Ele não apareceu. Kevin me enviou uma mensagem em cima da hora avisando que havia surgido um problema na clínica. Apenas respondi um ok e debrucei meus braços sobre a mesa do restaurante.
Eu tinha basicamente passado a noite em claro e ansiei por todo o dia encontrá-lo, mas ele não podia ir. Recebi uma mensagem curta e sem sugestão para outro dia. Talvez ele realmente estivesse ocupado.
Não comi no restaurante, pedi para viagem, preferia ir para casa e dividir minha refeição com o Legolas.
Mas passeando pelas ruas até chegar ao meu carro me deparei com um cartaz que chamou minha atenção. Voltei para a confeitaria e arregalei os olhos em ler: Precisa-se de assistente. Era um lugar pequeno, mas uma lâmpada se acendeu dentro de mim.
Vinha pensando em começar meu próprio negócio. Iria criar uma conta nas redes sociais e promover meu trabalho. Mas aquela frase me deixou balançada.
Não hesitei um segundo antes de entrar no local. A moça no balcão me olhou curiosa e sorriu sem graça.
— Já estamos fechando — ela disse quando me aproximei mais.
— Sobre o cartaz — apontei para a porta de vidro. — A vaga já foi ocupada?
— De assistente? — perguntou e concordei com a cabeça. — Ainda não. Você tem interesse?
— Sim! — sorri mostrando os dentes.
Ela chamou um senhor e passei a mão sobre meu casaco na tentativa de me arrumar rapidamente. O homem gordinho me deu uma olhada depois que a garota sussurrou alguma coisa. Ele estava com um avental branco e bateu as mãos limpando a farinha.
— Garota! — disse com uma voz grave. Eu quis rir do "garota", fazia tempos que ninguém se referia a mim assim. — Você quer o emprego?
— Quero!
— Que experiência você tem em padarias e confeitarias? — estreitou seus olhos.
— Nenhuma! — respondi tentando não esmorecer minha determinação. — Mas fiz doces minha vida toda! Eu sou realmente boa nisso! E preciso muito de um emprego.
Ele cruzou os braços e se aproximou de mim. Seu suspiro chegou a balançar meu cabelo.
— Você é boa em fazer pães? — perguntou e não consegui esconder minha careta.
— Sou melhor com tortas — avisei e lhe apresentei um sorriso sem vergonha.
— Se quiser trabalhar aqui vai ter que saber fazer os dois — negou com a cabeça.
— Eu farei! — respondi ansiosa. Já tinha feito massa de pão algumas vezes, talvez desse certo.
— Qual o seu nome?
— Wendy Brassard!
— Sou Jonas Queiroz — me ofereceu a mão, a qual apertei. — Venha, me mostre o que sabe fazer!
Ele foi para a cozinha, eu o segui me perguntando se a entrevista havia acabado. Era realmente um lugar simples, mas melhor do que a cozinha da minha casa.
Passei um bom tempo ali sovando massa de mão e conversando sobre farinhas de trigo. Até esqueci do horário, mas consegui o emprego.
✴✴✴
Cheguei toda suja de farinha em casa, mas e daí? Consegui um emprego. Nem estava pensando muito no fato de não ter conversado com o Kevin.
Legolas veio animado ao meu encontro e abracei seu pescoço peludo. Era bom ter alguém para me receber em casa. Quando morava em Massan, até as baratas morriam de tédio na minha casa.
Depois de tomar um banho, precisei esquentar a comida novamente, pois demorei tanto para chegar em casa que ela esfriou. Coloquei ração para o Legolas e liguei a TV.
Peguei meu celular rapidamente na bolsa enquanto mastigava e levantei a sobrancelha em ver duas chamadas perdidas do Kevin e cinco da Sara. Abri as mensagens e achei estranho, porque a Sara também havia me enviado muitas mensagens.
Kevin: Wendy, me desculpe, eu não pude explicar direito!
Kevin: Um gato chegou quase na hora que eu estava de saída precisando de um procedimento urgente, e eu era o único veterinário que havia ficado.
Kevin: Não queria que achasse que desmarquei por motivo nenhum.
Kevin: Podemos remarcar se você quiser... Estou livre aos domingos.
Kevin: Desculpe pelas ligações! Não vou mais incomodar!
Acabei rindo imaginando sua versão de 22 anos dando todas as explicações possíveis para que eu não interpretasse as coisas de um jeito equivocado. As mensagens haviam sido de 20 minutos atrás.
Sara: Hey, onde você está?
Sara: Kevin está preocupado com você!
Sara: Avise se estiver viva! Espero que não tenha se matado porque ele desmarcou o encontro de vocês!
Sara: Eu mesma te mato se tiver tentado isso!
Sara: Liga para ele! Tomei um susto, porque ele chegou aqui em casa, tarde da noite, todo sujo de sangue de gato perguntando de você.
Gargalhei achando toda situação muito engraçada, exceto a parte do sangue de gato. Passei tanto tempo na confeitaria com Jonas que esqueci de checar meu celular e não o escutei tocando na bolsa.
— Devo ligar para ele? — perguntei olhando para o Legolas, o qual já havia terminado de comer.
Queria contar para alguém do emprego. Kevin era meu melhor amigo. Eu amava a Sara, mas sempre foi ele em todos os momentos, e até quando achei que ele não conseguiria, ele estava lá.
Desliguei a TV e disquei. Era bem tarde, quase meia noite, mas resolvi ser imprudente e tentar arriscar. Enquanto chamava, coloquei o que sobrou da minha comida para o Legolas.
— Wendy? — ouvi a voz do Kevin do outro lado e respirei fundo. — Está tudo bem?
— Vi suas mensagens e ligações. Olha, desculpa, aconteceu uma coisa no caminho de volta.
— E você está bem? Eu... — suspirou. — Não foi intencional!
— Está tudo bem! — me apressei em dizer. — Eu estava numa entrevista de emprego — contei mordendo o lábio inferior, ansiosa.
— Um emprego? A essa hora? — acabei rindo. — Você está rindo... Faz muito tempo que não ouço isso.
Senti meu coração acelerar um pouco. Realmente, fazia muito tempo que não ríamos juntos.
— Bom, eu vi um cartaz numa padaria e confeitaria depois que saí do restaurante — comecei a falar tentando desfazer o clima. — E depois de socar algumas massas de pão, eu fui contratada! Sabe, faz muito tempo que não faço nada inusitado como isso!
— Que maravilha, Wendy! Parabéns!
— Obrigada! — sorri extremamente feliz.
— Seu emprego em Massan não permitia ser assim?
— Não — engoli seco. — Eu tinha muitas reuniões e trabalhava até muito tarde quase todos os dias... Você está bem? O gatinho está bem?
— Ah sim — limpou a garganta deixando sua voz mais limpa. Eu adorava a voz dele num nível que não conseguiria explicar, e toda vez que brincávamos de cantar eu ficava embasbacada em como era maravilhosa. — Consegui salvá-lo sim. No entanto, perdi uma camisa.
— Uffa! E onde estava seu jaleco?
Deitei no sofá querendo procurar uma posição confortável para que aquela conversa durasse muito. Eu não havia me tocado no quanto sentia falta de conversar com ele e ouvir seus comentários ariscos sobre as coisas, ou sua visão fofa... Sobre nós.
— Eu estava prestes a sair para te encontrar — contou. — E a cliente chegou desesperada com um gato sangrando. Havia sofrido um acidente com cacos de vidro.
— Você ficou nervoso? — lembrei de como Kevin, quando estava na universidade, tinha medo de não conseguir salvar os animais.
— Sempre fico — riu um pouco e sorri. — Mas tenho melhorado, sabe? Tento salvar o máximo que der e não sofrer tanto quando não dá.
— Isso é realmente muito bom, Dr. Kevin!
Ficamos em silêncio por algum tempo, apenas ouvindo a respiração do outro. Eu podia ouvir meu coração também, embora eu quisesse que ele ficasse bem quietinho.
— O Legolas está bem? — perguntou puxando assunto.
Virei minha cabeça e vi Legolas rolando pelo chão, brincando sozinho.
— Ele está muito bem! — respondi. — Já está destruindo a casa aos poucos.
— Você se lembra de quando peguei um cachorro na rua?
— Lembro! — recordei empolgada. — Você estava me levando para cas... — limpei a garganta. — Sua mãe enlouqueceu!
— Ela adorava aquele cachorro! — riu. — Lembra que ela chorou quando o dono apareceu?
— Eu lembro disso! — murmurei emocionada. Lembrava de tudo.
— Não quero incomodar mais, imagino que deva estar cansada — ele disse com aquele tom de voz que eu conhecia, parecia estar apressado em se despedir. — Só queria saber se estava tudo bem.
— Está — respondi diminuindo minha empolgação. — Não precisava ter se preocupado tanto! Estou aqui e sou muito difícil de se livrar — ri sozinha.
— Eu já te perdi uma vez — abri um pouco a boca quando ele disse. — Nos falaremos depois. Boa noite, Wendy!
Kevin finalizou a chamada antes que eu respondesse alguma coisa. Afastei o celular do ouvido ainda abatida pelas suas palavras.
Fechei os olhos tentando afugentar a lembrança do dia que terminamos, mas a imagem da lágrima escorrendo pelo seu rosto voltou como uma faca no peito.
A vida é diferente quando você faz o que gosta. Eu tinha um bom emprego em Massan. Meu salário era ótimo, não tinha dívidas, meu apartamento era espaçoso, meus casacos e bolsas eram caros, e os homens se interessavam por uma advogada que sempre andava por aí de salto alto. Mas minha vida era diferente, e eu não via mais graça em nada daquilo. Meu novo emprego em compensação aparentava ser uma terrível bagunça. Nada de salto altos, e muito menos roupa de
Atravessamos a rua em silêncio. Kevin parecia nervoso, daquele jeito que ele transparecia desconforto e me deixava ainda mais ansiosa.Eu não sabia bem o que esperar daquilo. Se abríssemos a caixa do nosso passado seria possível sentir tudo novamente? Eu estava com medo. Não queria ter terminado, mas tudo acabou, e querendo ou não, a culpa era minha. Na verdade, ele premeditou aquilo, fui avisada, ele me conhecia melhor do que eu. Passei na casa dos meus pais no sábado à tarde, como mamãe pediu. Eu estava tendo dias estranhos. Não conseguia parar de pensar na conversa que havia tido com o Kevin. Tínhamos combinado de sair, só não sabia bem se era um encontro, e sinceramente, esperava muito que fosse.Mamãe tinha feito um lanche para aquela tarde, eu estranhei como ela estava gentil, e me perguntou de forma empolgada como estava no trabalho. Papai não disse muito, ele continuou mexendo em seu notebook, e apenas aceitou meu abraço quando cheguei.— Por que eu sinto que a senhora está planejando algo? — perguntei, já sentada, observando ela encher uma xícara de café para mim.Mamãe riu um pouco e apoiou o rosto sobre a mão me analisando. Tomei um gole do café, desconfiada.— Fico feliz que esteja indo bem no trabalho! — disse enchendo umaOito
— Você é advogada? — Daniel perguntou depois de jogar a massa de pão que ele estava sovando na mesma bancada que eu estava usando para bater a massa da minha torta. Sorri um pouco enquanto despejava a massa numa assadeira pequena e redonda. Era engraçado lembrar sobre meu diploma de Direito, e que atuei como uma advogada por cinco anos. Eu não era gestora ou nada tão grandioso, mas participava de uma equipe extremamente responsável, e até resolvi alguns casos sozinha. — Sim, tenho um diploma — respondi sem querer parecer arrogante. Coloquei a assadeira no forno e fui recolher os ingredientes para a próxima etapa. Fingi não ter visto o Daniel me seguindo com os olhos. Deveria ser legal ter uma novidade no trabalho, e provavelmente ele só estava interessado por isso. Se ele soubesse a confusão e caos que eu era, sairia correndo. Talvez eu devesse me apresentar melhor. Daniel era um rapaz bonito, jovem, talvez fosse interessante. Mas eu me sentia presa a
(Lembrança)Conheci Kevin quando a louca da Sara se apaixonou pelo Jacob. Eu entrei confiante na universidade para cursar Direito, como meus pais desejaram. Me incomodava muito em ver minha amiga sofrendo de amores por um cara que ela nunca havia conversado na vida.Num festival que ocorreu no campus para arrecadação de dinheiro, os cursos elaboraram barracas de diversas coisas legais. Eu arrastei a Sara e ficamos seguindo o Jacob por todo evento. Mas acontece que ele estava com o chato do Kevin, o qual cruzou os braços assim que eu disse o primeiro "oi". Nossa, fui dormir naquele dia irritadíssima com a arrogância daquele garoto. O idiota era branquelo, magricela, tinha uma falha na sobrancelha, e enormes orelhas pontudas. Ridículo.Nem eu mesma acreditei quanto tempo perdi no meu primeiro semestre caçoando dele. Engraçado que nos víamos o tempo inteiro, na cantina
Saudades. Estava morrendo de saudades. Estava definhando em saudades.Minha vida voltou a fazer sentido quando Kevin me abraçou. Trocamos beijos, carícias íntimas, e abraços profundos. Eu sabia que estava sentindo falta de alguma coisa todo o tempo, mas como adulta responsável pelas suas escolhas, eu precisava fingir que não sabia o que era. Mas naquele momento constatei, de forma que eu não podia negar a mim mesma e a ninguém, que era ele, que eu sentia falta de nós.Durante minha adolescência não acreditava muito em romances tão duradouros, em amor de verdade. Quando terminei com Kevin, acreditei que superaria e em algum momento tudo não passaria de uma lembrança. E apesar de suportar bem, não tinha superado completamente.— Wendy... — Kevin riu nervoso tocando minha cintura com as duas mãos.Eu fingi não ter escutado e
(Lembrança)Eu havia me apaixonado pelo orelhudo irritante. Tentei odiá-lo, mas quando estava de frente para ele, meu coração desmanchava. Eu não sabia mais o que fazer para tirar as visões de nossos beijos de mentira da minha cabeça. Droga, Wendy! Com tantos homens por aí, foi querer logo esse?— Ele nunca vai olhar para mim! — Sara reclamou quando nos deparamos com os dois amigos na fila do cinema.Engoli seco querendo tirar os olhos do Kevin, mas ele estava tão bonito com o cabelo partido ao lado, e uma jaqueta jeans. O garoto adorava acessórios, e sempre estava usando alguma pulseira ou colar.— Você deveria falar com o Jacob — falei tentando não parecer embasbacada. — Ele é tão legal!— A gente nem consegue conversar! — ela suspirou. — Se ele pelo menos ele me irritasse como
(Lembrança)Eu saí com os colegas da faculdade quando finalmente chegamos ao último dia de aula do semestre. Todos estavam comemorando o fim das provas e as possíveis aprovações nas disciplinas, então resolvi me enturmar com eles e fomos todos beber. Precisava mesmo sair com outras pessoas e tentar não pensar no orelhudo metido que não deu as caras depois de eu