Voltei para casa, flutuando. Uma mansão luxuosamente decorada se erguia nos subúrbios, como uma fera adormecida nas trevas, nunca me oferecendo um pingo de calor como lar. A luz suave da luminária incidia sobre as feições severas do meu irmão, que lidava com assuntos da empresa com o cenho franzido. Ele olhou para o relógio no celular, seu semblante denotava impaciência, parecia estar irritado novamente. Após algum tempo, tentou fazer uma ligação. Parecia que não conseguia conexão, soltou um palavrão e desligou, atirando tudo o que estava na mesa ao chão. O temperamento do meu irmão sempre foi explosivo, isso eu sabia.— Letícia, você se acha esperta agora, não é? Você bloqueou meu número e o WhatsApp! — Gritou meu irmão, furioso, jogando coisas ao redor. — Se é assim, nunca mais volte. Morra aí fora.Meu nariz ainda ficava sensível, mesmo estando morta. Ouvir aquelas palavras ainda me fazia querer chorar.— Irmão, você conseguiu o que queria. Sua irmã, Letícia, realmente morreu
Meu irmão me odiava profundamente. Não sem motivo, segundo ele. Fui eu quem causou a morte de nossa mãe e, também, a de nosso pai. Nos dias que antecederam o meu nascimento, mamãe, de repente, teve a ideia de ir ao shopping comprar roupas para mim. Foi atropelada por um carro e levada ao hospital, onde não resistiu. Um parto por cesariana salvou minha vida, mas não pôde salvar a dela. Ela morreu no dia em que eu nasci.Embora as últimas palavras que minha mãe dirigiu ao meu pai tenham sido:— Cuide bem da Letícia, diga a ela que a mamãe a ama.Aquelas palavras foram sussurradas por meu pai, embriagado, ao meu ouvido.No entanto, meu pai ainda se recusava a lidar comigo, exceto quando estava bêbado. Nessas ocasiões, ele ocasionalmente murmurava algumas palavras em meu ouvido. Nos demais momentos, ele simplesmente mantinha um semblante fechado, como se eu nem existisse.E, recentemente, esse pai distante e taciturno também faleceu, por suicídio. Papai deixou uma carta, mas meu irm
Meu irmão enfrentou uma vida difícil, ele era dez anos mais velho do que eu. Desde que nosso pai começou a sofrer de depressão, a empresa da família entrou em declínio. Ele sempre foi um aluno exemplar, avançando rapidamente pelas séries escolares. Aos vinte anos, se formou na universidade e ingressou na empresa, começando a assumir responsabilidades significativas.De um jovem recém-chegado ao mercado de trabalho, ele ascendeu à presidência do Grupo Garcia. O percurso dele foi árduo. Por isso, eu sentia uma profunda compaixão por ele. Quando ele ficava até tarde bebendo por causa do trabalho, eu preparava uma sopa para curar a ressaca e deixava ela secretamente na mesa para ele.Acordava cedo para fazer canja, que era benéfica para o estômago. Quando vi meu irmão esfregar os olhos, exausto, utilizei o dinheiro que economizei durante um mês para trocar a lâmpada incômoda de sua mesa por uma nova, além de deixar colírio e vitaminas ao seu alcance. Passava a ferro suas camisas lav
Meu irmão não me ligou mais. Era de se esperar. Para ele, aquela ligação já representava o limite de sua paciência comigo. Me lembrei da primeira vez que brigamos seriamente. As veias de suas mãos estavam saltadas enquanto ele apontava para a escuridão lá fora, aquele breu onde não se via sequer a mão à frente do rosto.— Letícia, saia desta casa agora. Você não é mais minha irmã.Lágrimas escorriam enquanto eu gritava para ele:— Você acha que eu queria ter um irmão como você? Rafael Garcia, eu te odeio!Ele me deu um tapa, e a área ardente e vermelha no meu rosto começou a inchar. Corri para fora, encolhida ao lado da estrada, esperando que ele viesse me procurar. O vento da noite era frio, e eu estava apenas de camisola de seda. Rapidamente, meus lábios começaram a ficar roxos, e meu corpo tremia incontrolavelmente. Eventualmente, percebi desolada que meu irmão não iria atrás de mim. Ele não havia dado um passo sequer para fora do quarto.Depois, sentindo um frio terrível e
Eu observei o rosto irritado de meu irmão, que finalmente esboçava um leve sorriso, afundado no sofá. Sabia que era a hora de minha irmã mais nova sair da escola. Quando eu estava no ensino fundamental, essa irmã sem laços de sangue veio morar conosco. Diziam que ela se parecia trinta por cento com minha mãe falecida. Por isso, meu irmão estava disposto a tratá-la bem.Eu frequentemente me perguntava se as coisas seriam melhores se eu fosse um pouco como minha mãe. Talvez assim, papai e meu irmão não me odiassem tanto. Mariana Garcia saltitava até o carro do irmão, vestindo um vestido branco e fofo, com os olhos e sobrancelhas arqueados em um ângulo que partia o coração, a ponta do nariz avermelhada e um sorriso radiante. Ela realmente era alguém que havia sido mimada.Era habilidosa em fazer meu irmão e meu pai felizes, conseguindo facilmente o afeto de todos. Ao contrário de mim, que era desajeitada e medrosa. Eu não ousava. Porque cada vez que questionava ou chorava, o que
— Não fale assim da Letícia. Ela deve estar apenas fazendo birra. É culpa minha, se não fosse o que eu disse, ela não estaria tão brava com o irmão.Ah, aquele sentimento familiar da Mariana.Ela era tão falsa.Não conseguia associar aquela garota à minha frente com a mãe gentil das fotografias.Elas realmente se pareciam?— Mariana é tão generosa, Letícia é tão dura com você, mas você sempre a defende. — Disse meu irmão enquanto acariciava a testa de Mariana com delicadeza. — No testamento do papai, ele disse que a propriedade seria dividida meio a meio entre mim e Letícia. Mas olhando para ela, toda louca e desvairada, como ela pode ser minha irmã? Por isso, estou pensando em mudar o testamento para colocar você no lugar dela.Uma náusea indescritível subiu do meu estômago.Eu queria ir embora.Mas minha alma parecia estar aprisionada.Incapaz de me mover.Minha cabeça zumbia.Ainda podia ouvir a voz do meu irmão.— Na verdade, quando papai foi resgatado, ele queria ver a Letícia. El
Quando Mariana chegou, ela se mostrou amigável comigo. Ao menos dentro de casa. Ela timidamente me seguia, sorrindo enquanto me chamava de "irmã". Isso até perceber que nosso pai me ignorava e meu irmão era cruel comigo. Foi então que ela também começou a me tratar mal. Foi quando percebi que Mariana realmente não gostava de sorrir. Ela me encurralou certa vez no banheiro da escola, permitindo que outras meninas puxassem meu cabelo e me jogassem ao chão. Os golpes eram desferidos onde as roupas cobriam, causando dor sem deixar marcas visíveis. Nem um hematoma podia ser encontrado.— Letícia, não me odeie. Se for para odiar alguém, odeie seu irmão. Eu só faço isso porque ele permite. Você acha que eu, apenas uma filha adotiva, teria tanta audácia sem a aprovação dele?Sim, se não fosse por meu irmão, como ela ousaria me tratar assim? Meu irmão realmente desejava a minha morte. Depois disso, eu já não esperava mais que ele me salvasse. Eu apenas pedia a ela que não me batesse.
Inúmeras vezes retornei para casa com o cabelo e as roupas desalinhados. Quando meu irmão notava, ele apenas franzia a testa e me puxava de lado para perguntar:— Letícia, você tem se envolvido em confusões por aí? Você ainda não tem dezoito anos! Você acha que está honrando nossa mãe?Eu segurava as lágrimas. Eu contia os gritos. Mas não conseguia aliviar a dor no corpo e no coração. Eu queria contar tudo ao meu irmão. Porém, Mariana e um garoto da classe me despiram e tiraram fotos minhas em situações vexatórias. O belo rosto de Mariana se iluminava com um sorriso aparentemente inocente.— Letícia, se você contar algo, eu espalho estas fotos. Então, você verá o que seu irmão pensará de você.Valia a pena falar? Eu não conseguia decidir. Comecei a tomar remédios. Meu cabelo começou a cair aos montes. Mas nada adiantava. Procurei uma clínica psicológica. A médica acariciou meu cabelo, com um olhar de ternura e cuidado que eu raramente via. Minha emoção aflorou e as lágrima