Seis

A vida é diferente quando você faz o que gosta.

Eu tinha um bom emprego em Massan. Meu salário era ótimo, não tinha dívidas, meu apartamento era espaçoso, meus casacos e bolsas eram caros, e os homens se interessavam por uma advogada que sempre andava por aí de salto alto. Mas minha vida era diferente, e eu não via mais graça em nada daquilo.

Meu novo emprego em compensação aparentava ser uma terrível bagunça. Nada de salto altos, e muito menos roupa de marca durante o expediente. Meus colegas de trabalho não pareciam ser muito bons do juízo. Mas eu estava tão feliz.

Aprendi a fazer pão. Confesso que treinei em casa no fim de semana, mas isso não vem ao caso.

— Wendy, você pode fazer aquela torta de chocolate branco outra vez? — Nádia, a recepcionista, disse depois de entrar na cozinha. — Ela acabou muito rápido. As pessoas gostam dos seus doces!

— Ah, sério? — me aproximei empolgada.

— Por que você diz essas coisas para ela? — Daniel reclamou amassando uma massa. — Ela vai ficar se achando agora!

— Eu vou mesmo! - pisquei para ele.

Nádia começou a rir e me apressei em juntar os ingredientes para fazer a torta. Eu me sentia bem, num nível que era permitido cantar em todos os momentos.

No início minha tarefa era apenas ajudar a fazer pães, mas durante meus tempos livres comecei a fazer doces para preencher as vitrines, e muito rápido ganhei reconhecimento do meu chefe.

— Wendy, não brinque muito com o Daniel, ele tem um coração frágil — o chefe, que fez minha entrevista, surgiu parecendo divertido. — Ele está todo exibido desde que você chegou!

— Entendo — respondi rindo. — Mas Daniel, sinto muito, não estou interessada.

Daniel mordeu o lábio inferior parecendo ofendido e os demais riram da cara dele. Meu colega de trabalho era jovem e atraente, tinha músculos aparentes em sua pele escura e usava tranças nagô no cabelo. Eu podia ser chamada de tola, mas talvez ainda tivesse uma queda pelo meu ex-namorado esquisito, e a verdade é que eu não conseguia pensar em outra pessoa.

— Você tem namorado, Wendy? — Nádia perguntou enquanto eu arrumava as coisas para começar.

— Claro que ela tem! — Jonas bradou. Fiz uma careta mirando para meu chefe e ele esmoreceu me observando. — Quero dizer, uma garota como ela, não deve estar solteira.

— Bem... — sorri. — Eu não tenho um namorado. Mas obrigada por me chamar de garota.

— Não se preocupe! — Nádia piscou para mim. —  Logo o cara certo vai aparecer. E se não, eu deixo você ficar com o Daniel.

Acabei rindo. Meu conceito de "cara certo" já pertencia a uma pessoa.

Os dias no trabalho eram divertidos, e a pequena equipe me acolheu muito bem. Nádia trabalhava no caixa, Daniel era um dos confeiteiros e sobrinho de Jonas, o qual era o dono e confeiteiro. Havia também um garoto que trabalhava meio período no atendimento às mesas, o Victor, era uma gracinha. 

— Alguém precisa de carona? — perguntei pegando as chaves do carro na bolsa. O expediente havia acabado e sorri em ver as vitrines praticamente vazias. 

Jonas e seu sobrinho moravam no apartamento em cima da confeitaria. Nádia e Victor às vezes aceitavam uma carona. 

Depois de negarem minha carona, saí checando as mensagens. Mamãe queria saber se eu teria tempo sábado à tarde, e Sara pediu para ligar assim que eu pudesse. Disquei para ela quando entrei no carro.

— Vem cá, por que você consegue sumir morando na mesma cidade? — ela disse assim que atendeu. 

— Consegui um emprego, eu te disse — falei ligando o carro e o colocando em movimento, transferi a ligação para o painel. — Aconteceu alguma coisa?

— Briguei com o Jacob — suspirou e fiz uma careta depois de olhar rapidamente para o painel. — Teria um tempinho para conversar comigo?

— Onde você está?

— Em casa — suspirou outra vez. — Ele disse que chegaria tarde.

— Já estou indo!

Sara encolheu os ombros quando abriu a porta para mim, ela realmente parecia triste. A segui até a sala, onde se sentou no sofá e abraçou uma almofada.

— Por que brigaram? — perguntei me sentando na poltrona ao seu lado. 

— Pedi que ele fosse ao casamento da minha prima comigo — contou sem me encarar e pressionei os lábios em ver a lágrima escorrendo pelo seu rosto. — Eu sei o quanto Jacob odeia minha família e o quanto ela dificulta para ele , mas apenas pedi que ele fosse comigo e ficasse comigo. Ele pediu que não fôssemos. Acabamos discutindo.

Sara me olhou triste e passei o polegar em seu rosto para enxugar a lágrima. Sorri um pouco e saí da poltrona, me ajoelhei no tapete e a abracei. 

— Dissemos coisas que não deveríamos — murmurou em meio ao choro. 

Nos balancei de um lado para o outro e alisei suas costas. Sara gostava do Jacob muito antes dele enxergá-la como pessoa. 

— Você já comeu? — perguntei me afastando. 

— Não. Estou sem fome. 

— É, mas alguém talvez esteja com fome — coloquei a mão em sua barriga. — Vamos! Eu sei cozinhar comida também. 

Puxei minha amiga para a cozinha. Fazia muito tempo que não tínhamos um momento assim. Eu queria acreditar que havíamos crescido e nos tornamos adultas, mas na verdade não era nada disso.

— E ninguém pediu desculpas? — perguntei abrindo a geladeira. 

Sara se sentou perto da bancada e se esticou pela superfície enquanto alisava sua barriga. 

— Bem, ele parecia realmente irritado — murmurou. 

— Ah, o Jacob deve estar se sentindo pressionado, mas tenho certeza que ele te ama e vai vir correndo se desculpar! 

Enquanto eu cozinhava uma sopa, Sara contou sobre a discussão, e embora ela parecesse muito magoada, eu sabia que um pedido de desculpa resolveria tudo. Provavelmente o Jacob estava em algum lugar reunindo a coragem para tomar a iniciativa. 

— Você e o Kevin não conversaram? — ela perguntou já segurando a colher para comer. 

— Acho que ele está muito ocupado — empurrei o pote de sopa para ela e fiquei de pé do outro lado da bancada a observando. 

— Não precisamos de homens! — reclamou mexendo na sopa. 

— Vocês farão as pazes logo — sorri apoiando o rosto nas mãos. — Tenho certeza que ele vai chegar em breve.

Enquanto ela tomava a sopa, resolvi limpar a bagunça que deixei. Fiquei escutando-a contar sobre todas as vezes que reataram e pouco tempo depois já estava me perguntando sobre minha vida sexual... Essa era Sara.

— Porque em toda minha vida eu só dormi com um homem — me encarou com os olhos bem abertos. — Você pegou outros em Massan?

— Bem... — sorri sem graça. — Dois?

— E quem era melhor? — sorriu empolgada. — O Kevin vence deles?

Entortei o pescoço com uma careta. Eu não costumava fazer esse tipo de avaliação, ou melhor, eu não lembrava muito de como eram meus relacionamentos casuais. Namorei sério apenas uma vez. 

— Acho que sim — falei e ela soltou um gritinho. Deslizei os dedos pelos meus cabelos vendo-a bater as mãos, animada. — Mas eram relacionamentos diferentes. Acho que as coisas são diferentes quando é com a pessoa que você ama.

— E é por isso que eu não aceito que você tenha esquecido ele! — apontou para mim. 

— Tudo bem! Eu me rendo — levantei as mãos num sinal de paz. — Tenho pensado nele. 

Abaixei a cabeça quando ela começou a festejar. O barulho da porta batendo fez nós duas entrar em modo alerta. Jacob apareceu na cozinha poucos segundos depois, e Kevin estava com ele. 

— Podemos conversar? — ele disse olhando apenas para a Sara. 

Kevin fez um gesto para que eu saísse. Passei a mão no cabelo da Sara rapidamente antes de sair. Peguei minha bolsa no sofá e segui o Kevin para fora. 

— Ele está bem? — perguntei pensando na fisionomia séria do Jacob.

— Está — respondeu trancando o portão. — Ele é o mesmo bobo de sempre. 

— Ah — suspirei. — Que alívio!

Ficou estranho quando nosso assunto morreu. Ficamos nos encarando sem dizer nada e ele desviou primeiro. Kevin, meu elfo favorito, estava com a pele bem alva refletida pela luz do poste, e seu cabelo um pouco bagunçado. Suspirei querendo não o achar tão bonito assim.

— E o emprego? — perguntou.

— Ótimo! — respondi olhando para o carro, ou seja, sem passeio até o metrô. — E você? Tem estado muito ocupado?

— Sim.

— Entendo — sorri e busquei pela chaves do carro na bolsa. — Espero que consiga resolver tudo!

Ele estava evasivo, talvez tivesse mudado de ideia sobre conversar. E eu não tinha direito de insistir naquilo. 

Comecei a andar para o carro, mas arregalei os olhos quando ele segurou meu pulso. Kevin tocou minha pele, a sua estava gelada.

— Wendy — falou baixinho e se aproximou um pouco sem me encarar diretamente. — Eu quero falar com você, mas não sei como. 

— Você sabe como falar comigo — respondi concentrada em nossas mãos tão próximas. Meu coração acelerou só com aquilo, e não sabia se era apenas um nervoso bobo. — Estou disposta a conversar com você.

Kevin franziu o cenho, compondo sua careta confusa, e fofa, é claro. Ele suspirou profundamente, daquele jeito que eu conhecia e pensei que ele diria "vou me arrepender disso, mas" logo depois.

— Talvez eu me arrependa disso, mas — ele disse e sorri, o que lhe desconcertou ainda mais — moro ali! — apontou para uma casa do outro lado da rua. — Você tem algum tempo?

— Tenho — concordei, o que aumentou a velocidade das batidas do meu coração.

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