Quando chegamos em Varanasi, Dinesh quis alugar um quarto numa pousada nas margens do rio Ganges para que a gente pudesse pernoitar ali e logo mais no dia seguinte descer pro rio e ir deitar as cinzas do meu pai naquelas águas sagradas. So que a tarefa foi demasiado difícil de concretizar, pois estamos na época do Puja para Ganesh, uma festividade que acontece todo ano onde muitos devotos costumam ir até Varanasi para se mergulhar nas águas sagradas do rio afim de buscar uma santificação espiritual. Por isso, nesses dias é normal ver aquela cidade totalmente congestionada pelos devotos peregrinos vindos de todos os cantos do país e até vindo de fora do país."Eu acho melhor a gente ir embora e voltar daqui há algum tempo." Dinesh fala enquanto estamos olhando a movimentação das pessoas na rua lá embaixo do quarto do motel onde finalmente ele tinha conseguido achar um quarto que não tivesse sido reservado pelos visitantes da cidade. "Está muito cheio." Suspiro com aquela sugestão dele.
DevaEstamos de volta no trem agora definitivamente a caminho de Surat que não fica muito longe, em duas horas nós já estaríamos lá, então aproveitamos a viagem pra dormir um pouco no trem em movimento. Assim que chegamos em Surat eu fiquei guiando Dinesh por lá já que ele nunca tinha estado ali."Eu sempre quis vir pra cá quando você estava casada e morando aqui." Ele conta pra mim descontraído."Então por que não veio? Seria bom ter sua visita por aqui." Falo em termos de brincadeira, mas com uma grande verdade nas minhas palavras. Os dias que passei na casa dos Suryavant foram tão deprimentes que avistar um rosto conhecido e amistoso faria alguma diferença, ainda mais se fosse Dinesh vindo me ver, assim eu evitaria me meter em encrencas. A verdade é que eu estava me sentindo abandonada na casa dos Suryavant, embora as pessoas me tratassem vagamente bem, eu me sentia presa e assustada por dentro, se Dinesh estivesse ali comigo eu sentiria aconchego e apoio vindo dele, não me sentiri
Anushka"Descer logo... Ela acha mesmo que eu sou uma selvagem..." Por que tem que me dizer quando eu devo ou não descer? Será que ela acha que eu não sei me comportar como uma dama? Talvez por dentro de toda aquela bondade e meiguice que Nayana mostrava, talvez lá no fundo ela me desprezava por eu ser uma dalit, é impossível não detectar este depesprezo até nas coisas inconscientes que elas fazem, nas suas falas tem algo que me inferioriza, a forma como me olham e como tocam em mim, estão sempre me inferiorizando. Eu notava isso até em meu próprio marido às vezes mesmo quando não era diretamente comigo, o preconceito que eles tinham por pessoas da minha casta é tanto e está tão impregnado neles que vai além da consciência deles, só que eu estou disposta a lutar pelos meus direitos, estou disposta a tomar o meu lugar de direito no mundo e não importa o quanto isso vai cobrar de mim.Atrasei de propósito, deixei as duas finezas esperando por mim lá embaixo. Posso até imaginar Bhadrasr
Anushka"A gente devia ir pro cabeleireiro, não é mesmo?" Nayana tenta apaziguar. "A senhora disse que precisava tratar o cabelo hoje, minha sogra." Eu e minha sogra ainda estávamos nos fitando impetuosamente, nem ela e nem eu querendo baixar a cabeça. A tensão era tanta no lugar, por fim Bhadrasri fez um som de descontentamento e se recompôs."Sim, claro. Vamos logo pagar essas compras." Então saiu se dirigindo até o caixa. Nikash olhou pra mim e deu um meio sorriso, indo embora logo em seguida, talvez ele tivesse me achado mais forte agora que tinha enfrentado minha sogra, Nayana apertou o meu ombro de leve num gesto de dar forças e seguiu Bhadrasri, suspirei fechando os olhos por um momento tentando recobrar minha calma e então segui elas também.Momentos depois, quando saímos da loja de roupas femininas, fomos para o salão de cabelo que eu também conhecia bem, pois quando Bhadrasri passava aquelas tardes de compra e cuidado com sua aparência ela sempre me levava pra carregar as co
Deva"Vai pensando que eu desisti, e tente dormir tranquila essa noite, algo que você não vai conseguir pois eu sempre serei o seu pior pesadelo." Dou um último sorriso cínico e então me viro indo embora sumindo entre a movimentação do bairro.Estou pensando em como foi delicioso e satisfatório ter visto a cara da Anushka toda assustada com a hipótese de eu estar gerando um filho do marido dela que ela tanto se gaba, aquela desgraçada, ela deve estar se remoendo toda agora, me dá muita vontade de rir às gargalhadas. Embora minha ida até a casa dos Suryavant tenha sido um fracasso total, pois não tinha conseguido alcançar os meus objetivos, mas devo reconhecer agradavelmente que pelo menos tinha valido a pena por ter visto Anushka tão em apuros com medo de eu estar grávida do marido dela. Não tinha desmentido aquilo confessando que não era verdade, que eu só estava brincando pra tirar a paz dela e que o pai do bebê na verdade era Shankar, eu mesma não quis desmentir, ela que ficasse s
"Eu quero ver ela... Cadê minha filha..?" Procuro com os olhos pra sala onde estamos, há muitos doentes nessa sala, uma cama está sendo ocupada por duas ou até mesmo três mulheres, ninguém está ocupando minha cama para além de mim porque estou recebendo remédios por via arterial, senão acredito que teria alguém ocupando essa cama também junto comigo. Há muito choro de bebê também, constato. Eles me colocaram na sala de parto, há muitas mães carregando em seus braços seus bebés recém nascidos, há também um forte cheiro de remédio, sangue e urina pelo ar que me fez enrugar o rosto.Então era assim que funcionava hospitais para pessoas sem dinheiro..? Também não é algo para se admirar. Há milhões de pessoas nessa cidade, quase dois bilhões em todo país, então mesmo que o governo construa sempre mais hospitais sempre terá défice por causa de tanta população existente, não consigo evitar de sentir nojo, queria poder ter estado num quarto particular, mas também não devo exigir uma coisa des
Estamos no meio da confusão de pessoas correndo em pânico e se esbarrando uma na outra no que deveria ter sido uma festividade da tradição hindu num bairro turístico de Singapura. Pessoas saíram correndo em motim quando viram o pequeno carro verde néon da marca Bugatti quase atropela-los, de certeza que depois dessa eu perderia minha licença para conduzir que eu tinha levado tanto tempo pra conseguir, mas eu faria qualquer coisa para ajudar minha amiga.Quando finalmente vejo Nayana escapar entre o motim a nossa volta que a pequena multidão de pessoas naquele beco em Little India estava fazendo, penso comigo mesma resignada. 'Por favor, Nayana. Vá e não olhe mais pra trás. Fuja com o seu grande amor e não volte mais. Pense em você mesma pelo menos por uma e única vez na vida e vá ser feliz.' Ela já tinha passado por tanto nessa vida... Ela mais do que ninguém merece ser muito feliz, sou a favor dela correr atrás da sua felicidade. A vida é uma só e é muito curta pra se viver infeliz.
Hari"Nay..." Fecho os meus olhos passando a mão em suas costas carinhosamente enquanto ela chora mais um pouco no abraço apertado que estamos dando."Eu não consegui, Hari. Eu destruí ele... O destruí, sou tão cruel..." Ela está falando do Radesh e da provável última conversa que tiveram, posso até imaginar o quanto Radesh está destroçado. Suspiro."Tá tudo bem, amiga. Você fez sua escolha, deve saber lidar com isso..." Eu não vou ser falsa falando mentiras pra ela."Temos que ir, Nayana. O nosso vôo parte em cinco minutos." Shankar lembra a ela que assente e se separa de mim me olhando no rosto."Obrigada por tudo...""Imagina, pode voltar pra Singapura o quanto quiser. Aquela casa já é sua também." E era verdade, pelos vistos terei que aprender a me readaptar a morar sozinha sem ela lá. Ela me dá um último abraço e então se vai, suspiro e me viro para ir embora também.Quando volto pra casa era como se uma parte de mim tinha ido com minha amiga pra Índia. Queria tanto que ela ficas