Sete

Atravessamos a rua em silêncio. Kevin parecia nervoso, daquele jeito que ele transparecia desconforto e me deixava ainda mais ansiosa.

Eu não sabia bem o que esperar daquilo. Se abríssemos a caixa do nosso passado seria possível sentir tudo novamente? Eu estava com medo. Não queria ter terminado, mas tudo acabou, e querendo ou não, a culpa era minha. Na verdade, ele premeditou aquilo, fui avisada, ele me conhecia melhor do que eu.

— Você já comeu? — perguntou me despertando de pensamentos inconvenientes. O portão já estava aberto e ele fez um gesto para que eu entrasse. 

— Na verdade, não — respondi passando por ele. Eu tinha cozinhado para a Sara, mas não comi. — Eu esqueci. 

— Tudo bem.

Fiquei na varanda enquanto ele ligava todas as luzes. Meu coração estava agitado, principalmente porque meus pensamentos estavam brincando comigo. Até parecia que iríamos apenas dizer para esquecer tudo e quem sabe... Começar novamente.

— Wendy, não quer entrar? — apareceu na porta e me indagou parecendo preocupado. 

Assenti com a cabeça e avancei, entrando. Olhei em volta e sorri em ver que tudo era a cara dele, desde o sofá marrom até a luminária personalizada. A cozinha era estilo americana, e tudo parecia organizado e limpo. 

— Eu tenho que fazer o jantar — ele disse alternando o olhar entre mim e a cozinha. — Ou podemos pedir. 

— Posso ajudar a fazer o jantar — coloquei minha bolsa no sofá. — Se você quiser.

Ele sorriu um pouco e foi para a cozinha. Eu sentia que estava pisando em ovos, porque não tinha certeza se ele estava disposto a dividir seu espaço comigo, então eu queria danificar o mínimo possível. 

— Você ainda sabe fazer aquele macarrão? — ele perguntou segurando a porta da geladeira. — Eu gostava muito. 

Não consegui não sorrir com aquilo, mas ele virou o rosto no segundo seguinte e se concentrou em pegar coisas na geladeira. Kevin colocou algumas coisas sobre a bancada e eu puxei os tomates para mim. 

— Não está cansada? — perguntou. — Sara disse que você passa o dia inteiro cozinhando. 

— Bem, eu não me importo de cozinhar o dia inteiro — respondi prendendo meu cabelo num coque folgado, com o elástico que estava em meu pulso. — E quando chego em casa, acabo comendo qualquer coisa. É bom mudar um pouco. 

Ele sorriu um pouco e assentiu com a cabeça. Me senti muito desconfortável no início, o que era bem estranho. Quando éramos namorados tudo era simples, e onde ele estivesse eu me sentia em casa. 

— Pensei que não quisesse conversar comigo — falei cortando os tomates, e de olho na água que havia colocado no fogo para a massa. — Você sumiu.

— Eu pensei muito sobre isso, e fiquei confuso sobre se deveria ou não — respondeu. – Ainda estou confuso.

Ele estava de costas para mim, usando a bancada da pia. Queria não me sentir nervosa, mas estava com a impressão de que qualquer coisa me faria chorar, já que meu coração estava apertado de uma forma sufocante.

— Você ficou muito chocado em me ver aqui outra vez? — murmurei com vergonha.

— Um pouco — respondeu no mesmo tom de voz que o meu, baixinho. — Eu não esperava te ver... Outra vez. 

— Você tinha razão, sobre mim. 

A água começou a ferver e despejei a massa sobre ela. Ele não respondeu nada e acabei me retraindo. Falar em voz alta se tornou difícil. 

Kevin esticou seu braço para pegar a colher que estava perto de mim, e seu corpo se encostou no meu sem querer. Queria largar tudo e abraçá-lo, sentir o cheiro da sua camisa azul, ouvir seu coração, me desculpar por tudo e fingir que nunca nos separamos. Virei o rosto tentando afugentar minhas vontades.  Ele pegou a colher, a frigideira, uma cebola... Meu coração enlouqueceu, e comecei a dar passos para o lado tentando me esquivar ou abrir espaço para seu corpo. Distraída, encostei a mão na panela que estava sobre o fogão. 

Soltei um grito e puxei minha mão rapidamente, sentindo o ardor em minha pele. 

— Wendy, está bem? — ele se aproximou parecendo preocupado. — Se queimou?

— Não foi nada grave — falei virando de costas e olhando o estado da minha mão, a qual estava vermelha, e ardendo muito. 

Kevin me empurrou para a pia e estendeu minha mão sobre a água corrente. Seu corpo estava perto novamente, e ele segurava meu pulso insistentemente, como se eu fosse tirar minha mão da água caso ele me soltasse. 

— Fui desastrada — falei. — Quem olha assim nem acredita que trabalho numa cozinha agora.

Olhei para seu rosto, mas ele parecia tenso e não disse nada, apenas continuou focado em minha mão.

— Foi uma piada — insisti trazendo sua atenção para mim. 

Talvez nossos rostos estivessem a dez centímetros de distância, apenas isso. Se fosse há anos atrás, ele teria me dado um beijinho e diria que eu ficaria bem. Agora eu me sentia perdida com seu olhar sério e sua respiração pesada. 

— Tome cuidado! — Kevin disse e soltou meu pulso. — Fique assim um pouco mais. 

Ele se afastou de mim e foi até o fogão, onde começou a mexer na panela do frango. 

Fui impedida de continuar a ajudar na cozinha, embora eu tivesse afirmado com toda convicção que estava bem. Era apenas uma queimadura superficial. Mas o Kevin terminou tudo, enquanto pude apenas observar, sem ter intimidade suficiente para insistir e ser teimosa. 

— Será que Sara e Jacob se resolveram? — pensei alto já sentada na mesa. Kevin sentou logo depois e tirou a tampa das panelas. 

— Acredito que sim — respondeu se servindo. 

E nós? Nos acertaremos? 

Fiquei em silêncio, tomando coragem para falar. Comemos, naquela mesa de madeira escura, desviando o olhar um do outro. 

— Quando você disse que queria conversar comigo... — limpei a garganta antes de falar. — Era sobre o quê?

— Bem... — franziu as sobrancelhas. — Queria falar sobre... Eu queria saber se está tudo bem entre nós agora. 

— Agora? — levantei as sobrancelhas. 

— O casal alegria são nossos amigos em comum — abaixou a cabeça. — Até nos chamaram para ser os padrinhos do bebê... Talvez devêssemos parar de nos tratar como estranhos.

Assenti com a cabeça e sorri um pouco. Ele voltou a comer rápido.

— Kevin — falei chamando sua atenção. Eu não consegui comer muito, minha garganta estava travada. Ele me encarou mastigando devagar o que tinha na boca. — Você está chateado comigo, não é? 

Encostou as costas no recosto da cadeira e terminou de engolir. 

— Eu fiquei com raiva no início — respondeu me causando uma agulhada no peito. — Mas depois não tanto. 

— Por que você nunca mais queria me ver? Prometeu que jamais iria me perdoar? — foquei em seus olhos, mas ele virou o rosto desfazendo nosso contato.

— É que eu esperei você voltar, Wendy — abaixou a cabeça. — Esperei um ano, tive esperanças no segundo ano, mas... Parecia que apenas eu continuei aqui parado e tentando viver o passado. Eu finalmente estava vivendo meus dias sem precisar olhar para trás para me sentir humano, e de repente, cinco anos depois, você volta — fechou os olhos e suspirou.

Senti uma tensão entre minhas sobrancelhas. Parecia que cada um possuíam sua versão dolorosa. 

— Eu insisti na minha escolha o máximo que consegui — murmurei.

— Essa escolha não foi sua. Foi a escolha da sua mãe. Mas esperei por você. Estava disposto a te acolher se você voltasse para mim. Eu te disse que estaria. 

— Você disse, mas eu não podia — me inclinei sobre a mesa já agoniada. Queria chorar e dizer que eu não estava feliz, que senti muito a falta dele antes de esquecer meus sentimentos por qualquer coisa viva — Quando cheguei no nível de não suportar mais, você já tinha me esquecido. 

— E por que voltou agora? — pressionou os lábios e me encarou com aquele olhar acusador. — Por que não tentou seguir seus sonhos em Massan? 

Quando pensei em voltar para Chaves era sobre o sentimento de estar em casa, de me sentir acolhida, de recuperar minhas esperanças e a vontade de continuar. Mas só quando o vi novamente, me toquei que tudo aquilo que eu tanto buscava ter volta, ele que havia me dado.

— Queria lembrar quem eu sou — respondi. Pude sentir as lágrimas se concentrando em meus olhos. — Eu me tornei algo que estava se distanciando de ser humano. Minha intenção não era vir aqui bagunçar sua vida. 

Ele mordeu o lábio inferior, e eu queria sorrir por lembrar das vezes que ele fazia aquilo, mas comecei a sentir vontade de chorar. Abaixei a cabeça e lágrima caiu no meu prato.

— Passei um bom tempo pensando que teria você de volta —falou. — Parecia um romance bobo entre universitários, mas eu te amei demais, e isso me impediu de amar outra pessoa. 

Passei a mão nos olhos antes de encará-lo novamente. Kevin parecia cansado, e eu estava me sentindo mal, porque já podia imaginar como atrapalhei sua vida, mas era bem pior ouvir. 

— Eu teria ficado feliz se você tivesse partido atrás de seu sonho cinco anos atrás, Wendy! — continuou falando. — Se precisasse me deixar para ser feliz. Mas eu pensava em todas as vezes que você chorava em meu peito porque não suportava viver o sonho dos seus pais, e mesmo assim você foi. Você estava se machucando em minha frente e pedindo que eu não fizesse mais nada. 

— Eu sei! Não fui capaz de arriscar — admiti. — Mas imaginei que iria suportar tudo aquilo se você estivesse comigo. Nem isso conseguimos.

Comecei a me sentir sufocada. Kevin me seguiu com os olhos quando andei para a varanda. Inalei o ar da noite e abracei meus braços tentando voltar a ser sensata. Eu pude sentir sua presença mesmo que estivesse de costas para ele, fitando a rua vazia.

— Um dia eu saí do trabalho, frustrada — falei sem me mover. — Era tarde, eu sempre pagava horas extras contra vontade. Dirigi até uma ponte e fiquei pensando nos motivos que faziam os suicidas se matarem ali. Listei meus motivos e pensei em me matar naquele dia. 

Suspirei e me virei vendo sua expressão assustada. 

— Fiz uma escolha errada. Mas estou consertando — continuei falando. Outra lágrima escorreu pelo meu rosto, mas forcei um sorriso. — Desculpe se foi tarde na sua concepção.

Ele tentou avançar, mas passou a mão na nuca e acabou se afastando. Massageei meu peito, porque comecei a sentir muito aperto no coração. 

— Desculpe! — murmurei novamente chamando sua atenção. — Minha mãe me contou coisas que eu não fazia ideia. Sinto muito!

— Não! — Kevin virou-se para mim agoniado. — Pare de me pedir desculpas! O que me incomoda é lembrar de tudo e só querer voltar para lá. Wendy, eu fiquei tão perdido quando você foi embora. No dia que você me contou sua decisão sobre ir para Massan... Eu estava planejando te pedir em casamento!

Abri a boca com o susto. 

— Os planos da sua família para você não me envolviam. Acabou ali. Mas agora você está aqui, me contado sobre suas dores, o que eu senti com você todo o tempo. Seu cachorro se chama Legolas. Você me olha como se quisesse estar por perto — suspirou. — Não sei o que pensar. 

— Você disse que prefere que deixemos de ser estranhos — respondi. 

— Sim.

Ele entrou e soltei a respiração. Talvez precisássemos de mais tempo, cinco anos não foram suficientes para esquecer tudo. Eu queria recuperar nossa relação limpa, mas ele ainda tinha muito a me dizer antes de se sentir aliviado, e eu conseguia entender isso. 

Entrei na intenção de pegar minha bolsa. Ele estava juntando os pratos na mesa.

— Eu vou embora — avisei, chamando sua atenção. — Você tem muito a me dizer ainda, eu sei — sorri, mas ele mordeu o lábio. — E eu estou disposta a escutar. Me diga tudo!

— Não, Wendy, eu só queria te ver bem! — se apressou em dizer.

— Eu sei! — concordei. — Mas você ainda está magoado. E eu entendo. 

— Não queria brigar com você. 

Me estiquei para pegar minha bolsa e ele pareceu um pouco aflito. 

— Preciso dar comida ao Legolas — falei dando um passo a frente, me aproximando dele. — Isso, se ele já não destruiu a casa e encontrou sozinho.

Kevin sorriu parecendo nervoso e não desviou quando fiquei a poucos centímetros dele. 

— Eu nunca amei ninguém como amei você — contei e ele arregalou os olhos. — Então não deite na cama e pense que sentiu tudo sozinho. Os dois anos que me esperou, eu sofri pensando em ligar para você. Quando for dormir, pense apenas que sua ex-namorada foi muito tola e estava assustada demais para enfrentar o imprevisível. Você era meu melhor amigo e tudo que eu tinha!

Ele abaixou a cabeça e pressionou os olhos fechados. Beijei sua bochecha, ignorando as batidas em meu peito. Kevin se manteve imóvel enquanto meus lábios estavam em contato com sua pele. Quando me afastei um pouco, ele reagiu e segurou meu pulso, me observando tenso.

— Posso te conhecer de novo? — perguntou sem me soltar. 

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