavras quase desesperada.
— Mãe! — me aproximei tocando seus ombros. — Não me faça voltar, por favor!
Ela abaixou a cabeça parecendo perdida.
— Você realmente pensa como aquele seu namoradinho! — reclamou.
— Se o Kevin realmente tivesse feito minha cabeça, eu nem teria ido embora há 5 anos — me afastei e soltei o ar pela boca. — A senhora soube que o pai dele faleceu?
— Já tem algum tempo. De que isso importa? — bebeu um pouco do suco e bateu o pé no chão dando um susto no Legolas.
— Por que não me contou?
— Você estava ocupada com o trabalho. E... Eu o expulsei da nossa casa pouco antes de você ir para Massan, ele precisava saber que seu futuro era maior do que tudo aquilo — arregalei os olhos e ela desviou parecendo nervosa. — Mas você estragou tudo!
Mamãe foi para a sala como se estivesse buscando ar e eu a segui com os lábios pressionados.
— A senhora o mandou embora quando eu ainda o namorava? — perguntei séria. — Sem motivo nenhum para isso?
— Você tinha acabado de passar na seleção — passou as mãos no cabelo. — Parecia tão difícil para você escolher entre ele ou seu futuro. Pensei que ele tivesse te contado.
Não. Ele nunca contou.
— Mãe! — abri a boca sem saber reagir. — Eu não posso acreditar que você foi rude desse jeito com a pessoa que eu amava!
Sentei no sofá perdida em tudo aquilo. Com toda certeza, seria ainda mais difícil encará-lo.
— Você já o reencontrou? — perguntou e apenas concordei com a cabeça sem olhar para ela. — Eu só vim saber como estava — andou até a porta apressada. — Se precisar de nós, só falar.
Ela saiu no mesmo instante, mas eu continuei olhando para o nada.
✴✴✴
Fui ao consultório veterinário, onde o Kevin trabalhava, de propósito. Poderia ir em outro e evitar ao máximo vê-lo, mas eu deveria no mínimo prestigiar seu trabalho. Sara nem questionou em me dizer onde ele trabalhava.
Era uma associação de veterinários e eu perguntei a secretária se meu cachorro poderia ser atendido pelo Dr. Kevin Davies. Preenchi a ficha com as informações do Legolas e me sentei na sala de espera percebendo que não sabia quase nada sobre o cachorro. Tivemos que aguardar um pouco até chegar a nossa vez.
Legolas entrou no consultório fazendo bagunça e Kevin quase derrubou o calendário que estava sobre sua mesa quando me viu. Fechei a porta e me aproximei tentando controlar o cachorro.
Ele se aproximou com uma tensão entre seus olhos e colocou as mãos no jaleco branco.
— Dr. Kevin? — perguntei sorrindo um pouco e ele acenou com a cabeça.
— Eu não sabia que tinha um cachorro — falou dando uma olhada no Legolas.
— Nos encontramos ontem — alisei a cabeça do agitado. — Como o vi na rua, queria saber se ele está bem. Embora eu acredite que ele está ótimo!
Kevin tomou a guia da minha mão sem encostar em mim e levou o Legolas, o fazendo subir numa espécie de cama.
— Vou examiná-lo — disse concentrado no cachorro. — Mas esse Golden retriever parece realmente estar bem.
— Ohh, ele é um Golden retriever! — repeti estalando os dedos.
Kevin sorriu um pouco quando olhou para mim, mas não nos encaramos por muito tempo.
— Qual o nome dele? — perguntou apertando as patas dele.
— É... — fiz uma careta para mim mesma. — Não decidi ainda!
Se eu dissesse para ele que nomeei o cachorro com um dos apelidos que lhe dei no passado, será que ficaria estranho? De qualquer forma, eu não queria forçar uma aproximação, e esperava que ele não pensasse isso.
Kevin acenou e continuou examinando o Legolas.
— Eu não lembro se te agradeci por ter me acompanhado até o metrô ontem — falei observando seu semblante concentrado.
— Agradeceu sim — respondeu apenas. — Você chegou bem?
— Sim! — sorri.
Olhei em volta analisando seu consultório. Havia uma foto dele com os pais sobre a mesa e seu nome bordado no jaleco.
— Fico feliz em ver que você se tornou tudo que queria! — comentei vagando pelo local.
— Assim como você — respondeu guiando o Legolas na descida.
Fiquei perdida numa resposta. Ele me acertou em cheio com uma farpa. Apenas sorri um pouco e peguei a guia quando ele me ofereceu.
Kevin se sentou e fez um gesto para que eu me sentasse na outra cadeira.
Fiz uma careta involuntária em ver a ficha que eu tinha preenchido sobre sua mesa. Bem, eu deveria ter imaginado.
— O... — olhou para a ficha. — Legolas, está bem! — acenei com a cabeça com a expressão de uma culpada, mas ele não reagiu nenhum pouco. — Devemos vaciná-lo por precaução, mas ele parece tão bem que é como se tivesse se perdido há pouco tempo.
— Será que tem alguém procurando por ele? — suspirei. Poxa, eu já sentia que o cachorro era meu.
— Cuide dele por enquanto — sugeriu escrevendo alguma coisa. — O Legolas é um Golden retriever adulto, saudável.
— Que bom! — respondi nervosa.
Nos despedimos logo. Kevin deu um biscoitinho ao Legolas, e o adeus não chegou nem a ser um aperto de mãos.
Andei pelo estacionamento pensando que talvez ele ainda estivesse magoado, ou decidido nunca mais se relacionar comigo. Eu não era acostumada com sua friezae foi inevitável ficar desanimada com aquilo.
— Hora do banho — disse para o Legolas. — Eu devia ter te dado outro nome. Acho que ele me odeia!
Abri a porta do carro e o cachorro pulou para o banco do passageiro. Talvez Legolas fosse adestrado, porque ficava quietinho no carro, e apenas colocava a cabeça para fora.
— Wendy!
Olhei para a entrada do consultório e Kevin veio correndo. Seu jaleco branco voou contra o vento. Já estava segurando a porta do carro, mas fiquei parada o esperando chegar até mim.
Ele recuperou o fôlego e ajeitou seu cabelo rapidamente.
— Você tem estado ocupada? — perguntou me fazendo levantar as sobrancelhas. — Você acha que devemos tentar conversar?
— Devemos? — respondi intrigada. — Quero dizer, você quer conversar?
— Bem... — passou a mão na nuca olhando para os lados. — Talvez devêssemos.
Pressionei os lábios para não sorrir e confirmei com a cabeça.
— Tudo bem! — respondi. — Vamos conversar.
— Você está livre amanhã? — disse com o cenho ainda franzido.
— Tenho tido muito tempo livre.
✴✴✴
(Lembrança)
Apontei para a TV depois de assistir Senhor dos Anéis pela quarta vez. Kevin abraçou a almofada emburrado, ele estava irritado de me ouvir falar o quanto os atores eram bonitos.
— Você serviria para ser um elfo! — falei o cutucando. — Todo delicado, limpo, e lindo!
— Hum — virou o rosto.
— Poderia interpretar o Legolas, e eu iria adorar assistir!
Ele sorriu daquele jeito marrento, fazendo só o canto da boca subir.
— Eu mereço um sorriso maior — cutuquei sua bochecha fazendo-o se virar para mim.
— Acontece que eu sou mais bonito que ele — deu de ombros me fazendo gargalhar.
Olhei para a tela vendo Orlando Bloom com aquele rosto escultural e os cabelos loiros compridos, e depois encarei meu namorado de pele alva e orelhas pontudas. Eu era loucamente apaixonada por ele, e ninguém conseguia ser mais bonito a meus olhos.
— Tudo bem, Legolas! — encostei a cabeça em seu ombro. — Quem eu seria?
— Talvez Frodo — espremi os olhos e me afastei para encará-lo.
— O mais importante de todos? — sorri.
— A mais dramática — me afastei dele até me encontrar na ponta do sofá. Kevin deu risada e se arrastou até mim. — Estou brincando!
— Sai! — empurrei o garoto ainda ouvindo sua risada.
— Você não pode estar entre esses homens grandes e barbudos — falou afastando meu cabelo do rosto. — Ou vou morrer de ciúme!
— Ridículo — sorri um pouco.
Ele me deu um beijinho, mas fomos interrompidos em ouvir a voz da minha mãe. Desliguei a TV e levantei do sofá.
— Precisamos ir, antes que ela diga que só sei namorar — ofereci minha mão a ele.
— Isso está ficando chato — suspirou pegando minha mão.
— Deixe que eu resolvo isso! — coloquei força para puxá-lo do sofá. — Vamos, Legolas! — pedi lhe causando uma risada.
— É isso que sou? — levantou finalmente, parecendo divertido.
— Sim, meu elfo favorito!
Queria poder dizer que não fiquei ansiosa com o convite do meu ex-namorado, mas acontece que fiquei, e muito. A ansiedade foi tanta que só naquela noite, fiz duas tortas de morangos.Sara me ligou para perguntar como tinha sido no consultório e acabei contando sobre tudo, e que talvez eu estivesse mais animada do que deveria.— Vocês deveriam mesmo resolver — ela disse do outro lado da linha enquanto eu esperava a massa das tortas assarem. — Tudo bem que você fez sua escolha, mas sinceramente, parece que não conseguiram amar outra pessoa como se amavam.— Sara, estamos falando de conversar, e não de voltar a namorar — me encostei na bancada.— Sei, sei — riu um pouco. — Então me explica por que está tão ansiosa!Revirei os olhos e caminhei até a sala, onde me espalhei no sofá. Legolas estava entretido em desf
Ele não apareceu. Kevin me enviou uma mensagem em cima da hora avisando que havia surgido um problema na clínica. Apenas respondi um ok e debrucei meus braços sobre a mesa do restaurante.Eu tinha basicamente passado a noite em claro e ansiei por todo o dia encontrá-lo, mas ele não podia ir. Recebi uma mensagem curta e sem sugestão para outro dia. Talvez ele realmente estivesse ocupado.Não comi no restaurante, pedi para viagem, preferia ir para casa e dividir minha refeição com o Legolas.Mas passeando pelas ruas até chegar ao meu carro me deparei com um cartaz que chamou minha atenção. Voltei para a confeitaria e arregalei os olhos em ler: Precisa-se de assistente. Era um lugar pequeno, mas uma lâmpada se acendeu dentro de mim.Vinha pensando em começar meu próprio negócio. Iria criar uma conta nas redes sociais e promover meu tr
A vida é diferente quando você faz o que gosta. Eu tinha um bom emprego em Massan. Meu salário era ótimo, não tinha dívidas, meu apartamento era espaçoso, meus casacos e bolsas eram caros, e os homens se interessavam por uma advogada que sempre andava por aí de salto alto. Mas minha vida era diferente, e eu não via mais graça em nada daquilo. Meu novo emprego em compensação aparentava ser uma terrível bagunça. Nada de salto altos, e muito menos roupa de
Atravessamos a rua em silêncio. Kevin parecia nervoso, daquele jeito que ele transparecia desconforto e me deixava ainda mais ansiosa.Eu não sabia bem o que esperar daquilo. Se abríssemos a caixa do nosso passado seria possível sentir tudo novamente? Eu estava com medo. Não queria ter terminado, mas tudo acabou, e querendo ou não, a culpa era minha. Na verdade, ele premeditou aquilo, fui avisada, ele me conhecia melhor do que eu. Passei na casa dos meus pais no sábado à tarde, como mamãe pediu. Eu estava tendo dias estranhos. Não conseguia parar de pensar na conversa que havia tido com o Kevin. Tínhamos combinado de sair, só não sabia bem se era um encontro, e sinceramente, esperava muito que fosse.Mamãe tinha feito um lanche para aquela tarde, eu estranhei como ela estava gentil, e me perguntou de forma empolgada como estava no trabalho. Papai não disse muito, ele continuou mexendo em seu notebook, e apenas aceitou meu abraço quando cheguei.— Por que eu sinto que a senhora está planejando algo? — perguntei, já sentada, observando ela encher uma xícara de café para mim.Mamãe riu um pouco e apoiou o rosto sobre a mão me analisando. Tomei um gole do café, desconfiada.— Fico feliz que esteja indo bem no trabalho! — disse enchendo umaOito
— Você é advogada? — Daniel perguntou depois de jogar a massa de pão que ele estava sovando na mesma bancada que eu estava usando para bater a massa da minha torta. Sorri um pouco enquanto despejava a massa numa assadeira pequena e redonda. Era engraçado lembrar sobre meu diploma de Direito, e que atuei como uma advogada por cinco anos. Eu não era gestora ou nada tão grandioso, mas participava de uma equipe extremamente responsável, e até resolvi alguns casos sozinha. — Sim, tenho um diploma — respondi sem querer parecer arrogante. Coloquei a assadeira no forno e fui recolher os ingredientes para a próxima etapa. Fingi não ter visto o Daniel me seguindo com os olhos. Deveria ser legal ter uma novidade no trabalho, e provavelmente ele só estava interessado por isso. Se ele soubesse a confusão e caos que eu era, sairia correndo. Talvez eu devesse me apresentar melhor. Daniel era um rapaz bonito, jovem, talvez fosse interessante. Mas eu me sentia presa a
(Lembrança)Conheci Kevin quando a louca da Sara se apaixonou pelo Jacob. Eu entrei confiante na universidade para cursar Direito, como meus pais desejaram. Me incomodava muito em ver minha amiga sofrendo de amores por um cara que ela nunca havia conversado na vida.Num festival que ocorreu no campus para arrecadação de dinheiro, os cursos elaboraram barracas de diversas coisas legais. Eu arrastei a Sara e ficamos seguindo o Jacob por todo evento. Mas acontece que ele estava com o chato do Kevin, o qual cruzou os braços assim que eu disse o primeiro "oi". Nossa, fui dormir naquele dia irritadíssima com a arrogância daquele garoto. O idiota era branquelo, magricela, tinha uma falha na sobrancelha, e enormes orelhas pontudas. Ridículo.Nem eu mesma acreditei quanto tempo perdi no meu primeiro semestre caçoando dele. Engraçado que nos víamos o tempo inteiro, na cantina
Saudades. Estava morrendo de saudades. Estava definhando em saudades.Minha vida voltou a fazer sentido quando Kevin me abraçou. Trocamos beijos, carícias íntimas, e abraços profundos. Eu sabia que estava sentindo falta de alguma coisa todo o tempo, mas como adulta responsável pelas suas escolhas, eu precisava fingir que não sabia o que era. Mas naquele momento constatei, de forma que eu não podia negar a mim mesma e a ninguém, que era ele, que eu sentia falta de nós.Durante minha adolescência não acreditava muito em romances tão duradouros, em amor de verdade. Quando terminei com Kevin, acreditei que superaria e em algum momento tudo não passaria de uma lembrança. E apesar de suportar bem, não tinha superado completamente.— Wendy... — Kevin riu nervoso tocando minha cintura com as duas mãos.Eu fingi não ter escutado e