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Capítulo 2 - Noah Bellini

Sabe quando sua família odeia uma certa pessoa e você se vê obrigado a ir junto com a manada? Bem, era isso que deveria ter acontecido com Hanna.

Seus pais, os Fiore, eram donos de uma padaria que vinha sendo passada de geração em geração. Tudo começou com sua bisavó descendente de franceses casando-se com um descendente de italianos. O sonho dela era construir a maior padaria de toda Marjorie — uma pequena cidade no litoral sul do Brasil. Tudo estava indo bem, seu sonho estava prestes a se concretizar, entretanto ela apareceu, Myra Bellini, uma mulher imponente vinda da Itália. 

Ela era uma jovem de cabelos ruivos e olhos claros — cá entre nós, ela não se parecia nada com uma italiana —, elegante, batalhadora e com um sonho igual ao da bisavó de Hanna. Ela também queria construir a maior padaria de toda Marjorie e se tornar a maior padeira de sua época.

Claro que duas pessoas com sonhos iguais e com alguns aspectos diferentes, não podiam se dar muito bem. Por isso, e outros motivos, uma rivalidade e inimizade se formou entre as duas, e ambas começaram a disputar pelo primeiro lugar como melhor padeira de toda região. 

Graças a habilidade incrível de ambas, infelizmente, nunca conseguiram desempatar e, consequentemente, essa rixa foi passada de geração em geração até aqueles dias atuais. Sendo Hanna e Noah os primogênitos das famílias Bellini e Fiore. Aqueles que deveriam honrar essa disputa como grandes rivais e inimigos que deveriam ser — algo que não saiu como previsto.

— Olha que coincidência desagradável — Hanna falou, sarcasticamente para ele. Noah, como sempre, sorriu divertido.

— Que isso, Fiore! Você sabe que eu te amo, não é? — provocou, dando uma piscadela para ela. Hanna revirou os olhos e sorriu.

Aquele ruivo ainda lhe matava.

— Não mais que eu — murmurou, divertida. Noah riu, melodioso, e olhou para o outro lado da rua, como se procurasse por algo.

A garota ficou olhando para ele por um tempo. Tinha que admitir, Noah era um pedaço de mal caminho. Cabelos ruivos escuros, olhos negros como a noite, ombros largos, alto com um físico de atleta de se invejar e uma personalidade interessante. Ele tinha tudo para ser um cafajeste pegador, mas ele não era. Muito longe disso.

— Venha comigo — ordenou, pegando na mão da garota e arrastando-a pela rua. Ela não resistiu, afinal ele possuía a única proteção capaz de evitar que ela virasse uma sopa ambulante. 

Mas não era só por isso que a jovem o seguiu naquela noite.

Andaram quase com os corpos colados um no outro — o guarda-chuva não era muito espaçoso —, até a lanchonete da senhorita Ana Bryath. Aquele era um lugar que ambos — Hanna e Noah — visitavam com frequência. O motivo? Bem, tanto os Fiore quanto os Bellini odiavam aquele pacato estabelecimento. O porquê? Simples; Ana e sua família não quiseram apoiar nenhum dos lados quando a rixa passou dos limites há quinze anos atrás.

E esse ódio de suas famílias pelo lugar permitia que ambos pudessem ser o que quisessem lá dentro, sem se preocuparem com a possível chance de levar um sermão só por estarem no mesmo ambiente que o outro. Além disso, aquele também era um recanto sagrado, onde ela sempre afogava as mágoas de seus amores mal resolvidos. 

— Olha só quem resolveu aparecer! — Bryath cumprimentou, saindo de trás do balcão da lanchonete para vim até o encontro dos dois. Ela era uma jovem de mais ou menos vinte e seis anos, de cabelos negros lisos e pele bronzeada. — Você está bem, quase xará? Parece meio abatida — observou, preocupada.

— Estou bem, é apenas o de sempre. — Hanna sorriu, tentando não entrar em detalhes. Ana já sabia o que ela queria dizer com aquilo, então simplesmente voltou sua atenção para Bellini. 

— E você? Está bem? — Noah, como sempre, apenas sorriu e gesticulou um sim com a cabeça e mãos. — Bem, nesse caso, sentem e esperem um pouco. Logo vou trazer algo para vocês se aquecerem. — Ela esfregou suas mãos no avental e coçou o queixo. — Um chocolate quente ou um café?

— Um chocolate para a senhorita ao meu lado. — Bellini apontou para Hanna, divertido. A garota somente revirou seus olhos, porém não rejeitou o pedido. Ela amava chocolate e ele sabia muito bem disso. — E para mim apenas um café preto sem açúcar.

Ana apenas assentiu. A passos apertados andou para onde Hanna imaginava ser a cozinha. 

— Como você consegue consumir café numa hora dessas? Principalmente sem açúcar? — a garota indagou, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. O ruivo riu e fez sinal para que ela andasse até a mesa mais próxima da porta. 

— Primeiramente, eu não sou fã de coisas doces. Segundo, eu bebo café para me manter energizado. — Ele parou de falar e a encarou com as sobrancelhas erguidas. — E, terceiro, quem não gosta de café?

— Eu? — Deu de ombros, sentando-se de frente para a mesa, Bellini sentou-se lentamente na frente dela, enquanto Hanna focou sua atenção em tirar seus cabelos molhados de seu rosto. 

— Você é exceção, não conta — a provocou, descaradamente. Já sabia onde ele queria chegar com aquela conversa e, como sempre, ela não negou isso a ele. 

Um misto de amor e ódio sempre a rondava nessas situações.

— Sou? Poderia me dizer em que sentido? — falou, manhosamente. Um sorriso esboçou-se no canto da boca dele e, sem querer, ela se viu encantada pela covinha que se formou no lado oposto de seu rosto.

Maldição! Não era hora disso.

— Você sabe em que sentido. — Ele deu de ombros e olhou para fora da janela. — Você é diferente do resto

— E por isso minha opinião não pode ser levada em consideração? 

— Não, pelo contrário, tudo em você é especial. Um diferente bom. E, por isso, sua opinião nem sempre é igual a maioria, o que me leva a não comparar seu modo de pensar com os dos outros — Noah falou, seriamente. Muito mais sério do que o costume. Ele falava a verdade?

Quando o rosto de Hanna estava começando a enrubescer, Bellini deu uma leve risada e ela não pôde mais levar suas palavras em consideração.

Maldito Noah e seu senso de humor!

— Bem, de qualquer forma, acho que isso não importa — ela disse, para encerrar de vez aquela conversa. 

— Talvez sim, talvez não. Isso depende, florzinha — falou, voltando a provocá-la. Ele sempre a chamava pelo apelido que ela detestava quando queria deixá-la irritada. Um golpe baixo. 

— Realmente, Noahzinho — concordou, no mesmo tom. Ele voltou a gargalhar, sempre de bom humor. 

Inevitavelmente, ela riu também. Não conseguia ficar muito tempo de cara fechada quando estava ao lado de Bellini. Era uma das qualidades dele: conseguir espantar qualquer tristeza com boas doses de provocação e humor.

E era isso que a fazia ficar naquela situação tão… duvidosa.

— Mas, então — disse, atraindo a atenção de Hanna para si —, vai me contar porque estava sozinha na chuva? — questionou, estragando o momento para ela. Uma das coisas que Hanna mais odiava nele era sua curiosidade imensa.

— Tive outra decepção — falou, com a cabeça baixa. Noah coçou o queixo e suspirou. 

— Parece que sempre nos encontramos quando acontece algo assim com você — ele resmungou, baixo o suficiente para que ela quase não escutasse.

E, de fato, a maioria das vezes que eles se encontravam eram em momentos trágicos semelhantes àquele. Talvez fosse ironia do destino que queria provar algo a ela. Só talvez.

— Já encaminhei o nome dele para a lista — brincou, tentando arrancar uma risada dele. Por sorte, conseguiu esse feito.

— E quantos nomes já tem? Uns mil? 

— Não seja bobo — falou, revirando os olhos e dando um tapinha de leve no braço do rapaz.

— Vocês formam um belo casal, sabia? — A voz da quase xará de Hanna se pronunciou de repente, causando um susto enorme nela. Hanna saltou do seu assento, quase tendo um infarto do coração.

— Quer me matar de susto, Bryath!? — Ana apenas revirou os olhos, deixando as bebidas sobre a mesa. Hanna voltou a se sentar, fitando-a com certo espanto.

— Sem drama, mocinha — a repreendeu, como se realmente aquilo fosse drama. Bem, era um pouco.

— Eu já disse isso para ela, Bryath — Noah falou, ignorando o acontecimento anterior. — Entretanto, ela não quis namorar comigo e ainda teve a ousadia de quebrar meu coração! — completou, colocando uma mão em seu peito e a outra na testa. — Eu estou completamente desolado! — Hanna apenas revirou os olhos para a ceninha de Noah, achando graça da situação.

— Sem essa, Bellini.

Ana, que observava a cena com divertimento, apenas riu dos dois, e limpando uma lágrima imaginária, ela se afastou da mesa murmurando um "vou deixar o casal em paz". Fiore apenas balançou sua cabeça com tristeza, ao imaginar ela e Noah como um casal. Era verdade que Bryath era uma mulher muito observadora e que eles podiam ser taxados facilmente com esse rótulo. Mas Noah já tinha sua parceira e sem dúvidas Hanna não era ela.

Para sua infelicidade, ele já havia trocado-a por outra.

— Falando em casal... — iniciou, atraindo a atenção dele para ela. — Como está o seu relacionamento com a Jéssica?

Ao ouvir essa fraca menção sobre sua noiva, Bellini apenas suspirou.

Sim, Noah tinha uma noiva e não demoraria muito para estar definitivamente casado como ela. Infelizmente, para Hanna, era uma questão de tempo.

— Ele está bem. Não é um dos melhores, mas não posso reclamar. — Deu de ombros e bebeu de seu café. Seguindo seus passos, Hanna bebeu do seu achocolatado. — Seria melhor se fosse com você — ele sussurrou, fazendo-a engasgar. Sua risada rouca voltou a preencher seus ouvidos e ela sentiu-se irritada por ter se deixado afetar por um simples comentário. Ele sempre possuía essa influência sobre ela.

Uma verdadeira maldição!

Indignada, olhou para ele, que retribuiu o olhar feroz com uma piscadela. Realmente não tinha como ficar irritada — ou levar a sério — as atitudes de Bellini. Isso era um fato incontestável e inteiramente lamentável para Fiore.

Decidida a não rebater seu comentário, Hanna permaneceu bebericando de seu chocolate quente, sentindo aos poucos o calor invadindo sua pele por baixo de suas vestes molhadas. Ela olhou para o relógio na parede atrás do balcão cor-de-terra da lanchonete. Já passava das vinte horas e ela precisava ir para casa, senão um possível resfriado era o menor de seus problemas. Suspirando fundo, voltou sua atenção para a janela. Já tinha parado de chover e aos poucos as nuvens escuras eram levadas pelo forte vento vindo do litoral. Logo, logo, as estrelas, acompanhadas da bela lua, seriam as únicas a iluminar o céu da pacata Marjorie.

— Eu preciso ir — murmurou, para Bellini, deixando delicadamente seu copo sobre a mesa. Do mesmo modo, Noah deixou sua xícara vazia ao lado do copo e, em seguida, debruçou seus antebraços sobre a superfície plana e a encarou de forma impassível.

— Vamos, eu lhe acompanho até a esquina — ele ofereceu, voltando para sua posição ereta e se erguendo de seu assento em seguida. Hanna fez o mesmo, decidida a aceitar de bom grado a gentileza do ruivo.

Mesmo que, no fim, fosse só isso mesmo.

Sem muitos rodeios, os dois se despediram de Ana e prometeram voltar ainda naquela semana. Era terça-feira, ainda restava muito tempo para a chegada do tão esperado fim de semana. Se ela se esforçasse, tinha certeza que conseguiria visitar Bryath antes do sábado. Bem, essa era apenas sua simples estimativa.

Ao sair da lanchonete, Fiore e Bellini seguiram conversando tranquilamente, sempre flertando e provocando um ao outro. Ao chegar na esquina, que dirigia para seus respectivos lares, eles se despediram e cada um pegou seu caminho. Hanna não pôde esquecer do que ele disse assim que ela gritou um tchau para ele, era algo que não sairia de sua cabeça, jamais.

— Hanna! — ela parou de andar e o encarou perplexa. — Não fique triste por alguém que não te merece. Se ele não te quis, dê o troco e mostre o que ele perdeu. Você é incrível e merece alguém a altura. Não mendigue o amor de ninguém.

Naquele dia, perante aquela fala tão incrível, ela só conseguiu balançar sua cabeça, envergonhada, e correr em direção a sua casa. Se ela soubesse o que aconteceria, ela jamais teria deixado aquelas palavras presas ao vento. Mas, hoje, já era tarde demais para lamentar.

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