Oito

Passei na casa dos meus pais no sábado à tarde, como mamãe pediu. Eu estava tendo dias estranhos. Não conseguia parar de pensar na conversa que havia tido com o Kevin. Tínhamos combinado de sair, só não sabia bem se era um encontro, e sinceramente, esperava muito que fosse.

Mamãe tinha feito um lanche para aquela tarde, eu estranhei como ela estava gentil, e me perguntou de forma empolgada como estava no trabalho. Papai não disse muito, ele continuou mexendo em seu notebook, e apenas aceitou meu abraço quando cheguei.

— Por que eu sinto que a senhora está planejando algo? — perguntei, já sentada, observando ela encher uma xícara de café para mim.

Mamãe riu um pouco e apoiou o rosto sobre a mão me analisando. Tomei um gole do café, desconfiada. 

— Fico feliz que esteja indo bem no trabalho! — disse enchendo uma xícara para si. 

— Então a senhora já aceitou minha escolha? — olhei para o papai sentado no sofá, ele estava nos observando de soslaio. — O que está havendo?

Os dois trocaram um olhar, franzi a testa quando papai suspirou e negou com a cabeça, ele fazia aquilo quando achava que algo daria errado.

— Wendy, eu já entendi que você quer ficar por ai fazendo bolos — mamãe voltou sua atenção para mim. — Mas... Você não pensa em se casar?

— Não sei — falei pescando um biscoitinho de goma.

— Então, eu estava conversando com uma amiga, e seu filho acabou de vir trabalhar aqui em Chaves! — se inclinou sobre a mesa muito empolgada, enquanto eu mastigava apenas observando a cena. — Ele tem 30 anos, é um médico, e ouvi dizer que é muito bonito, além de que está procurando uma mulher para se casar...

— Mamãe, fale mais devagar — pedi percebendo que ela iria se engasgar com suas próprias palavras, de tão rápido que estava falando.

— Tomei a liberdade de falar de você! — disse por fim, ofegando por ter vomitado toda informação em mim. — Você ao menos deveria se casar e me dar netos! Logo você terá 30 anos, e ninguém vai querer se casar com você. 

Olhei para o papai, o qual encolheu os ombros, tirando o corpo daquela confusão. 

— Você tem um encontro na quinta-feira — mamãe estalou os dedos chamando minha atenção. — Compre um vestido bonito.

— Mãe — coloquei o cabelo atrás da orelha, o que foi falho, já que os cachos nunca me obedeciam. — Eu já tenho um encontro. Hoje. 

Ela arregalou os olhos e papai começou a gargalhar.

— Com quem? — perguntou decepcionada.

— Doutor Kevin — respondi. Bebi um pouco mais de café analisando sua expressão de choque. Eu nunca entendi porque mamãe não gostava do Kevin. — Meu ex-namorado. 

— Se divirta, filha! — papai falou.

— Obrigada, pai! 

Eu tinha deixado meu carro em casa, estava tendo gastos desnecessários com combustível. Depois de mamãe não dizer mais nada, papai me deu uma carona até o local do meu encontro. 

— Sua mãe está apenas tentando te ajudar — ele disse dirigindo.

— Eu sei — concordei checando rapidamente as mensagens no meu celular, e Kevin disse que estava me esperando. — Mas acho que ela pode me deixar escolher daqui em diante. 

Ele riu um pouco e concordou com a cabeça.

— Então, você voltou a ver o Kevin? — perguntou chamando minha atenção.

— Bem... Mais ou menos — meneei com a cabeça. Não sabia que tipo de relacionamento estávamos tendo. 

— Ele gosta muito de você — virei meu rosto para o papai, um pouco chocada com suas palavras.

— Por que está dizendo isso? Passei cinco anos fora.

— Só estou dizendo. 

Papai estacionou, mas continuei o encarando. Ele sorriu um pouco e deu um tapinha em meu ombro. 

— O senhor não vai me contar? — insisti curiosa.

— Acho que ele está te esperando — papai fez um gesto com o queixo apontando para fora, e quando olhei para o lado, avistei Kevin mexendo no celular na entrada do shopping. — Vá! 

Hesitei um pouco em sair do carro, mas papai não disse mais nada. Parecia que aconteceram muitas coisas no tempo em que estive fora, e ninguém queria me contar. 

Kevin sorriu um pouco quando me viu e me aproximei percebendo que meu coração deu uma acelerada com apenas aquilo. Que frustrante. 

— Oi — falei sem graça.

— Oi, Wendy!

Entramos juntos e eu não sabia bem o iríamos fazer lá. Estava descartando as chances de ir ao cinema. 

— Preciso comprar uma coisa para minha mãe — Kevin disse guardando o celular no bolso. — Pensei que você pudesse me ajudar. 

— Alguma ocasião especial? — perguntei olhando bem para seu rosto enquanto ele analisava as lojas. 

Ele vestia uma calça azul de corte reto, com uma camiseta bege e tênis brancos. Kevin era muito estiloso, e tudo ficava tão bem nele que evitei olhar meu reflexo pelo vidro das vitrines. Apesar de ter vestido um macacão jeans, com uma camiseta rosa, eu parecia apenas desengonçada.

— Eu a convenci a se matricular numa aula de dança de salão — ele parou de andar e olhou a vitrine de uma loja de sapatos. — Mas ela usou a desculpa de que não tem nenhum sapato decente. 

— E você vai usar meu pé? — comecei a rir, mas me senti inibida quando ele me encarou, mesmo que tenha sorrido também.

— Vocês costumavam emprestar sapatos uma à outra — passou a mão na nuca.

Era verdade. A mãe do Kevin sempre foi uma mulher muito animada, que adorava festas e vivia dançando. Perder o marido certamente a deixou muito abalada. Eu não podia imaginar como ele estava enfrentando aquilo, mas me senti admirada pelo seu esforço. 

— Tudo bem! — puxei o rapaz para dentro da loja. — Emprestarei meu pé hoje!

Kevin sussurrou um "obrigado", mas eu não permitiria que seu humor se abatesse naquele dia. Teríamos um ótimo momento, e só desejei poder ser a Wendy de 22 anos que o fazia sorrir todo o tempo, e era capaz de transformar seu "não" num "sim" com sorrisos e beijos. 

— Acho que ela não aguenta mais usar saltos tão altos — ele disse enquanto eu analisava um scarpin preto.

— Pode deixar que vou escolher um bem confortável! — garanti, convicta, e ganhei aquele sorriso fechado, que o deixava parecendo um gatinho.

Experimentei tantos sapatos naquele final de dia, e Kevin pareceu muito em dúvida sobre qual levar. Acabamos visitando algumas lojas. Eu estava adorando, até porque ele estava conversando comigo. Ainda mantínhamos certa distância, mas ele não se privou de rir ou de fazer piadas. 

Na quinta loja, esperamos o vendedor trazer o sapato que escolhemos, no meu tamanho. Estávamos sentados e conversando sobre tantas coisas aleatórias.

— Eu não lembro em que aquário foi, mas lá em Massan um tubarão fêmea engoliu um outro tubarão que era metade do tamanho dela — contei o fazendo rir. — Uma colega tinha gravado um vídeo, e ela saiu mostrando para todo mundo no escritório.

— Fiquei sabendo. Mas ela não conseguiu digerir e regurgitou horas depois. 

Kevin contou numa naturalidade, mas não consegui esconder minha cara de nojo. 

O vendedor se aproximou de nós e colocou a caixa no chão. Era um garoto bem jovem e continuou alternando o olhar entre mim e Kevin.

— A senhora quer experimentar? — perguntou se ajoelhando perto de mim. 

— Sim, por favor! — concordei tirando minhas sandálias rasteiras. 

Calcei os saltos, os quais eram muito confortáveis. Andei um pouco e parei em frente a um espelho. 

— Sua namorada é bonita — ouvi o garoto falar para o Kevin, e pelo reflexo do espelho eu pude ver os dois me observando.

Kevin estava sério, e aquilo me causou uma agulhada no peito, mas logo ele abaixou a cabeça e puxou o celular do bolso de forma nervosa.

— Ela não é minha namorada — respondeu num tom de voz baixo. 

Fingi estar concentrada no sapato, porque mesmo que eu batesse de frente com qualquer tipo de situação, eu não teria palavras para acrescentar. Então encenei estar completamente absorta daquele curto diálogo.

— Gostei desse! — falei de repente, empolgada.

— Então vou levá-lo! — Kevin disse me encarando por apenas alguns segundos, e levantou-se impaciente.

O garoto ainda me deu seu número de telefone, o que me fez rir.

Jantamos num restaurante do shopping. Tentei conversar sobre coisas mais simples, que não o deixariam fechado ou constrangido. Para mim era muito fácil voltar e gostar dele outra vez. Porém, do lado contrário, havia um pouco mais de mágoa, e eu estava sendo compreensiva quanto àquilo. 

Mas foi impossível, durante o jantar, tocar na palavra nós, e eu deixei que ele falasse de sua mãe, e todas as estratégias que ele havia pensado para tentar fazê-la se sentir bem outra vez. 

— Posso te dar uma carona — Kevin disse quando saímos. 

— Se você puder — tentei ser casual, embora aquilo tenha me deixado animada. — Eu tenho evitado usar o carro.

— Por que você se tornou uma mulher que se preocupa com o meio ambiente? — riu andando para o estacionamento.

— Bem... Ficou caro — confessei o fazendo gargalhar. — Mas vou ficar com a desculpa do meio ambiente.

Enquanto ele dirigia para meu endereço, minha cabeça começou a brincar comigo. Estava tendo tantos pensamentos incoerentes que fiquei com vergonha de mim mesma. 

— É aqui? — Kevin disse me acordando. Ele estava olhando para fora. 

— É! — me apressei em tirar o cinto de segurança. — Foi divertido!

Ele assentiu com a cabeça, sorrindo um pouco. Saí do carro e comecei a andar me sentindo estranha. Pensei em todas as coisas que poderia ter dito, ou talvez pudesse ter sido ousada e o beijado de surpresa. 

— Wendy! — olhei para trás depois de atravessar a entrada do prédio. Kevin correu para mim, e meu coração enlouqueceu. — Você esqueceu seu celular no banco.

Me ergueu o aparelho, ofegante. Peguei meu celular me sentindo uma idiota e sorri sem graça. 

— Obrigada — sorri sem jeito.

— Wendy Brassard?  — o porteiro interrompeu meu momento de constrangimento. — Chegou um pacote de Massan hoje pela manhã, para você. 

— Ok — concordei ainda nervosa. — Deve ser alguma coisa da antiga casa. 

— É um pouco pesado — o porteiro passou a mão na cabeça. — Eu até levaria para a senhora, mas minha coluna está doendo muito esses dias.  

— Tudo bem! — respondi alternando o olhar entre o Kevin, que estava apenas observando a situação, e o porteiro que não parava de encarar o homem ao meu lado. Parecia até que eu tinha pagado uma grana para o porteiro sugerir coisas para o homem que chegaria comigo de um encontro. — Amanhã eu resolvo isso! Obrigada!

— É que é uma caixa grande e estou sem espaço aqui, sabe? Será que ele não pode te ajudar? — o senhor sorriu.

Ergui as sobrancelhas. Se eu tivesse planejado, certeza que ele não estaria tão empenhado. Oh, Deus, obrigada por situações tão vergonhosas. 

— Posso te ajudar — Kevin disse baixinho tocando meu braço.

— Não vai te atrapalhar? — perguntei. Não! Gaguejei me sentindo patética. 

Ele negou com a cabeça e sorri sem saber muito o que dizer. 

Kevin me ajudou a levar a caixa para meu apartamento. Subimos as escadas em silêncio, e ele colocou o pacote no chão assim que chegamos na porta. Me senti ansiosa, porque na verdade queria acelerar nossa aproximação, mas estava tão difícil visualizar aquilo.

— Boa noite, Wendy! — ele disse sem me encarar. 

— Ah, você não quer entrar? — me apressei em dizer.

Digitei a senha e a porta destrancou. Ele piscou um pouco e escondeu suas mãos atrás das costas.

— Eu devo ter alguma torta na geladeira — falei segurando a maçaneta. Sorri, mesmo sentindo meu coração mergulhar em gelo. —Entra!

— Eu... não posso — Kevin respondeu depois de limpar a garganta. — Preciso... Lavar meu carro!

Espremi meus olhos. Tudo bem, talvez ele não quisesse se aproximar tão rápido novamente. Assenti com a cabeça depois de suspirar. 

— Guardarei seu pedaço de torta, então — falei conformada. 

Ele sorriu, mas foi uma mistura de fofura e desajeito. Me encostei na porta, e me senti patética, porque naquele momento eu era apenas uma mulher querendo ficar mais tempo com seu ex-namorado. 

— Obrigado por hoje! — Kevin disse parecendo impaciente. 

— Fiquei feliz por ter ido! — sorri, mas virei o rosto quando senti a porta repuxando. Legolas estava colocando o focinho na brecha que deixei.

Kevin começou a rir e se inclinou um pouco para vê-lo.

— Ele já deve ter destruído a casa e está entediado — contei fechando a porta para não deixá-lo sair. 

— Preciso ir — murmurou e concordei com a cabeça.

Ele deu um passo para trás, mas me fez levantar as sobrancelhas quando deu alguns passos a frente e bem rápido beijou meu rosto. Minha pulsação, com toda certeza, extrapolou os limites. 

— A gente se vê! — Kevin disse dando passos para trás.

Levantei a mão, e nem sei se aquilo poderia ser considerado um aceno.  

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